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3. O ADOECIMENTO POR LER/DORT, O PROCESSO DE REABILITAÇÃO E A REINSERÇÃO NO TRABALHO

3.3 A Origem das LER/DORT

Em decorrência de ser uma patologia multideterminada, como afirma Araújo (1998) e Cruz (2001), algumas considerações serão feitas, a partir da visão de alguns autores, sobre a etiologia dessa doença sem, contudo, ter a pretensão de esgotá-la.

Rio (1998) afirma que a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou as doenças que têm relação com o trabalho em duas categorias. A primeira diz respeito àquelas que têm o agente causal bem definido: são as doenças profissionais propriamente caracterizadas, por exemplo, a silicose provocada pela inalação crônica de partículas de sílica. A segunda

corresponde às doenças causadas por fatores ligados ao trabalho, não existindo, portanto, um fator específico e bem determinado, e sim múltiplos fatores associados, que podem participar do processo mórbido. Nesses casos, há necessidade de um diagnóstico médico claramente correlacionado com uma sobrecarga biomecânica específica no trabalho. (...) embora o estresse causador dos sintomas possa incluir tanto fatores psicológicos quanto físicos, as alterações patológicas devem ser claramente físicas (Ranney,1997, apud Rio, 1998) como é o caso dos DORT.

Mediante essa classificação, as doenças podem ser causadas, em parte, por condições de trabalho desfavoráveis, que podem agravá-las, acelerá-las ou exacerbá-las. Para serem caracterizadas como doenças do trabalho, é necessário um diagnóstico preciso, como um quadro clínico bem definido e cujo modelo etiológico possibilite a avaliação dos diversos fatores patogênicos. Conseqüentemente, esse diagnóstico passa pela visibilidade, pela objetividade dos primeiros sinais dos sintomas para que seja caracterizado como doença do trabalho.

As questões relativas ao diagnóstico de LER/DORT são discutidas por vários autores (Mendes e Assunção, 2002; Martins, 2002; Alves, 2004; Araújo, 1998; Rio,1998) e constituem um ponto polêmico. O diagnóstico é essencialmente clínico, se baseia na anamnese ocupacional e nas análises das condições de trabalho, sendo considerado positivo apenas quando a doença encontra-se já em estágio avançado. Nas fases iniciais do processo de adoecimento, a invisibilidade da origem da dor gera dúvida e suspeita quanto ao nexo da doença com o trabalho. Nessa perspectiva, os aspectos psicológicos e biomecânicos são superestimados e os fatores psicossociais são descartados, principalmente aqueles relacionados às exigências da organização e das condições do trabalho, por envolverem a intersubjetividade do trabalhador no processo.Também, as causas poderão ser atribuídas às más intenções dos trabalhadores, fato que contribui ainda mais para acentuar a estigmatização e os preconceitos em torno do doente e da doença.

Martins (2002), em estudo com mulheres portadoras de DORT discute a relação entre a histeria e os DORT, supondo serem ambas expressões do sofrimento psíquico pertinente ao contexto de uma época histórica, a passagem do século XX para o XXI. Para a autora, a patologia relacionada ao trabalho DORT é caracterizada por sintomas físicos dolorosos, de difícil diagnóstico, acompanhado de sofrimento e depressão, resultantes de uma história singular da relação do trabalhador com a situação social do trabalho, especificamente com a organização do trabalho.

Nessa perspectiva, a autora fala dos equívocos de se querer estabelecer relação entre os DORT e a neurose de conversão. Para ela, os aspectos psicológicos contribuem com uma boa parcela de risco na constituição etiológica de DORT, juntamente com os aspectos ergonômicos, organizacionais, sociais, psicossociais e biológicos. A classificação como uma neurose de conversão (ou histeria) relacionada ao trabalho não leva em consideração a presença das lesões, as quais, nas fases iniciais do processo de adoecimento, estão ausentes por causa da invisibilidade da dor, fato que suscita dúvidas. Por isso, leva a supor a indicação de ocorrência de sintomas de conversão. Assim, à tentativa de definir um perfil psicológico mais propenso à patologia, em razão da invisibilidade da manifestação dos sintomas no corpo, que provoca dificuldades de diagnóstico de DORT são somadas as dificuldades de manejo da patologia pelos médicos. Por essa razão, algumas iniciativas tomadas para o tratamento conduzem à aproximação entre DORT e histeria (Martins, 2002).

