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Empreendedora desde sempre?

Após registarmos a panóplia de termos e conceitos atribuídos ao papel da mulher na sociedade, concentramo-nos numa perspetiva de análise ao seu genérico perfil desde os tempos ancestrais aos dias de hoje. Tomemos como ponto de partida a capacidade de resiliência. Resiliência face à estrutura, à morosidade de conquistas, aos papéis predestinados, aos estereótipos enraizados, aos obstáculos à sua ação no mercado de trabalho e nos variados vértices da sociedade.

A literatura evidencia que a mulher desde sempre se ocupou de múltiplas tarefas domésticas, trabalhou no campo e mais tarde vem ingressar na competitividade do mercado de trabalho remunerado em cenário de crises. Esta linha de atuação é distinguida como o multitasking (Saleiro e Sales Oliveira, 2018).

Schouten (2012) recorda-nos que as mulheres sempre trabalharam na agricultura, no artesanato e na costura130. A autora acrescenta-nos ainda que eram as mulheres que, em grande parte, comercializavam

130Muitos destas atividades eram informais, pelo que não existem elementos estatísticos que os possam comprovar, todavia existem relatos antigos que a grosso modo foram sendo registados em ensaios históricos. A reforçar esta asserção, acrescentamos o registo de um trabalho empírico realizado na Universidade Aberta, pela investigadora. O mesmo consistiu em investigar o papel do género nos anos 40, 50 e 60, a partir de entrevistas aplicadas a três grupos de séniores que compõem os polos de ELV – Educação ao Longo da Vida, especificamente nas localidades de Silves,

os produtos da agricultura e da pesca, isto sempre em concomitância com o cumprimento dos afazeres domésticos. Estas mulheres revelavam ainda a sua faceta de ‘cuidadoras’, uma vez que, preocupadas com os seus maridos e parentes, carregavam-nos por vezes às suas costas para os barcos para evitar que se molhassem. Neste limiar, questionamos assim, onde está o apelidado ‘sexo fraco?

O apanágio de competências femininas vincula sobretudo a identidade aliada à responsabilidade. A versatilidade que perdura desde os tempos remotos na mulher aos dias de hoje inclui-se cada vez mais nos parâmetros das necessidades organizacionais (Crozier, 1994).

As medidas de ‘responsabilidade social’, já anteriormente exploradas, correspondem sobretudo ao respeito pela dignidade humana, quer de modo ‘in’ – nas relações entre trabalhadores dentro da própria empresa – quer em modo ‘out’ – na atuação ética pelos recursos externos.

Noutro prisma, importa reconhecer que também o empreendedorismo social é visto atualmente como uma grande força de mudança. A mulher na sua história, numa perspetiva simbólica, tem-se comportado como uma empreendedora neste contexto, lutadora de causas sociais e defesa do bem-estar social (Fernandes, Campos e Silva, 2013). O autor e autoras citadas adicionam ao discurso que a mulher necessita de estar envolvida com o lado humano das pessoas.

Seguindo o raciocínio e de acordo com nossa exposição, entendemos que a mulher se dota das capacidades primordiais que vão de encontro aos princípios axiológicos fundamentados para o desenvolvimento equilibrado das empresas numa esfera global131. A este propósito Gomes (2005) reforça que o novo paradigma que se está a desvelar atualmente nas organizações, valoriza características como flexibilidade, sensibilidade, intuição, capacidade para trabalhar em equipa e administrar a diversidade. A autora citada reitera este apanágio de funções e assinala um emergente estilo feminino de liderança.

Reforçamos o descortino do conceito de empreendedorismo problematizado neste trabalho, onde o género, idade e nacionalidade não têm lugar perante a demanda da criatividade humana. Concentramo-nos nas capacidades da mulher. A agilidade que multiplica a mulher na conciliação de tarefas domésticas com trabalho remunerado é uma realidade sociologicamente aferida que foi construída socialmente e poderá, hipoteticamente, afigurar-se como um potencial que se coaduna com o mindset do empreendedor e da empreendedora.

A questão levanta-se: o que se pretende de um empreendedor e de uma empreendedora? Que tenha como elemento-chave uma capacidade de racionalização lógico-matemática ou por outro lado, que detenha uma capacidade sensorial que lhe permita observar sob diferentes perspetivas angulares o mesmo objeto. Tal como já debatido no discernir dos conceitos que têm identidades díspares – empreensarialidade e

Armação de Pêra e S. Bartolomeu de Messines, no território do Algarve. Daqui se concluiu que as mesmas sempre foram ativas na gestão familiar, no trabalho de costura, pesca e agricultura, embora de forma informal, sem remuneração, mas a ajudar a família nesse mesmo quesito.

131Como já verificamos, as empresas que têm vindo a integrar as políticas de conciliação dos planos nacionais para a igualdade, têm vindo a obter bons resultados a diversos níveis, e.g. desempenho dos recursos humanos, abertura de comunicação com stakeholders e sobretudo crescimento de níveis económicos de mercado.

empreendedorismo – iremos alocar os propósitos do empreendedorismo na capacidade sensorial e não na capacidade lógico-matemática, no sentido sociológico da criatividade de agência.

Para Schumpeter (1934) as competências criativas adquirem-se na diversidade, na propensão para a destruição criativa de mercados em prol da inovação. Nesta abordagem inserimos o escoramento de características femininas, cujo potencial se encontra por explorar. Será que a mulher, detentora de um perfil flexível, tem tido capacidades para empreender desde sempre e face a condicionantes estruturais não tem sabido reconhecer nem tem tido a oportunidade de ser reconhecida, não aproveitando, porém, as potencialidades para instrumentalizar atividades empreendedoras? É uma questão complexa.

