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CAPÍTULO IV – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3. Análise dos dados referentes aos grupos de fatores linguísticos

3.2 Níveis de articulação textual

3.2.1 Caracterização e hipóteses

Nos textos que integram nosso corpus, os conectores sequenciadores E e AÍ foram utilizados em três níveis de articulação: entre orações, entre partes mais amplas

do parágrafo e entre parágrafos, níveis esses caracterizados e exemplificados a seguir:

25 Outros estudiosos, como Abreu (1992) e Silva e Macedo (1996), também apontam a existência de uma

1. Entre orações: Uma oração é caracterizada pela presença de sintagmas ao redor de uma ação verbal. Segundo Azeredo (2008, p. 136), a oração é “[...] a unidade gramatical centrada em um verbo flexionado em um dado tempo e constituída, tipicamente, de duas partes: sujeito e predicado”. No nível oracional, os sequenciadores interligam duas orações, tendendo a haver, entre essas orações, continuidade referencial, temporal, aspectual e de localização (cf. GIVÓN, 1995, 2001), do que resulta uma grande integração entre as informações codificadas pelas orações. Seguem-se os exemplos:

(7) “[...] ai ele começou a bater no meu irmão e o meu irmão começou a chorar”. (22M61)

(8) “[...] todo mundo começou a ri ai regina sitiu a catinga ai ligou o ventilado”.

(52M91)

2. Entre partes mais amplas do parágrafo: O conector interliga segmentos mais amplos que os oracionais, mas, ainda assim, internos a um parágrafo. Nesse nível de articulação textual, costuma haver graus menores de integração entre as informações conectadas, ou seja, maior descontinuidade referencial, temporal, aspectual e de localização do que a que se encontra no nível entre orações. Seguem-se os exemplos:

(9) “Mas em um tempo ela teve uma recaída forte da doença passou meses no altei, a base de remédios, não suportava mais a pressão daquilo tudo. E Deus a chamou pra

perto dele”. (46F91)

(10) “Quando nós chegamos na escola minha irmã agente no lado de fora da escola. Aí

minha vó chamou agente para ir na casa dela”. (25M61)

3. Parágrafo: é caracterizado pela presença de vários períodos formando uma unidade temática:

O parágrafo é uma unidade de composição, constituída por um ou mais de um período, em que se desenvolve determinada unidade central, ou nuclear, a que se agregam outras secundárias, intimamente relacionadas pelo sentido e logicamente decorrentes dela. (GARCIA, 1977, p. 203).

O parágrafo é responsável por manter a continuidade temática entre segmentos maiores, sustentando a coesão textual; e quando a descontinuidade se estabelece é dever do autor do texto sinalizar esse recurso por meio de estratégias linguísticas. Conforme indicam Koch e Elias (2009, p. 184),

Pode-se sinalizar a continuidade e a descontinuidade tópicas por meio de paragrafação: havendo continuidade entre os segmentos tópicos, eles podem, em muitos casos, permanecer juntos no mesmo parágrafo, ao passo que, no caso de descontinuidade entre dois segmentos, é recomendável separá-los em parágrafos distintos.

Os conectores, no nível de articulação entre parágrafos, interligam informações do parágrafo anterior com informações do parágrafo subsequente. É possível que, na organização de um texto narrativo, cada uma das partes do enredo – exposição, complicação, clímax e desfecho – seja estruturada em um parágrafo. Seguem-se os exemplos:

(11) “E não tendo sucesso, ele voltou para casa e chegando lá pegou a arma e apontou para sua própria cabeça e atirou ...

E ao passar dos tempos fui crescendo, e lembrando disso fico muito triste em

saber que ele tirou sua própria vida. Depois que eu ouvi isso fui refletir.” (56M91)

(12) “Ai um dia ele viu eu mecher e disse Lívia eu vou compra um computador para você ai eu disse vai mesmo ai ele disse vou, ai eu disse quando o senhor vai compra.

