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Empreendedorismo: do conceito ao fenómeno

Após o enquadramento no contexto de globalização e perante os cenários de desemprego, precariedade e flexibilidade do mercado de trabalho, vamos agora debruçar-nos sobre o conceito central a explorar neste campo de estudo: o empreendedorismo. Levantamos desde logo a preocupação sobre o seu enquadramento e por conseguinte a questão base: Que espaço para a interpretação sociológica?

A conceptualização de mercado de trabalho, tal como já referido no primeiro capítulo, é enquadrada neste estudo para nos permitir compreender a amplitude do fenómeno de globalização e a necessidade que advém de romper com os paradigmas clássicos do fordismo e taylorismo que privilegiam a produção maquinizada com vista ao lucro, para dar lugar às capacidades humanas – até então relegadas a segundo plano – e inclusive ao empreendedorismo enquanto atividade proveniente do Homem. Já Pereira de Almeida (2005) nos alertava que o trabalho enquanto objeto de estudo nos oferece um vasto leque para análise,

e.g., organização de tarefas, qualificações e competências, conciliação do trabalho com outras esferas da

vida, formas de desemprego, ocupação de tempos livres, entre os demais. Nesta panóplia acrescentamos mais um elemento de análise: a diversidade aliada à ação empreendedora. O paradoxo da contemplação humana face à evolução tecnológica22 que esgrime a mão-de-obra e a substitui por equipamento, não anula a emergente necessidade criadora – a qual só existe através do homem e da mulher, enquanto potencial humano.

O que é o empreendedorismo? Onde e como surge este conceito? À segunda questão e confrontando a retórica literária, aventamos que este fenómeno existe desde sempre, quer tenha sido identificado ou não, não obstante, à luz do paradigma da globalização traduz um neologismo nas formas conducentes ao mercado de trabalho. À primeira questão, mais complexa, constatamos que diversos autores e autoras se têm debruçado no sentido de definir epistemologicamente o estudo do empreendedorismo. O termo surge mais comummente utilizado no ramo de estudos económicos. Confunde-se e equipara-se a conceitos como empresarialidade e ou autoemprego, a que por defeito se agrega perante uma ausência epistémica própria. Contudo e apesar de uma interligação a estes últimos conceitos, é importante compreender o seu conteúdo e significação transdisciplinar.

Segundo Sarkar (2010) terá sido o economista francês Richard Cantillon23 o responsável pelo aparecimento deste conceito, ainda no século XVIII, logo, o conceito entrepreneur tem origem europeia, na

22Já abordado no anterior capítulo pela terminologia TIC, como característica subjacente das novas realidades laborais e sob o qual iremos desenvolver a problemática da empregabilidade e desmistificar a substituição da mão-de-obra humana por tecnologias.

23(1680-1734), economista franco-irlandês que dedicou os seus estudos à economia política e à natureza do comércio global.

vizinha França. Etimologicamente, a palavra deriva dos compostos ‘entre’ e ‘prendre’, que, na propedêutica, resulta estar entre quem cria (agente) e a quem se dirige (estrutura). A expressão do ato traduzida para português – empreendedorismo -, conforme reflete Nogueira (2009), formula-se numa palavra composta: empreender+ismo. No campo lexical a palavra empreender, conferida em qualquer dicionário de língua portuguesa, significa intentar, dar início a ou decidir-se a, o que a nosso entender determina uma pessoa que decide colocar em prática uma ação ou projeto. O sufixo ‘ismo’ constitui um reforço nas expressões portuguesas para consolidar uma regra ou uma ideologia a ser seguida, o que faz do conceito empreendedorismo um fenómeno de prática de determinadas ações específicas.

A contribuição de Schumpeter (1934) é decisiva para a consolidação do conceito de empreendedorismo como sinónimo de inovação. Evidenciando a importância da inovação no crescimento económico, Schumpeter defende que o empreendedor tem o papel de fazer limpeza de mercados, i.e., participar no processo que apelidou de ‘destruição criativa’, eliminando atividades sem viabilidade produtiva e ou renovando-as de acordo com as demandas de mercado com novas introduções. O empreendedor e a empreendedora tornam-se neste cenário responsáveis pelo processo de mudança. Importa também acrescentar que o autor (Schumpeter, 1934) rejeita a ideia de que todas as atividades representem empreendedorismo. No seu entender, só se classificam como empreendedoras as ações que sejam inovadoras. Neste primado, atribuímos forte relação ao conceito de diversidade nos e nas agentes, no entendimento de que só pela heterogeneidade se produz a almejada inovação.

