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Aspectos históricos e o reconhecimento das LER/DORT no trabalho

3. O ADOECIMENTO POR LER/DORT, O PROCESSO DE REABILITAÇÃO E A REINSERÇÃO NO TRABALHO

3.1. Aspectos históricos e o reconhecimento das LER/DORT no trabalho

Nos recentes estudos sobre o processo de adoecimento de trabalhadores, estudiosos atribuem a origem dos agravos à saúde e o adoecimento por LER/DORT à organização do trabalho. O adoecimento emerge em decorrência da impossibilidade de rearranjo entre o trabalhador portador de uma história singular e personalizada e uma organização do trabalho despersonalizante (Sato et al. 1993; Miranda, 1998; Martins e Assunção, 2002; Araújo, 1998; Merlo et. al.; 2003; Dejours, 1994, 2000).

De acordo com esses autores, a organização científica do trabalho, vinculada aos novos modelos de organização do trabalho (toyotismo, qualidade total e outros de inspiração pós-taylorista e fordista), exacerbou a padronização da execução das tarefas, homogeneizou o tempo de execução dos movimentos e determinou que todos os trabalhadores devem trabalhar da mesma foram. Assim, esse modo de trabalho não contempla as diferenças individuais para a adaptação da organização do trabalho às necessidades e aptidões de cada trabalhador, além de bloquear as iniciativas espontâneas, quebrando a responsabilidade e o saber coletivos. Sendo assim, instala-se um paradoxo: de um lado, a pessoa do trabalhador com características variadas, e de outro, a organização do trabalho, que concebe e planeja o desenvolvimento das atividades laborais a partir de tarefas- padrão, exigindo pessoas-padrão.

Dejours (1992; 1994; 2000; 2001) e Ferreira e Cruz (2004) afirmam que a intensificação do ritmo do trabalho pelo trabalhador tem dupla função. A primeira, para abreviar o tempo de execução das tarefas monótonas, repetitivas e desprovidas de sentido e a

segunda, para a obtenção de prazer, mediado pela dinâmica do reconhecimento que, por sua vez, leva ao aumento da produtividade. A combinação desses dois aspectos provoca maior exigência física e desrespeito dos limites do corpo, o que contribui para o surgimento das LER/DORT.

Assim, antes de ser uma doença física, as LER/DORT são psíquicas porque, nesse caso, o sofrimento psíquico do trabalhador antecede a doença em razão do bloqueio da possibilidade de adequação do conteúdo das tarefas às suas necessidades psíquicas e fantasmáticas, que se tornam incompatíveis com uma tarefa estereotipada e desprovida de sentido. Em seguida, pela dificuldade de adequação do modo operatório das tarefas às necessidades corporais. O sofrimento constitui um sinal de alerta que poderá ser mascarado ou ressignificado por meio de estratégias de mediação. Posteriormente, o sofrimento acompanha o adoecimento, que surge em conseqüência das pressões impostas ao trabalhador, do sentimento de culpa por ter adoecido, da pressão por produtividade, do enfrentamento de mecanismos ameaçadores, da humilhação e das perdas do trabalho e da identidade.

Para Merlo et al. (2003), o emprego de novas tecnologias no setor bancário não teve a intenção de aliviar a carga de trabalho e permitir maior autonomia do trabalhador. Pelo contrário, impôs maior exigência de ritmos e cadências para o aumento da produtividade e, conseqüentemente, tem-se constatado a expansão das LER/DORT entre os bancários.

De acordo com Miranda (1998) e Monteiro (1995), os casos diagnosticados como sinovites, tenossinovite, epicondilites, tendinites, dedo em gatilho, ombro doloso, síndrome da tensão do pescoço e síndrome do túnel do carpo dentre outros, são denominados genericamente de Lesões por Esforço Repetitivo (LER). Todos são desencadeados em condições especiais de trabalho e as lesões atingem os membros superiores, a região escapular e o pescoço, resultantes do desgaste muscular, tendinoso, articular e neurológico provocado pela inadequação do trabalho ao ser humano. E decorrem de uma forma combinada de uso repetido e forçado de grupos musculares e pela manutenção de postura inadequada.