Como afirma Araújo (1998), ao tecer considerações sobre os aspectos psicológicos no desenvolvimento da patologia, a tentativa de estabelecer uma relação entre o perfil psicológico e as LER está ancorada no preconceito que envolve a doença e os adoecidos. Estes são considerados como pessoas de personalidade difícil, meticulosas, fracas, obsessivas, histéricos e outros.

Em decorrência desses fatos, Sato et al. (1993), Martins e Assunção (2002), Martins (2002) e Alves (2004) afirmam que diante da complexidade do fenômeno, o ideal seria um modelo causal que contemplasse a unicidade mente-corpo e as implicações da relação trabalhador-trabalho. A visão biomédica que salienta a necessidade de evidência física de lesão para a caracterização da doença torna difícil o seu reconhecimento na fase inicial, quando é manifestada apenas pela dor, não visível ao outro, pois ainda não surgiram as atrofias dos membros.

Dejours (1994, 1998, 2000, 2004), Derriennic, Pezé, Davezies, (1997) e Pezé (2002) consideram que a etiologia das LER/DORT se encontra na intensificação trágica dos mecanismos de repressão pulsional presentes nas formas clássicas (taylorismo e fordismo) de organização do trabalho, que leva à aceleração da cadência do ritmo de trabalho, obtida pela mobilização intencional da subjetividade dos trabalhadores.

Para os autores, no trabalho as questões referentes ao sofrimento psíquico colocam a organização do trabalho em questionamento, principalmente naquilo que concerne à divisão das tarefas e das relações sociais de trabalho e à fragmentação do modo operatório. O conflito que emerge da relação entre o aparelho psíquico e a organização do trabalho surge quando

esta última, mediante modos e técnicas específicas de gerenciamento, impede o emprego das aptidões psíquicas ou motoras na realização das tarefas. Dito de outra forma, a instalação do sofrimento se dá quando a subjetividade do trabalhador é impedida de ser expressada; quando o subemprego das aptidões psíquicas (a inteligência, a criatividade, o pensamento) e psicomotora (engajamento livre do corpo ao modo operatório) leva à retenção da energia pulsional e constitui-se em carga psíquica de trabalho. Para Dejours (1992), quanto mais rígida for a organização do trabalho, menos ela facilita adequações favoráveis ao equilíbrio psíquico dos trabalhadores.

Desse conflito surgem, primeiramente, o sofrimento e a alienação que, com o tempo, colocam em risco o equilíbrio psicossomático do trabalhador. Esse pensamento de Dejours afirma o primado da intersubjetividade sobre a intra-subjetividade na origem das LER/DORT, o que poderá favorecer ou não o surgimento da patologia. Desse modo, considera o trabalhador como portador de uma história pessoal que se concretiza nas aspirações e desejos por ocasião de sua integração no mundo do trabalho. Em síntese, recusa tanto as explicações de ordem unicamente psicogênica das LER/DORT, que tomam a pessoa isoladamente das situações de trabalho quanto a abordagem mecanicista que concebe a patologia como originária apenas dos desajustes ergonômicos (Araújo, 1998), ou seja, a visão de que o trabalhador é uma simples variável de ajuste no trabalho (Ferreira, 2003).

Assim, diante dessa complexidade, o diagnóstico, quando apoiado em dados essencialmente médicos, que buscam a evidência física de uma lesão, esbarra no principal sinal e queixa do trabalhador: a invisibilidade da dor. A dificuldade de obtenção de diagnóstico no início da doença envolve o desconhecimento da relação intersubjetiva trabalhador/trabalho e a disponibilidade do profissional/médico perito para considerar as informações que o trabalhador/doente fornece sobre a sua dor, já que nesse processo é necessária uma escuta atenta e despida de preconceitos. Problemas complexos exigem compreensão que vá além da redução e da quantificação, pois a dor associada à DORT além de sua manifestação fisiológica apresenta um quadro particularmente subjetivo que vai tomando forma definida conforme, gradativamente, a pessoa concebe, percebe e admite em si mesma a sua dor (Martins, 2002, p.59).