Noutra perspetiva, Drucker (1993) relaciona o perfil empreendedor com aquele e aquela que assumem riscos. Hisrich (1994) define o conceito como o processo de criar algo diferente e com valor para a sociedade. Transpondo estas analogias para o nosso enfoque sociológico, poderemos depreender que o empreendedor ou empreendedora são aqueles que rompem as normas, hábitos e costumes inculcados na sociedade como expectáveis. Relembrando o primeiro capítulo anteciparíamos que o empreendedor e a empreendedora são agentes que agem livres na sua razão e que quebram habitus inerentes em determinada estrutura, ou desta tiram proveitos.

Ainda que o conceito de empreendedorismo surja como paradigma dominante na área económica, é atravessado por uma polissemia de interpretações que lhe é intrínseca. Neste propósito, entendemos analisá-lo no campo de estudos comportamentalistas, i.e., no campo das Ciências Sociais e Humanas. Chaves e Parente (2011) veiculam que empreender é sobretudo ter uma atitude perante a vida. Para Boava e Macêdo

‘O empreendedorismo constitui-se algo próprio do homem. Onde houver homem e sociedade haverá atividades empreendedoras, independentemente da natureza de tais atividades (econômicas, sociais, políticas, esportivas, culturais, académicas, etc.)’ (2011, p. 9). Como sabemos, a Sociologia estuda o

comportamento humano em interação grupal, pelo que inexoravelmente engloba a observação dos diversos ramos científicos. Em nosso entender, encontra-se assim na condição mais favorável para ancorar a análise conceptual do empreendedorismo.

O périplo deste ponto de análise consiste na procura da definição conceptual a enquadrar neste estudo focado no empreendedorismo. Para além da análise à retórica citada, consideramos importante

complementar a reflexão através dos contributos de especialistas24, nacionais e internacionais, que no seu status quo, convivem diretamente com a temática. Assim, passamos a elencar algumas das principais

propostas para a pretensa definição de empreendedorismo.

Thompson25 colabora diretamente com o projeto GEM – Global Entrepreneurship Monitor26. Identifica o empreendedorismo através do quadro conceptual do GEM tomado a nível mundial, que consiste na tentativa de criação de novos negócios e ou novas empresas, quer a título individual na criação do próprio emprego, quer através de uma nova organização empresarial ou de expansão de uma empresa já existente, por um indivíduo, ou por uma equipe de indivíduos (Reynolds, 1999). Não obstante, Thompson reconhece que a definição é limitada ao ramo económico, sendo este teorema utilizado para dar cumprimento aos objetivos do GEM: obter uma recolha estatística de forma equitativa nos diferentes contextos e países à escala mundial. A definição utilizada é por assim dizer uma fórmula enquadrável às diversas realidades abrangentes. Blanco27, representa a Escola de Donas Emprenedoras, um dos serviços da entidade Barcelona Activa Emprenedoria28, e entende que não pode dissociar os conceitos, até porque defende que o empreendedorismo se aprende e neste cenário se uma mulher funda a sua empresa, mesmo que tenha pouca criatividade para fazê-lo, mais tarde ou mais cedo o mercado vai exigir que ela própria cresça como empreendedora. Posto isto, Blanco, considera que os dois conceitos se fundem nos mesmos objetivos. Já Amich29, reforça que o conceito de empreendedorismo tem mais força que o conceito de empresarialidade uma vez que se assume como premissa para alavancar a economia, com novos produtos e novos serviços.

Na recolha de visões oriundas da Academia, encontramos Assunção30 que baseia a sua definição na perspetiva schumpeteriana, contudo ressalva a ambiguidade do conceito de empreendedorismo e apesar de o distinguir, interliga-o ao conceito de autoemprego. Rufino31 defende que se pode ser empreendedor ou empreendedora sem se ser empresário ou empresária, todavia, a empresarialidade carece de

24Vide entrevistas a especialistas em anexo, e.g., Thompson, Valls, Blanco, Amich, Assunção, Costa, Andraz, Rufino, Sarkar e Varela.