Ao mesmo tempo em que considera as LER/DORT como conseqüência dos novos modos do trabalho, a literatura científica evidencia um conhecimento antigo sobre as lesões atribuídas ao trabalho. Entre as publicações mais importantes está a de Ramazzini (1988), que descreve sobre a doença dos escribas: A necessária posição da mão para fazer correr a pena sobre o papel ocasiona não leve dano que se comunica a todo braço, devido à constante tensão tônica dos músculos e tendões, e com o andar do tempo diminui o vigor da mão (1988, p.158).

Em uma perspectiva histórica sobre a evolução das LER/DORT, Rio (1998), Ribeiro (1999), Martins e Assunção (2002) e Alves (2004) afirmam que em 1830 surgiram novas denominações para descrever os sintomas relativos às cãibras que acometiam escrivães e dos telegrafistas, interpretados por Gowers como neurose ocupacional, em 1888. A partir de 1958, no Japão, essas sintomatologias são denominadas de tenossinovite, nomenclatura que em 1965, é mudada para síndrome cervicobraquial. Na Austrália, nos anos 1970, é adotado o conceito de cãibra do telegrafista para essa mesma sintomatologia e na primeira metade dos anos 1980, nesse mesmo país, as afecções neuro-músculo-tendinoso (Repetitive Strain Injury RSI) adquiriram caráter epidêmico, atingindo o pico máximo em 1985. Também na década de 1980, nos Estados Unidos, a sintomatologia ganha a denominação de Lesões por Traumas Cumulativos (LTC); no Canadá, de Lesões Atribuídas ao Trabalho Repetitivo e na França por patologia de Hiperatividade ou TMS (Transtorno Músculo-Esquelético) ou dano do gesto (Pezé, 2002). A partir de então, em outros países também foi registrado aumento da incidência do problema, principalmente nos mais industrializados.

No Brasil, a Previdência Social reconheceu a tenossinovite como doença do trabalho em 1986, mediante publicação da Portaria nº 4062, em 06 de agosto de 1987, pelo Ministério da Previdência e Assistência Social. Em 1992, a Secretaria de Saúde do Estão de São Paulo, por meio da Resolução 197/92, introduziu o termo Lesões por Esforço Repetitivo (LER), salientou sua causa única o esforço repetitivo e estabeleceu a necessidade de haver evidência física de lesão para a caracterização da doença. Seguindo uma tendência mundial, em julho de 1997 é publicado no Diário Oficial da União a Norma Técnica do INSS para Avaliação da Incapacidade Laborativa em Doenças Ocupacionais, que substitui o termo LER por DORT Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (Mendes e Cruz 2004; Cruz, 2001; Alves, 2004; Martins e Assunção 2002; Miranda, 1998; RIO, 1998; Monteiro, 1995).

De acordo com Martins e Assunção (2002), Martins (2002), Alves (2004) e Rio (1998), a partir dos anos 1990 registrou-se o aparecimento progressivo de LER no Brasil e que veio a tornar-se quase uma epidemia, principalmente nas regiões com maior concentração de indústrias, como São Paulo e Belo Horizonte. Atingiu os trabalhadores no auge de suas capacidades produtivas, na faixa etária de 25 a 45 anos de idade, e entre os diferentes segmentos produtivos acometidos pela doença estavam os bancários. A cronicidade e a irreversibilidade de grande parte dos casos de DORT têm-se constituído uma questão social relevante. Segundo a Organização Mundial da Saúde, um em cada cem trabalhadores da

região Sudeste brasileira é portador de LER, fato que caracterizou a gravidade do problema nos aspectos sociais e de saúde pública.