• Nenhum resultado encontrado

A Mulher no mercado de trabalho

Em retrospetiva histórica abordemos os obstáculos ultrapassados e os que ainda estão por ultrapassar no presente atual e no futuro próximo, constatemos os avanços na matéria e localizemos a mulher no mercado de trabalho, quer seja de modo autónomo quer por conta de outrem.

Neste propósito, observamos indicadores históricos que plasmam alguma evolução da mulher no mercado de trabalho em Portugal, ao largo de quatro décadas.

Gráfico 6 – Evolução da participação feminina na taxa laboral (PORDATA, 2016a)

Ainda que só recolhidas contagens a partir de 1974, sabemos que a integração das mulheres no mercado de trabalho surge a meio do século XIX em concomitância com a ocorrência de períodos turbulentos e de guerras políticas pelo poder, a nível mundial e ocidental, provocando necessidades económicas. Neste cenário, a mulher, e por falta de recursos humanos masculinos, avança forçosamente para outros papéis sociais. Alvim et al. (2002) recordam quanto a Europa do século XX foi profundamente marcada por esta tendência. O desvio dos homens para a frente da batalha propiciou a ocupação na retaguarda pelo elemento feminino, pelo que tarefas tradicionalmente masculinas - trabalho remunerado que provia o sustento da família- passam a ser executadas por mulheres. Doravante, a mulher começa a tomar consciência das suas capacidades e da imprescindibilidade de igualar os seus direitos aos do sexo oposto, denunciando atropelos e exigindo um novo espaço na sociedade.

Recorda-nos Casaca (2008) que a participação da mulher no mercado de trabalho em Portugal adquiriu particular estímulo na década de sessenta, face aos elevados níveis de pobreza e pela necessidade de reforçar os rendimentos do agregado familiar. Conforme transmite a autora, esta participação tem vindo a aumentar na Europa, sobretudo através do desenvolvimento dos serviços – setor terciário116 – e da demanda de flexibilidade laboral por conta das exigências do fenómeno da globalização. Não obstante, Tavares (2008) chama a atenção de que enquanto assistimos a uma feminização do mercado de trabalho, o trabalho doméstico não se masculinizou. Apesar da evolução de mentalidades perante o ingresso da mulher no trabalho dito remunerado, é inegável que a prática generalizada das tarefas domésticas ainda é vista por muitos, segundo estudos apurados por diversos teóricos e teóricas (Amâncio, 1993a; Tavares, 2008; Ferreira, 2010; Santos, 2010, 2012; Casaca, 2012; Fernandes, Campos e Silva, 2013; Hearn, 2014; Sales Oliveira et al, 2014) como competência feminina. Casaca (2008) recorre à expressão de ‘revolução silenciosa’, utilizada por Meda (1999), para aduzir que a sociedade permanece silenciosa e imóvel perante os novos desafios

116Sales Oliveira (2011) regista que a designação de setor terciário surge pela primeira vez em 1935 na obra de Fischer (1935), classificando as atividades económicas como Primárias, Secundárias e Terciárias. Mais acrescenta que a ligação deste último setor, fruto de múltiplas revoluções epistemológicas, se coaduna com a prestação de serviços e com a entrada das mulheres no mercado de trabalho, no período pós-revolução. Segundo a autora citada as mulheres vieram impulsionar a terciarização do setor económico.

0 10 20 30 40 50 60 70 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1992 1998 2004 2011 2015

População do sexo feminino empregada em Portugal

suscitados às mulheres, i.e., a mudança de paradigma que inclui em concomitância a responsabilidade de assumir o prolongamento do seu ciclo laboral, com o trabalho remunerado e o não remunerado. A sociedade encontra-se deste modo envolta em eufemismos de modo a não assumir a necessidade de quebrar estruturas ontologicamente enraizadas na sua cultura.