25Douglas Thompson é Diretor do projeto GEM em Portugal, através da Sociedade Portuguesa de Inovação (SPI). 26O Global Entrepreneurship Monitor (GEM) é uma organização que nasce em 1999, composta atualmente por 214 países, que a nível mundial mede o grau de desenvolvimento da atividade empreendedora em cada um destes. Tem em cada qual, especialistas e responsáveis pela recolha de dados estatísticos específicos, que servem para análise anual transmitida em Relatório. Em Portugal, a entidade que se responsabiliza diretamente por este projeto é a SPI – Sociedade Portuguesa de Inovação, fundada e presidida pelo Prof. Doutor Augusto Medina desde 1996 (doutorado em Engenharia Química, tem tido forte presença no desenvolvimento das questões de inovação e do empreendedorismo, uma vez que é também empresário e figura pública nacional). Mais recentemente a SPI tem tido a colaboração do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, com especializações em ciências empresariais, ciências sociais, tecnologia e arquitetura. O projeto GEM consiste numa avaliação anual da atividade empreendedora num largo conjunto de países. Atualmente é o maior estudo sobre dinâmicas empreendedoras no mundo. Permite recolher as aspirações e as dificuldades dos empreendedores e das empreendedoras para assim refletir como as colmatar.

27Maria José Blanco é Diretora da Escola de Donas Emprenedoras, em Barcelona.

28Organização do Ajuntamyento de Barcelona que tem como objetivo prioritário promover o desenvolvimento local. Presta serviços de apoio a empreendedores e empreendedoras, desde a criação da ideia, à implementação e desenvolvimento. Dispõe de um espaço de coworking gratuito, presta formações de variados níveis e para diferentes setores económicos. Possuem, para além do magno polo principal, outros espaços pela cidade inclusive a Escola de Donas Emprenededoras, exclusivamente para mulheres.

29Maria José Amich, é fundadora e presidente da organização Women Win Win (organização registada, composta por mulheres empreendedoras e que tem como objetivo apoiar o empreendedorismo no feminino em Portugal e Espanha, através de uma plataforma networking, realizando também seminários, consultadoria e outras ações de apoio). 30Fátima Assunção, Doutorada em Sociologia pela Universidade de Manchester, 2012, com o trabalho ‘On becoming self- employed: gender, class and entrepreneurship in Portugal’.

31Isabel Rufino, Doutorada em Sociologia pelo ISCTE – IUL com a tese ‘Trabalho e Desenvolvimento Industriais: agricultores e pescadores do Oeste’. Para além da atividade de docência tem dedicado a sua investigação ao mercado laboral, inclusive também à realização de projetos de intervenção como o caso da ‘Fábrica do Empresário’.

empreendedores para prover uma criação permanente, quer estes sejam gerentes da empresa ou o próprio

staff na qualidade de intraempreendedores. Para Rufino, o empreendedorismo distingue-se por ser um ato

natural de todo o ser-humano em pleno uso das suas capacidades, sendo que o contexto onde se insere, estimula ou não a oportunidade de mobilizar o seu potencial. Andraz32 admite que a empresarialidade se relaciona com aquele ou aquela que entra com o capital e o empreendedor ou empreendedora é o/a agente que cria e que tem ideias. Andraz crê que o empreendedorismo é influenciado por diferentes contextos e sobretudo pela cultura, pelo que considera que o domínio científico da Sociologia pode dar um importante contributo na sua análise. Costa33 trabalhou o conceito de empreendedorismo académico através do estudo a spin-offs universitárias, adotando uma posição pragmatista, não o contextualizou fora do enfoque empresarial, apesar de atualmente se propor a investigar o papel da improvisação no empreendedorismo. Já Valls34 distingue empreendedorismo de empresarialidade, contudo entende que ambos os conceitos se encontram encadeados e que para se ser empresário ou empresária já se foi um bom empreendedor ou empreendedora e/ou se continua a ser. Sarkar35 é considerado pelos media (Oliveira, 2012) um “guru” do empreendedorismo face aos trabalhos que tem realizado na temática e por ter sido um dos primeiros a abordar academicamente este conceito em Portugal. Sarkar entende o empreendedorismo em dois contextos: o contexto empresarial e o contexto de espírito, sendo neste último que o termo se desenvolve a longo prazo, acrescentando que empreender é sobretudo criar valor. É de ressalvar que o próprio autor, academicista no domínio de Gestão, conceptualiza o conceito numa vertente humana – mais aproximada ao domínio de estudo da Sociologia -, discernindo-o claramente do conceito de empresarialidade, afirmando que este último consiste apenas numa mecanização de um produto já pensado, sem acrescentar o dito valor,

i.e., a diferença, a novidade no mercado sedento de novas criações e autenticidades.

