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Os impactos da reestruturação do trabalho bancário na vivência do tempo, na subjetivação e na saúde dos trabalhadores

A seguir, serão apresentados alguns estudos com o intuito de exemplificar, brevemente, como a implantação das novas tecnologias no trabalho bancário contribuíram para o aumento da vivência de pressão de tempo no trabalho, um dos fatores que têm impacto sobre a saúde do bancário.

Em estudo de caso sobre a reestruturação do setor bancário em uma agência de uma instituição financeira de abrangência nacional, sediada no Rio Grande do Sul, Grisci (1999)

fala do entrelaçamento entre trabalho e tempo, um agindo sobre o outro, na produção de subjetivação. Em um cenário contemporâneo marcado pelas mudanças decorrentes da reestruturação produtiva, o estudo evidencia como os impactos provenientes do uso de novas tecnologias, que instituíram novos regimes temporais, afetaram a subjetividade e a saúde dos bancários.

Em sua análise, a autora considera que a reestruturação do trabalho bancário aumentou a rapidez do fluxo do dinheiro, gerou modos de trabalhar e também implicou na qualificação, na recolocação e no desemprego, com repercussão direta na saúde dos trabalhadores.

Os achados empíricos sobre a reestruturação do trabalho bancário evidenciam dois modos de trabalhar e subjetivar. Um deles é relativo ao modo antigo, em que a divisão e a simplificação de tarefas eram condizentes com o modelo taylorista, vinculado a uma noção de tempo em que havia estabilidade no emprego. Nessa concepção de tempo, o trabalho era tido para a vida toda, cenário que subjetiva os sujeitos bancários como vida (Grisci, 1999, p.6). O outro modo de trabalhar/subjetivar é relativo às formas mais complexas e flexíveis, em concordância com o modelo de acumulação também flexível, vinculado a um tempo de velocidade que subjetiva os sujeitos bancários como pressão e medo (Grisci, 1999, p. 6). Nesse cenário, cada vez mais a pessoa vale menos, se qualifica mais e é menos remunerada.

Os resultados do estudo de Grisci (1999) apontam para a diferenciação dos modos de perceber as mudanças surgidas da reestruturação do trabalho. No âmbito gerencial, o reordenamento das tarefas é discutido e compartilhado; em decorrência desse fato, os gerentes vivenciam as mudanças, aparentemente, com menos desassossego, embora também sofram os impactos, ao contrário quando se trata daqueles que estão em níveis mais baixos da hierarquia. Na visão da autora, quanto mais distantes das discussões e mais próximos tão somente das execuções, maior é o sentimento de estrangeiridade (Grisci, 1999, p.8) acompanhado por manifestações de resistências às mudanças e, portanto, de desgaste psíquico e físico.

Talvez seja em conseqüência desse fato que os caixas e escriturários apareçam como aqueles que mais sofrem com as mudanças da organização em decorrência da informatização e terceirização das tarefas, pois elas imprimem um novo modo de trabalhar. Por ocuparem uma posição hierárquica inferior, esses bancários não são chamados para participar das discussões relativas às transformações das próprias atividades que executam, ou seja, sobre eles mesmos; permanecem na condição de estrangeiros .

De forma geral, seja por parte dos gerentes ou por parte dos caixas/escriturários, as mudanças são percebidas como rápidas e drásticas. Elas determinam modos de viver e de trabalhar não mais como um ciclo apoiado na antiga idéia de linearidade e previsibilidade em que predominava a idéia de vida e trabalho sobrepostos. Como esclarece Grisci, atualmente, há indicações de que a vida deve ser compreendida de modo rizomático (Grisci, 1999, p. 8). Nesse sentido, nas questões de tempo e trabalho, a idéia de linearidade e previsibilidade dá lugar à idéia de bifurcação, que ilustra uma trama complexa de passagens de regimes temporais de estabilidade e de certeza para regimes temporais de instabilidade, de incerteza, de insegurança e de medo. Para Grisci (1999), essa é a própria mudança que irá constituir novas formas de subjetivação e refletir na saúde do bancário.

Nessa nova vivência temporal está presente a coexistência de tempos atravessados por uma velocidade surpreendente com novos modos de experimentar o tempo expresso em colocações como: o tempo voa, tempo é tudo, tempo é dinheiro. Essas expressões evidenciam a organização temporal no trabalho bancário expresso por palavras como aceleração, velocidade, tempo real, tempo virtual, comunicação instantânea, trabalho temporário (Grisci, 1999, p. 4). Esse processo de mudança firma a indissociação sujeito/mundo e, nesse caso específico, provoca diferenciações nos trabalhadores bancários, acenando para

[...] a idéia de que as novas tecnologias constituem-se revoluções contidas nas próprias condições materiais do trabalho; a idéia de que as mudanças dos modos de trabalho bancário aponta para a extinção do emprego que institucionaliza o trabalho, mas não para o trabalho propriamente dito; a idéia de que a exclusão social proveniente da diminuição dos postos de trabalho, conjugada com as novas exigências em termos de qualificação encontra-se contida na reestruturação do trabalho; a idéia de que tais mudanças possam vir a configurar sujeitos mais qualificados, capacitados e inteligentes, devido ao próprio processo de requalificação em contraponto ao homem-boi cunhado pelo taylorismo/fordismo (Grisci, 1999, p. 8).