Diagnosticada a fase conturbada a nível social (primeira guerra mundial), constatamos que somente nesta altura é que a sociedade ocidental se viu forçada a abdicar dos tradicionalismos estruturais em relação ao papel da mulher e a reconhecer a importância do seu contributo para a sustentabilidade de uma família e por conseguinte para o equilíbrio económico de um país. A introdução da mulher no trabalho, ressalve-se, trabalho remunerado, uma vez que o trabalho doméstico a que estava votada nunca obteve essa categorização, foi um momento forte de metamorfose no papel da mulher. Ao fazermos uma analogia da realidade passada com os dias de hoje – em que se vivenciam no contexto europeu momentos de incerteza traduzidos na flexibilidade laboral – onde através do fenómeno empreendedorismo se procura a solução para o aumento de receitas e para o desenvolvimento económico, social e político de um país, veiculamos o próprio conceito de empreendedorismo a uma procura contínua de atualizações e renovações perante o mercado global. Podemos, e tal como aconteceu no passado em que a mulher foi ‘chamada’ à representação social no trabalho, entender a importância acrescida do seu potencial nas questões empreendedoras.

Segundo a conceptualização que tomamos, empreender traduz criatividade, diversidade e liberdade. Destarte, interpretamos o reconhecimento do potencial feminino como uma mais-valia para o empreendedorismo. Aventamos que a mulher empreende em tempos de crise (em analogia histórica é sempre num cenário debilitado que a sociedade demove os seus cânones e se subverte à necessidade de assumir a mulher noutros papéis).

Para melhor compreendermos a importância da mulher no mercado de trabalho em condição de igualdade, comparamos no gráfico seguinte as realidades dos países do G20117, o qual contrapõe os que detêm maior paridade laboral de géneros e os que são desprovidos desta harmonia no trabalho (OCDE, ILO, IFM, 2014).

117Encontramos no gráfico, os vinte países que compõem atualmente o G20 – conselho internacional permanente de cooperação económica fundado em 2009 -, acrescidos da vizinha Espanha, que, foi convidada a integrar a cimeira posteriormente, o que vem fortalecer a nossa análise por se encontrar uma maior proximidade à realidade portuguesa. Mais esclarecemos que o G20 tem como propósito analisar e promover a discussão entre países mais ricos e países em desenvolvimento, acerca de questões políticas e estabilidade financeira de cada qual.

Gráfico 7 – Taxa de paridade de género no mercado laboral e prospeção futura (OCDE, ILO, IFM, 2014)

Numa peculiar observação aos indicadores transmitidos, constatamos que os países caracterizados por uma economia mais forte, a maioria países nórdicos, detêm um nível mais elevado de paridade de género no mercado de trabalho118. Por outro lado, nos países em que a mulher tem um contributo laboral inferior encontramos uma economia débil e em desenvolvimento. A partir desta recolha, fruto de uma colaboração entre várias entidades internacionais, e.g., OCDE119, ILE120, WBC121 e IFM122, foram realizadas sondagens com vista a uma previsão da evolução desta pertinente questão para uma década futura, i.e., ano de 2025, com um prognóstico positivo sobretudo nos países mais carenciados neste aspeto, e.g., Arábia Saudita, Índia, Indonésia, Coreia do Sul e Espanha. Por outro lado, a previsão indicia piores resultados na China, EUA e África do Sul.

Esta análise vem reforçar a premissa de que a igualdade de género contribui para o desenvolvimento económico de um país, uma vez que o contributo humano se encontra em maior proporção, i.e., se a mulher se encontra em maioria, logo deve contribui em maior escala. Para além de que a mulher constitui um potencial humano a explorar.

A corroborar este fundamento encontramos a entrevista de Sanches (2015) que após entrevistar a Ministra para a Igualdade na Suécia – Âsa Regnér123 – defende que a fonte da riqueza económica deste país se deve à igualdade de género. Na Suécia 40% das mulheres ocupam cargos de chefia. A Suécia tem a maior taxa de emprego da União Europeia, sendo também um dos países onde a partilha de tarefas domésticas,

118Ressalve-se que nestes países, as preocupações de género já são tidas em conta há mais tempo, o que não invalida que não existam discriminações de género noutros vetores sociais (e.g. violência doméstica, abusos sexuais, entre outros), não obstante, o que aqui estamos a analisar diz respeito apenas a situações laborais.

119Organização para a Colaboração e Desenvolvimento Económico. 120Internacional Labour Economy.

121World Bank Group.

122International Found Monetary.

123Åsa Regnér pertenceatualmente à Chancelaria do Governo Sueco pelo partido social-democrata. É Ministra das Crianças, da Terceira Idade e da Igualdade de Género.

sobretudo a de cuidar de filhas e filhos menores é assegurada numa maior equidade entre homens e mulheres. A própria política do governo exige paridade e por consequência tem obtido frutos positivos no seu mercado económico.