Acreditamos que para esclarecê-la teremos que primeiro determinar perfis, depois a conscientização de conhecimentos e competências na agência, posteriormente o seu reconhecimento público (na estrutura), em seguida o aproveitamento do seu potencial, por fim a sua instrumentalização na sociedade.

Ademais, Gomes (2005) enumera que as empresas inovadoras procuram trabalhadores e trabalhadoras com atributos para compartilhar informação, encorajar a participação, estimular parcerias de trabalho, valorizar e motivar os outros. Atributos esses que estão fortemente presentes nas mulheres, fruto do papel social que têm assumido desde sempre.

Giddens (2002) acrescenta matéria crítica neste assunto quando refere que quanto mais nos ‘fazemos a nós mesmos’, reflexivamente enquanto pessoas, mais a própria categoria do que é uma ‘pessoa’ ou ‘ser humano’ vem para primeiro plano. Em reflexão ao seu historial, constatamos que a mulher tem relegado os seus próprios interesses e capacidades para segundo plano. Somente neste emergente contexto de necessidades, a mulher se afoita – tal como já explanado anteriormente – a empreender em tempos de crise.

Noutro prisma, Nogueira (2009) partilha-nos um estudo realizado no CES132 a vinte e seis mulheres que ficaram desempregadas. Os resultados concluem que mesmo perante uma situação de desemprego, sem direito a subsídio e outrora de assalariado baixo, estas mulheres – que tinham assumido compromissos de crédito ou para habitação ou para automóvel ou ambas as situações - não incorreram em nenhum incumprimento financeiro. As inquiridas revelaram uma capacidade de gestão e organização pessoal e mesmo numa condição precária conseguiram recorrer a poupanças acumuladas para situações emergentes, a contenção de despesas no consumo familiar e a redes de apoio familiares sempre que possível. Gomes (2005) acrescenta que, apesar de não constarem nas estatísticas, as mulheres eram responsáveis pela gestão do negócio da família junto com os seus maridos ou familiares, ao ponto de algumas vezes considerarem que a mulher era o cérebro - criativo, organizado e responsável- e o homem os braços -força.

Neste enfoque, o estudo do Eurostat vem confrontar que a mulher, de modo genérico, tende a ser mais emancipada do que o homem, i.e., as mulheres saem de casa dos pais e casam-se mais cedo do que os homens, existem mais mulheres (7,7%) a viver sozinhas com filhos e filhas do que os homens (1,1%) – o que vem reforçar a sua responsabilidade na matéria e o papel doméstico em detrimento de outro -, existem

mais homens solteiros (16,1%) do que mulheres (9,5%) nas mesmas faixas etárias entre 25-49 anos (EUROSTAT, INE, 2017).

A respeito da ação de empreender ou de criar o seu autoemprego, Assunção (2012) considera que é um fenómeno que se processa lentamente e que é sobretudo influenciado pelas diferentes transferências de capital identificado em quadrupede na perspetiva de Bourdieu, e.g. capital económico, cultural, social e simbólico. As mulheres têm um capital – conjunto de conhecimentos – que vem sendo construído desde a infância e ao longo da sua vida, em interação com os diversos pilares da sociedade.

Esta proposição de ideias, leva-nos a refletir sobre o que tem sido o papel da mulher versus a sua conscientização e empoderamento.

A este respeito, Perrot e Duby (1995) recorrem à constatação de Marcelle Marini133 para nos transmitir que no século XX, as mulheres já participavam na vida cultural num crescente desenvolvimento de obras de arte, que, por sua vez, obtiveram uma maciça difusão. Deparamo-nos neste cenário com as mulheres criativas, no papel cultural, tidas como empreendedoras desde sempre. As mulheres conscientes e detentoras do seu poder. Para Giddens (2000a) o poder surge definido como a capacidade ou probabilidade dos agentes alcançarem os resultados pretendidos.

Para a entrevistada Maria José Amich, as mulheres empreendem em tempos de crise. Atendendo que a adrenalina do empreendedor e da empreendedora é ultrapassar obstáculos, a mulher já revelou ao longo dos tempos que tem essa capacidade de resiliência. Mais se acrescenta que é em tempos de crise que o empreendedorismo floresce, mesmo sendo por necessidade, mas podendo gerar oportunidades de fazer algo de modo diferente e a mulher neste cenário marcar a diferença pelo seu perfil multidimensional. A mulher, nos cenários de crise, enquadra-se numa assentada serendipitia, tomando a oportunidade de empreender, provar o seu potencial e alargar o seu papel na sociedade.

O empoderamento da mulher no papel de empreendedora, poderá, hipoteticamente, cooperar para dirimir hiatos de género, logo, num ângulo abrangente, clivagens sociais, assim como, disposto nesta análise, reforçar o crescimento do tecido económico português, com repercussões políticas, sociais e culturais numa sociedade mais evoluida no patamar da globalidade.

II PARTE

IV – A Região Estudada e as Opções

Metodológicas Tomadas

Ninguém dá importância ao pão pela quantidade de pão que existe num país ou no mundo, mas todos medem a sua utilidade de acordo com a quantidade disponível para si, e isso, por sua vez, depende da quantidade total

(Joseph Schumpeter)