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CAPÍTULO III – NARRATIVA DE EXPERIÊNCIA PESSOAL E CONTO

1. Gêneros e tipos textuais: definições

1.2 O conto

O conto é uma narrativa ficcional caracterizada por ser concisa, de menor extensão se comparada, por exemplo, à novela ou ao romance, tendendo a apresentar apenas um clímax. O conto pertence ao conjunto dos gêneros narrativos e é produzido há muito tempo, já que o ato de contar, narrar algo é intrínseco a atividade humana. No entanto, foi apenas no século XIX que o conto se tornou uma manifestação artística com definição, estrutura e características próprias (cf. MOISÉS, 2006). Já no início do século XX, atingiu seu momento ápice como forma literária. Apesar das várias transformações ocorridas com esse gênero textual ao longo dos séculos, ele se manteve fiel à sua estrutura narrativa. Assim nos diz Moisés (op. cit., p. 36):

Entrevisto em sua longa história, o conto é, provavelmente, a mais flexível das formas literárias. Entretanto, em que se pese às contínuas metamorfoses, não raro espelhando mudanças de ordem cultural, ele se manteve estruturalmente uno, essencialmente idêntico, seja como “forma simples”, seja como “forma artística”.

Como já apontei, o conto define-se por ser uma narrativa curta, que pode ser lido

“de uma só assentada” (GOTLIB, 2006), envolvendo apenas uma ação central.

Friedman (1958 apud GOTLIB, op. cit., p. 64) assim justifica a brevidade do conto:

“[...] um conto é curto porque, mesmo tendo uma ação longa a mostrar, sua ação é melhor mostrada numa forma contraída ou numa escala de proporção contraída”.

O conto pode ser considerado uma narrativa que está entre duas margens: a ficção e a realidade. Se contivesse apenas uma dessas margens, perderia a mágica própria do gênero. É a mistura do ficcional com o real que contribuirá para a construção de um bom conto. Afirma Cortázar (1974 apud GOTLIB, op. cit., p. 10) que:

[...] se não tivermos uma ideia viva do que é o conto, teremos perdido tempo, porque um conto, em última análise, se move nesse plano do homem onde a vida e a expressão escrita dessa vida travam uma batalha fraternal, se me for permitido o termo; e o resultado dessa batalha é o próprio conto, uma síntese viva ao mesmo tempo que uma vida sintetizada, algo assim como um tremor de água dentro de um cristal, uma fugacidade numa permanência. Só com imagens se pode transmitir essa alquimia secreta que explica a profunda ressonância que um grande conto tem em nós, e que explica também por que há tão poucos contos verdadeiramente grandes.

Notemos que o autor define o gênero conto no âmbito da expressão, onde a vida e a ficção se entrelaçam, e dá grande importância aos efeitos que a narrativa produz no leitor, deixando, assim, a questão do conteúdo em segundo plano. No entanto, essa

questão não é de menor importância, como nos explica Moisés (2006, p. 40), ao afirmar que o conto “[...] é, pois, uma narrativa unívoca, univalente: constitui uma unidade dramática, uma célula dramática, visto gravitar ao redor de um só conflito, um só

drama, uma só ação”. De acordo com Moisés, a unidade dramática definirá o gênero, ou seja, tudo “gravitará” ao redor dessa unidade, personagens, tempo, espaço, como

veremos a seguir; o objetivo do contista é que todos esses elementos se harmonizem em uma única ação.

Observemos, pois, os elementos estruturais do gênero que estão interligados à unidade dramática. Moisés (op. cit., p. 41) pontua que, para “[...] bem compreender a unidade dramática que identifica o conto, é preciso levar em conta que os seus

ingredientes convergem para o mesmo ponto”. Entre tais “ingredientes”, encontram-se:

a ação, o espaço, o tempo e o tom.

A ação ou conflito é um dos ingredientes mais importantes do gênero conto, uma vez que é para o conflito (o qual também pode ser denominado clímax) que os demais elementos constituidores do conto fluirão, visando em tudo uma unidade de uma mesma ação. Moisés (op. cit., p. 43) nos confirma que a “[...] unidade de ação condiciona as

demais características do conto”. Por sua vez, a noção de espaço possui um aspecto

restrito, pois, mesmo que as personagens circulem por vários ambientes, o importante será o ambiente em que ocorre a ação dramática.