Sem prejuízo ao exposto, o estudo recente do Eurostat (INE, 2017) sobre as condições das mulheres, de modo genérico, na União Europeia, perante o mercado de trabalho, vem confirmar que elas ganham em média menos 16% do que os homens. Procurando explicações para esta disparidade, a pesquisa (INE, 2017) identifica que existem mais homens do que mulheres a trabalharem em setores profissionais que oferecem remunerações mais elevadas, como o caso do cargo de gestor ou gestora, das áreas da engenharia e das tecnologias (Saleiro e Sales Oliveira, 2018). Nesta profissão registam que a remuneração é 23% mais baixa para as mulheres comparativamente aos homens, calculando os auferes por hora de trabalho. Daqui depreendemos que a mulher dedicará menos horas de serviço por força de outras tarefas que lhe estarão também associadas, como o caso do trabalho doméstico. Ademais, conclui-se que a diferença salarial reside em factores de ordem cultural que ultrapassa a simples questão da igualdade de auferes por igual trabalho. (EUROSTAT, INE, 2017).

Perante os cenários que traduzem as barreiras da mulher no mercado de trabalho por conta de outrem, avançamos para a análise da mulher na qualidade de empresária e ou empreendedora.

Neste propósito, a sociologia do trabalho necessita assim de um maior foco nas organizações, motivo pelo qual surgem novos postulados restritos a esta matéria: a sociologia da empresa e ou a sociologia das organizações. Este campo de análise surge em meados de 1960 e em grande parte pela obra de Crozier (1994), na sua introdução de conceitos como identidade e culturas do trabalho. O papel do sociólogo e da socióloga, pelas suas funções e habilitações de análise, cruza-se uma vez mais com o papel da Gestão e o campo da Economia, na necessidade de instigar boas práticas entre os recursos – sobretudo humanos – e de esclarecer problemas de funcionamento endógeno das empresas. Numa breve alusão, importa-nos acrescentar que o trabalho de Crozier vem reforçar a proposta de confiança entre o corpus coletivo de uma empresa, i.e., o desenvolvimento das relações interpessoais entre trabalhadores e trabalhadoras, a desmistificação hierárquica interna e a cooperação equilibrada para o crescimento dessa mesma empresa. Neste desígnio, as diferenças individuais do coletivo trabalhador são entendidas como uma mais-valia, na descoberta de caminhos que conduzam à inovação indispensável para responder às constantes mutações (inevitáveis) dos mercados e da sociedade.

Segundo observamos, Crozier (1994) aproxima a sua análise ao conceito de empreendedorismo, fundamental para resolução de disfuncionalidades internas nas empresas. Seguindo esta posição, entendemos a importância do intraempreendedorismo e mesmo do conceito de responsabilidade social (CSR), já aqui explorado.

A mulher portuguesa, com uma taxa de empreendedorismo de cerca de 38%, maior que em outros países europeus (GEM, 2015e) faz-nos crer e segundo o quadro de inatividade, que empreende mais por necessidade do que por oportunidade. Aqui se levantam duas questões: de que se trata o empreendedorismo por necessidade versus por oportunidade, já abordado no segundo capítulo. Face ao crescente desemprego

e à segregação laboral, a mulher tende a empreender por carácter de necessidade. Esta motivação - necessidade - é mais frequente nos países do Sul, do que nos países nórdicos do ocidente. (GEM, 2017b).

A este propósito, Maria José Amich (em entrevista) acrescenta um contributo relevante: reforça que em muitas áreas económicas e de comércio há que ter em conta quem mais consome. Segundo adianta serão as próprias mulheres. Neste caso, é fundamental que o mercado reconheça o que a mulher, no papel de

stakeholder, procura. E quem melhor do que a própria mulher para saber explicar as suas necessidades de

consumo, quer a nível de produtos ou serviços. Nesta proposição torna-se fulcral que surjam cada vez mais empreendedoras, quer seja por necessidade ou por oportunidade.