E perante as múltiplas matrizes em torno do conceito de empreendedorismo, que indubitavelmente se entrecruzam umas com as outras, compreendemos que a temática carece de um corpo teórico consistente para vincular o conceito ao conceito de oportunidade (Shane e Venkatraman, 2000). Empreendedorismo é um tema complexo, pelo que Filion (1998) chega mesmo a defender a necessidade de estabelecê-lo numa nova ciência, a que denomina de Empreendedologia36. Para o efeito, tem a consciência da premência em delimitar validades epistemológicas consistentes de entre a convergência dos diversos estudos acerca da matéria.

32Georgette Andraz, Doutorada em Gestão, pela Universidade de Évora, 2013, atualmente docente na Universidade do Algarve.

33Sérgio Costa é autor do PhD ‘Business Model Change in Early-Stage University Spin-Offs’ (2014) premiada como a melhor tese de Empreendedorismo a nível mundial(Falcão, 2015), o qual segundo o próprio, se deve à utilização da metodologia longitudinal -modelo de Canvas- que lhe permitiu acompanhar o desenvolvimento de spin-offs universitárias durante um espaço de tempo e constatar as suas evoluções e alterações face a oscilações de mercado e às necessidades de readaptação.

34Jaume Valls, docente e diretor no Instituto de Emprenedoria da Universidade de Barcelona. Barcelona Institut d'Emprenedoria (BIE), da Universidade de Barcelona, tem como objetivo apoiar a criação de empresas e iniciativas de empreendedorismo inovadoras. Fundamenta as suas ações em dois eixos - o setor Económico e o Entorno Social -, realizando inúmeras atividades relacionadas com ambas as missões. A conexão entre o meio académico e os/as cidadãos e cidadãs empreendedores/as é uma das prioridades.

35Soumodip Sarkar, Docente na área de Gestão e Diretor do Instituto de Estudos e Pesquisas Avançadas na Universidade de Évora. Consideramos que foi pioneiro do campo de estudos do Empreendedorismo no ambiente académico português. 36Assunto que por constituir expressiva relevância neste estudo, iremos retomar com maior afinco no último ponto deste mesmo capítulo.

Para que não nos percamos em demais definições, iremos alocar a nossa conceptualização de empreendedorismo como o poder de ação diversificada do e da agente em interação social e com o

objetivo de produzir novidades sustentáveis para o desenvolvimento económico, social e cultural do local para o global, tomando este conceito como premissa basilar neste estudo doutoral. Esta ação resulta

de uma escolha racional, composta pelas quatro fases: intencionalidade, racionalidade, distinção entre risco e incerteza e distinção entre ação estratégica e ação interdependente (Downs, 2013; Scheeffer, 2013).

Empreendedorismo é criar algo novo em determinado contexto, empresarialidade é criar e gerir uma atividade sem introduzir diferença nesse mesmo contexto. Ambos partem de uma escolha racional. A diferença basilar reside que o primeiro conceito, em nosso entender, não deverá ser analisado no campo das ciências exatas, uma vez que reside na função humana, numa ação interdependente.

Com este dítame pretende-se trabalhar o conceito de empreendedorismo na Sociologia, atendendo que este tem características muito próprias e que por tal necessita de ser discernido do conceito de empresarialidade. Ambos, embora caminhem lado a lado, têm identidades próprias que importa explorar: o conceito de empresarialidade remete-nos para uma automatização de ações já previamente construídas e esquematizadas numa ação estratégica. A este propósito fazemos uma breve alusão ao fenómeno, também muito frequente no tempo atual, do franchising. Neste cenário, refletimos sobre quem é então o empreendedor ou empreendedora. Os franchisados e as franchisadas são aqueles e aquelas que abrem atividades com as regras previamente definidas por outrém, i.e., pelo major, o Franchisador. É este último que inventa o conceito de negócio e regista a marca ou patente37. É este último, no nosso entender, que pode se classificar como empreendedor ou empreendedora, sendo que os e as franchisadas assumem a empresarialidade sem invento próprio. Sarkar (em entrevista) reforça que podemos abrir um café com todo o esforço inerente à logística desse processo, todavia, não estamos sendo empreendedores e empreendedoras, salvo se lá introduzirmos uma inovação de produtos e ou serviços que surpreendam o mercado. Empreender implica nesta posição criar, inovar, adaptar. Também Carvalho e Da Costa (2015) respaldam que a perspetiva schumpeteriana diferencia claramente o empreendedor do gestor, quando entende aliar o primeiro conceito à inovação destrona o gestor que tem a função resumidamente mecânica de gerir.

