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CAPÍTULO III – NARRATIVA DE EXPERIÊNCIA PESSOAL E CONTO

1. Gêneros e tipos textuais: definições

1.1 A narrativa de experiência pessoal

A narrativa de experiência pessoal caracteriza-se como um gênero da esfera narrativa por conter elementos como personagens, narrador, espaço, tempo, enredo, ação complicadora, principais características das narrativas. Tavares (2012b, p. 245) assim define o gênero textual em questão:

A narrativa de experiência pessoal é uma narrativa não ficcional em que o narrador conta um ou mais eventos que se passaram em certo tempo e lugar, envolvendo a si mesmo e, talvez, a outros indivíduos. Nesse gênero, predominam sequências narrativas, caracterizadas pela sequenciação cronológica de eventos passados, temporalmente delimitados, pontuais, correlacionando-se ao pretérito perfeito, sequencial e ancorado no evento, e ao aspecto perfectivo, compacto e completo.

Um dos pesquisadores que mais vem se dedicando ao estudo desse tipo de narrativa é William Labov, para quem a narrativa de experiência pessoal é “[...] uma forma de relatar eventos passados, em que a ordem das cláusulas narrativas corresponde à ordem dos eventos como eles ocorreram” (2008[1972], p. 359). Segundo o autor, em uma narrativa de experiência pessoal, o narrador tende a manifestar alto envolvimento emocional com as experiências pessoais que está contando.

Uma narrativa de experiência pessoal é organizada, de acordo com Labov e Waletsky ([1967]2003), com base em seis elementos norteadores:

i. Resumo: normalmente apresentado no início da narrativa, é uma pequena explicação sobre do que tratará a narrativa.

ii. Orientação: o narrador ressalta os aspectos importantes da narrativa, como local, participantes da ação, tempo etc., fornecendo respostas para

perguntas como: “Quem? Quando? Onde? O que eles estavam fazendo?”

iii. Ação complicadora (ou clímax): trata-se do elemento mais importante da narrativa, pois representa seu momento de maior tensão. Qualquer um dos outros elementos norteadores pode não estar presente em uma narrativa de experiência pessoal, mas a ação complicadora é essencial, pois sem ela não há narrativa.

iv. Avaliação: diz respeito às observações avaliativas, ligadas a sentimentos afetivos expressados pelo narrador no decorrer da história. Essas observações são relevantes por exprimirem uma autoavaliação do narrador a

respeito de suas ações e sobre as ações dos outros personagens envolvidos no relato. Segundo Shiro (2003, p. 170),

[...] a função da linguagem avaliativa é diferenciar as narrativas pessoais das fictícias, por causa das diferenças fundamentais na perspectiva da construção, especialmente na representação de si no mundo narrado.

v. Resolução: o narrador sinaliza o final das ações, revelando ao público como foi resolvida a história.

vi. Coda: conclusão da narrativa através de um comentário final que, muitas vezes, aponta o sucesso ou o fracasso da experiência relatada pelo narrador.

A respeito da narrativa de experiência pessoal, Norrick (2000, p. 69) tece as seguintes considerações:

[...] compreendo a produção da narrativa como uma reconstrução ao invés de uma simples recontagem. Tendo a ver os narradores como estando presos a um contexto dinâmico e a suas próprias atuações, narradores que compõem uma história básica para se ajustar às necessidades temáticas da interação em progresso. Ao narrarmos nossas experiências pessoais, criamos e recriamos nosso passado à luz de nossas necessidades e interesses atuais, no lugar de somente recapitularmos uma experiência arquivada.

Semelhantemente, Bastos (2005, p. 80) pontua que:

Quando contamos estórias, estamos, enquanto narradores, recriando o contexto de evento narrado, ou seja, criando um mundo da narrativa, localizando-o no tempo e no espaço, introduzindo personagens, suas ações e falas. [...] Com frequência, podemos, assim, rever e criticar nossas atuações passadas, veiculando atitudes e emoções em relação a elas.

Portanto, podemos dizer que o narrador, ao contar sobre si, sobre sua história, sobre seus erros, sobre seus acertos no contexto de fatos passados que o marcaram, vale- se do gênero narrativa de experiência pessoal, seja oralmente ou por escrito, como um procedimento não apenas de recontagem do passado, mas também de reorganização de suas ideias, de autoavaliação e, inclusive, de reconciliação consigo mesmo e com outros indivíduos (cf. BASTOS, op. cit.).

A significância pessoal dos eventos narrados é, por conseguinte, um critério importante na distinção das narrativas de experiência pessoal face a crônicas ou a meras descrições de eventos pretéritos (cf. DE FINA; GEORGAKOPOULOU, 2012, p. 33) Por seu vínculo com atitudes e emoções passadas – presentificadas no momento em que

o narrador conta sua história –, a narrativa de experiência pessoal tende a ser fortemente marcada pela informalidade (cf. LABOV, 2004). Ao fazer, em sua narrativa, uma espécie de flashback de eventos que foram marcantes em seu passado, por terem sido emocionantes, assustadores ou de alguma forma interessantes, o narrador acaba tornando-se bastante envolvido emocionalmente com o que está contando.

Segundo Tavares (2012c), tipicamente, as narrativas de experiência pessoal abordam eventos catalizadoras e, ao contar esses eventos, o narrador tende a ser fortemente absorvido pelos sentimentos despertados pela revivência das experiências que está contando. Ao desenvolver uma narrativa de experiência pessoal, o narrador

“[...] tende a estar mais despreocupado com opiniões, julgamentos e expectativas do

ouvinte do que quando produz outros gêneros textuais” (TAVARES, 2012c, p. 225). Assim sendo, é possível que sua narrativa represente um campo fértil para a adoção de um estilo informal.

No que diz respeito ao tema da relação entre a narrativa de experiência pessoal e os demais gêneros da esfera narrativa, Shiro (2003) analisou narrativas de experiência pessoal e narrativas ficcionais relatando filmes, ambas produzidas por crianças venezuelanas em idade escolar, e verificou que as narrativas de experiência pessoal apresentam-se mais cedo na infância comparativamente ao surgimento de outras narrativas. A autora atribuiu essa precedência das narrativas de experiência pessoal sobre as demais narrativas ao fato de que contar sobre si é uma das primeiras habilidades desenvolvidas pelas crianças para se comunicarem.

Shiro observou que as crianças mais novas e as crianças que possuíam um menor desenvolvimento socioeconômico tinham mais dificuldade de construir narrativas ficcionais, diferença não encontrada no que diz respeito às narrativas de experiência pessoal. A autora constatou também que, com o aumento da idade, a habilidade para a construção das narrativas ficcionais aumentava. Shiro não considera, porém, que a falta de habilidade das crianças para construir narrativas ficcionais seja devida diretamente à idade ou ao baixo desenvolvimento socioeconômico, mas sim especialmente à falta de contato que as crianças menores e de classes sociais mais baixas tendem a ter com atividades envolvendo narrativas ficcionais.