A fundadora do projeto de intervenção na comunidade de mulheres empreendedoras ‘women win

win’ indica ainda que 70% das despesas do consumo global são realizadas por mulheres, no mundo ocidental

60% das licenciaturas são de mulheres, promovendo-nos uma visão de que as mulheres desempenham um papel chave e crescente na economia, o que motiva acima de tudo a existência de trabalhos de investigação que comprovem.

O aumento do número de mulheres empreendedoras traz potencialmente vantagens objetivas para o tecido económico. O aproveitamento das competências humanas deve ser alvo de uma particular atenção quando o assunto é empreendedorismo. O próprio conceito de empreendedorismo, de acordo com a nossa concepção teórica, desconstrói o conceito de género, uma vez que presume liberdade, procura uma panóplia humana de potencialidades criativas, pretende inovação e diversificação e é nesta diferença que todos nos inserimos, homens entre homens, mulheres entre mulheres e mulheres entre homens. A aceitação da diferença neste plano é basilar à ação de empreender.

Segundo aventa Ferreira (2010), embora os homens tenham mais vantagens e oportunidades nas questões laborais, devemos nos consciencializar que somente em paridade, na igual contribuição de homens e mulheres no mercado de trabalho, obtemos os maiores benefícios. Defende a autora, que a entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho está entre os fenómenos unanimemente apontados como os que mais têm determinado as recomposições sociais verificadas em Portugal nos últimos tempos.

Não nos devemos esquecer também e conforme observa Tavares (2008), da importância da qualidade de vida das pessoas que, também deverão ter tempo para o lazer, quer para completude pessoal, quer para combater formas de stress agregadas a excessos do quotidiano e do trabalho. A autora sublinha que as mulheres e os homens fazem-no de forma diferente, atribuindo esta realidade a motivos culturais de socialização e performatividade de género. Deduzimos deste modo que a mulher fica prejudicada em termos de tempo para lazer, assim como o homem o também fica, conforme anteriormente explanado, quando a mulher não contribui a nível económico. Urge encontrar o equilibrio, o qual, colocamos em premissa, só será possível através da paridade de género, quer no mercado de trabalho, quer também nas responsabilidades domésticas.

Impõe-se na tradição ortodoxa, que para uma mulher chegar ao ‘topo’ – melhor cargo – não pode ser igual, mas sim, é-lhe exigido que seja melhor que o homem, caso contrário não terá a mesma oportunidade (Tavares, 2008).

Este cenário torna-se incompreensível quando analisamos a evolução e as tendências das habilitações literárias entre homens e mulheres, já problematizada neste estudo. Marques (2016b) assinala a vulnerabilidade que assiste nas mulheres diplomadas, quando se colocam no papel de escolher a sua própria atividade. No estudo que realizou, as mulheres assumem desigual propensão para empreender, optando por atividades mais sociais e ligadas ao cuidar, enquanto os homens apostam mais nos setores inovadores e intensivos de conhecimento. Com isto Marques (2016b) assenta a persistência de uma segregação de género logo na seleção da área científica de estudo sendo que esta segregação se repercute posteriormente no mercado de trabalho e nas condições de autonomização económica das mulheres, confrontadas com desiguais oportunidades e condições de trabalho, nomeadamente salariais.

Ferreira (2010) cunhou a expressão ‘igualdade de facto’ para elucidar sobre a necessidade de transpor para as práticas sociais os atingimentos da igualdade legal e assim efetivar a vivência das mesmas condições para homens e mulheres em contexto de trabalho. Já Martinho e Parente (2016) abordam diretamente o panorama do empreendedorismo social refletindo que mesmo nesta área, apontada na literatura aqui revisitada como feminizada, as mulheres são votadas a atividades mais técnicas e operacionais, cabendo as decisões e as práticas de gestão a elementos masculinos. Tal resulta que não se trata apenas de áreas científicas que dividem homens e mulheres, mas também de uma hierarquia desproporcional à justiça e equidade no acesso ao mercado laboral (Martinho e Parente, 2016). Adicionalmente, também as mulheres se subestimam perante a sociedade. Marques (2016b) recolhe de uma entrevistada o argumento de que as pessoas são mais recetivas a um homem do que a uma mulher quando o assunto é liderança. Entendemos desta análise que por muito que as mulheres tenham mais habilitações académicas, o maior obstáculo que persiste é a estrutura patriarcal e as tradições continuadas, que constituem matéria de desenvolvimento no ponto seguinte deste trabalho.