Acrescentamos que empreender só faz sentido no decorrer de uma interação do e da agente com a comunidade, no aproveitamento de recursos ou perante contingências que mobilizam o despoletar de novas introduções em determinada estrutura. Reiteramos a prática do global para o local porque postulamos que nenhum empreendedor e empreendedora se desenvolvem sozinhos, assim como também nenhuma região, sendo premente focar objetivos para um contexto preciso, atendendo aos conhecimentos que o global nos proporciona. Não obstante, o empreendedorismo parte sobretudo de iniciativas locais que se enquadram na sociedade global. O empreendedor e a empreendedora -entendidos como capital humano-, agem no local onde se encontram e contribuem para gerar riqueza a uma região ou país, contudo, o seu papel pode ir muito além, despoletando mudanças e ou readaptações estruturais na sociedade (Giddens, 1991).

37O registo de marcas, patentes e invenções no INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial, é um importante indicador para medir a inovação existente em determinado local, pelo que iremos analisar no ponto seguinte concertante à realidade portuguesa.

Por esta ordem de ideias e uma vez que procuramos aqui estabelecer as premissas que vinculam o empreendedorismo, compreendemos o quão importante é discernir de outros conceitos, ao qual está inequivocamente interligado por ser a raiz de uma prática maioritariamente económica. Ainda que o conceito de empresarialidade38 caminhe paralelo ao conceito de empreendedorismo, reiteramos que, na nossa perspetiva, o segundo é tido como um fenómeno e o primeiro não, pois apresenta um carácter linear, constitui um mecanismo previsível que faz com que seja comummente representado como algo comum, fruto da necessidade, ao contrário do empreendedorismo que é fruto da criatividade, algo mais valorizado socialmente (Macêdo, Boava e Silva, 2004; Boava e Macêdo, 2011). Podemos ser empreendedores ou empreendedoras e não trabalhar por conta própria. Logo, a pessoa que trabalha por conta própria pode ou não ser um empreendedor ou empreendedora, dependendo do desiderato da sua ação humana.

Não tencionamos, no entanto, opor estes conceitos porque não são opostos, mas sim díspares na sua essência, mas pela prática interligam-se e ou complementam-se, i.e., o empreendedorismo no seu sentido abrangente contribui para reforçar a empresarialidade e a sua sobrevivência num mundo em constante mutação. O empreendedorismo é o ato que permite a adaptação ou readaptação de necessidades que se produzem entre o e a fornecedora e o e a consumidora, no contexto empresarial. A empresarialidade não pode negar a importância deste contributo.

Para já e na linha teorica de agência, importa aferir a conscientização dos indivíduos (Freire, 2006) perante a premência de transformações sociais e económicas a que os novos mercados obrigam. A partir desse entendimento, os e as agentes mobilizam-se em modo autodidata no contexto local em que se encontram, reivindicando a sua presença, enviesando pressões proativas, servindo-se da realidade vivida e das suas experiências, no sentido de construir o seu futuro. Os empreendedores e as empreendedoras deverão por este sinal testar a sua capacidade de resiliência face às transformações sociais produzidas pela globalização. Para Rufino (2008), quanto maior for o conhecimento, quer de si próprio, quer do ambiente circundante, maiores são as capacidades do indivíduo para empreender com êxito.

Na revisão de literatura efetuada e muito provavelmente devido à ambiguidade do conceito, poucos trabalhos se concentram exclusivamente no empreendedorismo com a diferenciação conceptual que pretendemos para este estudo. Freire procurou identificar as motivações do trabalhador e da trabalhadora independente em Portugal e define que o “(…) trabalhador independente é aquele que exerce atividade

por conta própria e não emprega habitualmente assalariados.” (Freire, 1995, p. 17). Assunção (2008)

identifica três conceitos: o auto-emprego, que também designa por trabalho independente ou trabalho por conta própria; a pequena propriedade e o empreendedorismo. Acerca deste último, a autora caracteriza o mesmo como a ação humana empresarial em busca da geração de valor. Na sua tese, Assunção (2012) investiga o autoemprego na região de Lisboa e conclui que os e as que trabalham na sua própria atividade, não significa que tenham necessariamente participado na sua fundação.

38Entendemos que as características limitadas com que se define o conceito de empresarialidade tomariam este estudo