Ai um dia eu tafa na casa da minha prima e eu fui pra Lagoa de Jacumã. Ai de

tarde agente voutol pra casa ai de noite a minha prima foi me deixar quando eu cheguei

em casa minha mãe não tava em casa ai eu fiquei na casa da vizinha.” (8F61)

Minha hipótese prévia a respeito da distribuição dos conectores E e AÍ nos níveis de articulação textual também é pautada no princípio da persistência. Conforme Tavares (2003, p. 140), o ET latino,

[...] ao tornar-se conjunção, interliga inicialmente sintagmas nominais, passando subsequentemente a interligar sintagmas verbais; depois, é estendido para a articulação entre orações, e, num crescente aumento de escopo, principia a marcar a sequenciação entre segmentos e mesmo tópicos discursivos.

A autora sintetiza esse percurso de ET do seguinte modo: palavra > sintagma > oração > trechos de proporções maiores. O fato de ET ter iniciado seu percurso como

conector em níveis menores de articulação pode ter feito com que essa forma se tornasse especializada justamente para esses níveis de articulação, especialização essa que tende a ser observada no que se refere ao conector E já nos mais antigos textos escritos em português (cf. TAVARES, 2003), possivelmente como uma herança de seu antepassado latino ET.

Quanto ao AÍ, ele não é utilizado como conector na interligação de níveis menores que o oracional, e tende a predominar nos níveis mais amplos de articulação (cf. SOARES, 2003; TAVARES, 2003, 2007; SOUZA, 2010; ANDRADE, 2011; FREITAG et al., 2013), o que também pode ser um resquício de seus usos fontes. Tavares (2003, p. 168) assim nos esclarece a respeito da possível trajetória de mudança sofrida pelo AÍ em termos de níveis de articulação:

[...] como deriva de fontes anafóricas que apontam para um trecho – palavra ou construção – imediatamente anterior, deve ter se tornado conector em níveis de articulação mais extensos que o da palavra ou sintagma, talvez níveis oracionais ou um pouco maiores, adaptando-se daí para os demais níveis.

Espero, portanto, em consonância com o princípio da persistência e levando em conta resultados obtidos em estudos anteriores, que o conector E predomine na articulação de segmentos oracionais e que o conector AÍ receba destaque na articulação de partes mais amplas dentro do parágrafo e mesmo na articulação entre parágrafos.

3.2.2 Resultados e discussão

E

RELAÇÃO Apl./Total % PR Apl./Total % PR Entre orações 564/602 94 0.628 38/602 06 0.372 Períodos/parágrafos 183/247 74 0.219 64/247 26 0.781 TOTAL 747/849 88 ---- 102/849 12 ----

Input: 0.880 Sig: 0.000 Input: 0.120 Sig: 0.000 Tabela 3: Influência do nível de articulação sobre o uso do E e do AÍ

Os resultados obtidos atestam a hipótese inicialmente feita de que o conector E é predominante no nível de articulação oracional, tendo obtido peso relativo de 0.628 relativamente a esse nível de articulação textual.

Em razão da menor frequência de ocorrências, optei por amalgamar os dados referentes aos níveis de articulação entre partes mais amplas do parágrafo e entre parágrafos. Quanto a esse fator, os resultados indicam favorecimento do AÍ, tendo esse conector recebido peso relativo de 0.781.

Santos (2003), ao analisar a articulação textual no gênero romance infantil e juvenil, mostra que os conectores são mecanismos fundamentais para a progressão das narrativas e defende a necessidade de que o trabalho com a sintaxe, nas escolas de nível fundamental e médio, leve em conta âmbitos mais amplos do que os que tradicionalmente se trabalha em sala de aula, em que o professor, em geral, restringe-se aos níveis entre orações e entre períodos. Nas palavras da autora:

O assunto é [...] mais complexo e ultrapassa as fronteiras do período: é comum estruturas de coordenação, por exemplo, articularem parágrafos e mesmo porções maiores de textos. (SANTOS, op. cit., p. 13)

Como pudemos observar pelos resultados expostos na tabela 3, esse é o caso dos conectores E e AÍ, que, mesmo tendo maior especialização para níveis de articulação distintos (E = entre orações; AÍ = entre partes mais amplas do parágrafo e entre parágrafos), são ambos empregados nos diferentes níveis de articulação controlados, fato que deve ser levado em conta por estudos que os tomem como objeto de análise e mesmo nas salas de aula do ensino básico, como nos alerta Santos (op. cit.).