A noção de tempo caracteriza-se no conto pelo curto espaço de tempo em que os acontecimentos ocorrem, não importando, geralmente, nem o passado nem o futuro. Tudo está voltado, comumentemente, para a situação dramática. Quanto à unidade de tom, pode-se dizer que ela corresponde à unidade de efeito ou de impressão. Trata-se do efeito que o conto provoca no leitor, é o segredo que prende o leitor ao conto, fazendo com que se interliguem a ficção e a vida do leitor. Consoante Poe (1842 apud GOTLIB,

op. cit., p. 34),

[...] no conto breve, o autor é capaz de realizar a plenitude de sua intenção, seja ela qual for. Durante a hora da leitura atenta, a alma do leitor está sob o controle do escritor. Não há nenhuma influência externa ou extrínseca que resulte de cansaço ou interrupção.

E nas palavras de Moisés (2006, p. 49),

[...] o conto se organiza precisamente como uma célula, com o núcleo e o tecido ao redor; o núcleo possui densidade dramática, enquanto a massa circundante existe em função dele, para que sua energia se expanda e sua tarefa se cumpra.

De certa forma, o autor intensifica o caráter primordial da ação dramática, chamando-a de núcleo, e denomina tecido os demais elementos que contribuem com essa ação.

Há ainda outros cinco elementos organizacionais do conto que são de grande importância: as personagens, a estrutura, a linguagem, a trama e o ponto de vista. No que se refere às personagens, aponto que, em geral, há poucas personagens atuando no conto e todas elas existem em decorrência da ação dramática. Além disso, ao criar as personagens, o escritor do conto não se aprofunda no detalhamento de suas personalidades, apenas revelando os traços de personalidade que sejam mais relevantes para o drama narrado.

Em termos de organização, o conto possui uma estrutura breve e objetiva, evitando-se aquilo que pode comprometer sua estrutura, como exageros dramáticos, divagações ou digressões. Esclarece-nos Moisés (op. cit., p. 52) que:

A técnica da estruturação do conto assemelha-se à técnica fotográfica: o fotógrafo concentra sua atenção num ponto e não na totalidade dos pontos que pretende abranger no visor, focaliza um detalhe, o principal, no seu entender, e capta-lhe os arredores, de modo não só fixar o que vê, mas também o que não vê.

Ao abordar a questão da economia dos meios narrativos, Gotlib (2006, p. 35) também afirma que:

Trata-se de conseguir, com o mínimo de meios, o máximo de efeitos. E tudo que não estiver diretamente relacionado com o efeito, para conquistar o interesse do leitor, deve ser suprimido.

Com efeito, a estrutura do conto pode ser comparada a um esqueleto onde todos os outros elementos (personagens, tempo, espaço etc.) precisam convergir para um único foco, devendo ser retirado todos os excessos que ameaçariam a narrativa.

No que tange à linguagem, o gênero conto requer, tipicamente, uma linguagem direta e objetiva, visto que nada deve prejudicar a compreensão da narrativa. A trama, por sua vez, é sinônimo de enredo, caracterizada pela sua linearidade. Deve ser organizada às claras. Moisés (2006, p. 65) compara a trama com o ritmo da vida real, corriqueira, onde tudo acontece muito rápido e os detalhes do acaso são fáceis de serem percebidos. Por fim, o ponto de vista é um dos elementos mais importantes do gênero conto, pois a figura do narrador (também chamado de foco narrativo) levará o leitor pelos caminhos almejados da impressão no conto. Na narrativa, o escritor pode utilizar, não aleatoriamente, de um dos seguintes tipos de focos narrativos: (i) a personagem

principal conta sua história; (ii) uma personagem secundária conta a história da personagem principal; (iii) o narrador, analítico ou onisciente, conta a história; (iv) o narrador conta a história como observador (cf. MOISÉS, 2006, p. 66).

Acerca da importância do foco narrativo no conto, alerta-nos Moisés (op. cit., p. 67) que:

O contista não engendra o foco narrativo, como se se tratasse de um recurso autônomo, aplicável aleatoriamente a qualquer enredo. Ao compor-se, cada narrativa traz implícito o foco narrativo: é inimaginável uma história sem foco narrativo, ou este sem aquela.

Findada a apresentação de características dos gêneros textuais narrativa de experiência pessoal e conto levada a cabo neste capítulo, o próximo capítulo dará lugar à exposição detalhada dos procedimentos metodológicos seguidos nesta pesquisa.