Essas idéias que acompanham o processo de mudança deverão ser compreendidas não somente como decorrentes das próprias condições materiais do trabalho em si, com altas demandas de mudança, mas também a partir de um conjunto de interesses e determinações que atendam aos objetivos maiores do mercado financeiro, em constante processo de internacionalização, e à difusão das políticas econômicas neoliberalistas, que acirram a competição. Embora as novas formas de gestão e as novas tecnologias tenham substituído a força muscular do trabalhador pela máquina, essas iniciativas ainda não deram conta de tira-lo do estado de alienação e de sofrimento no qual se encontra. Com isso, os riscos de adoecimento continuam espreitando esses trabalhadores.

Nessa mesma direção, Seiji Uchida (1998), em estudo de caso com trabalhadores especialistas em informática, de uma instituição financeira, evidenciou o sofrimento psíquico a que eram submetidos e a experiência da temporalidade destrutiva.

Especificamente no que tange aos efeitos da informatização sobre o tempo e o ritmo de trabalho, o autor afirma que o trabalhador perde a capacidade de controlar o tempo de seu trabalho, pois, é submetido ao tempo da máquina, que lhe é exterior. Quando isso ocorre, a lógica do tempo social e coletivo é suspensa e a do computador ganha vida própria.

Uchida (1998) exemplifica esses pressupostos ao afirmar que, às vezes, o tempo de espera diante da máquina é absolutamente curto e pode ser vivido como insuportavelmente longo. Em outras situações, o tempo é vivido de forma angustiosamente breve quando a máquina dá uma ordem e o trabalhador deve imediatamente realizar a operação. Esse processo é chamado, de um lado, de dilatação (psicológica) do tempo de espera e de outro, de forte condensação do tempo de trabalho. Para esse autor, a dilatação do tempo de espera é conseqüência da intensificação do trabalho.

A partir da implantação do sistema online, o funcionamento do banco para o atendimento aos clientes é em tempo real, ou seja, instantaneamente. Porém, quando o sistema não responde dentro do padrão de tempo esperado, os clientes queixam-se da demora e isso provoca sentimentos de angústia, ansiedade, raiva e frustração nos bancários.

De forma geral, em relação à vivência de tempo em decorrência da tecnologia, segundo Uchida (1998), a preocupação dos bancários é diminuir cada vez mais o tempo de produção. O ideal de tempo real, de tempo instantâneo, de tempo pontual é perseguido cotidianamente. Essa vivência de uma nova temporalidade, atrelada ao tempo da máquina, tem impacto nas relações desses bancários com o seu cotidiano, em esferas externas ao trabalho. Os bancários carregam consigo as conseqüências da vivência dessa nova temporalidade, manifestada pelas novas formas de adoecimento.

Pascale Molinier (2006), em seu texto sobre as conseqüências das novas organizações do trabalho sobre a saúde mental, aponta a desestruturação do tempo de trabalho como um fator gerador de patologias de sobrecarga, como as LER/DORT. É o caso dos trabalhadores que, mesmo em férias, entram em contato com a empresa via Internet para saber e resolver questões. Esse fato revela a dificuldade de se separar o trabalho da vida privada; a incapacidade de determinar o tempo de trabalho, de colocar limites em uma organização de trabalho informatizada que invade a vida privada. Como evidencia Sadi dal Rosso (2004, p.

48), com o tempo da jornada de trabalho mais longo o controle dos trabalhadores sobre a vida é muito pequeno; o trabalho invade o espaço da vida e se torna o centro de tudo . O alongamento do tempo da jornada de trabalho é, para esse autor, fruto do processo de globalização, que acirra a competição e leva à diminuição dos empregos. Como é o caso do setor bancário, no qual, após a automação e racionalização das tarefas, houve a concentração de atividades em um só trabalhador, quando anteriormente eram exercidas por vários deles.

No intuito de compreender essa situação de saúde do trabalhador bancário - que com freqüência é considerada natural - será apresentada no capítulo seguinte a abordagem da Psicodinâmica do Trabalho que fundamenta a análise dos processos intersubjetivos mobilizados pelas situações gerais de trabalho.