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CAPÍTULO IV – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

1. Teste de atitude linguística

A seguir, descrevo e comento as respostas dadas pelos alunos e seus professores de língua portuguesa às duas questões componentes do teste de atitude linguística. A maioria dos alunos apenas indicou o AÍ como forma não pertencente à língua culta, mas dez alunos forneceram justificativas para a sua escolha. Essas justificativas aparecem no quadro abaixo:

1. Aí, porque a palavra é informal.23 2. Aí, porque é informal.

3. Aí, porque ele é informal. 4. Aí, porque é muito informal.

5. O que eu não utilizaria seria AÍ. Porque ai não é muito utilizado, mas também não é formal, e eu acho que só é mais utilizado falando entre si (pessoas conversando).

23 O sublinhado foi acrescentado por mim às menções ao conector AÍ para facilitar a compreensão das

6. Aí, porque é mais utilizado no dia-a-dia de cada um. 7. Aí, porque ele é uma linguagem mais popular. 8. ai não pertence já mas. Porque é tipo uma agiria.

9. Eu acho o Aí porque não combina com o texto que agente está escrevendo. 10. Aí porque não fica com muito sentido em um texto importante.

Quadro 3: Algumas respostas dos alunos à questão 1 do teste de atitude

Segundo a grande maioria dos alunos, a resposta cabível à primeira questão do teste de atitude linguística, “Em sua opinião, um ou mais dentre os conectores E, AÍ e

ENTÃO não pertence(m) à língua portuguesa culta? Em caso afirmativo, qual ou quais?”, é o conector AÍ. Urge atentar para o fato de que os alunos sequer mencionaram os conectores E e ENTÃO; ou seja, os alunos apontaram apenas o AÍ como não pertencente à língua culta. Para eles, o AÍ está apto a ser utilizado em situações informais

como “uma conversa”, como relata um aluno, mas nunca em um “texto importante”, destaca outro, pois é “tipo uma agiria”, um vício de linguagem.

Percebemos, portanto, que o conector AÍ é relacionado, pelos alunos, a situações informais da vida cotidiana, em que as pessoas tendem a monitorar menos a fala e a escrita. Em razão disso, acredito que o AÍ possa ser considerado um conector marcado estilisticamente como informal para o conjunto de alunos participantes da pesquisa, a exemplo do que ocorre em diferentes comunidades de fala brasileira (cf. TAVARES, 2003; SOARES, 2003; FREITAG et al., 2013), em que o conector em tela costuma ser descrito pelos falantes como típico de situações informais de uso da língua.

Quanto a E e a ENTÃO, uma vez que os alunos não os apontaram como não pertencentes à língua culta, nem os relacionaram a contextos de maior informalidade, creio que esses conectores possam ser considerados formas não marcadas estilisticamente, isto é, formas que podem ser empregadas em contextos mais ou menos formais sem chamar atenção especial.

No quadro a seguir, estão as respostas fornecidas pelos professores à questão 1 do teste de atitude linguística:

1. O “aí” é bem estigmatizado na língua culta, em especial, na modalidade escrita.

2. Aí.

As respostas dadas pelos professores parecem confirmar o provérbio popular,

“Filho de gato, gatinho é”. Como vimos, os alunos acreditam que o AÍ é um conector

impróprio para situações de interação de maior formalidade, crença essa que pode ter sido originada ou, ao menos, reforçada, pela opinião de seus professores de língua portuguesa em relação à forma sob enfoque. Para esses professores, o uso do AÍ como conector é estigmatizado e rotulado como não pertencente à língua culta. Além disso, para um dos professores, a modalidade escrita parece ser vinculada apenas à língua culta, como se não houvesse contextos informais de escrita.

No que diz respeito à segunda questão do teste de atitude linguística, selecionei, por questão de espaço, também dez respostas dadas pelos alunos, apresentadas no quadro a seguir:

1. Aí não faz parte da língua padrão, com amigos e família na internet tudo bem, mas em redações, entrevistas, apresentações públicas jamais por não ser adequado.

2. Aí. Não utilizaria numa redação para o vestibular.

3. Aí. Em redação de vestibular, em uma entrevista de emprego. Porque ambas as situações são formais e exigem que o falante e/o escritor exerça o uso da norma culta. 4. O conector “aí”, deveria ser evitado em conversas com pessoas mais cultas ex: chefe,

diretor. E em textos mais elaborados como textos para vestibular, concursos, carta para uma radio, um requerimento etc.

Porque as pessoas que vão ler ou que conversam requerem um português mais padrão ou culto.

5. O (Aí) ao fazer uma redação não devemos colocar este conector. também em texto, carta no emprego, ou numa entrevista de emprego.

6. O (Aí). Deve ser evitado em uma entrevista de emprego.

7. O AÍ. Redações, boletins de ocorrência, em um plenário judiciário e em alguma conversa com algum político de alta classe.

8. Aí, porque essa palavra seria muito feia para se tratar com alguém, como seu patrão. 9. AÍ porque o texto ia fica muito AÍAÍ as pessoas não ia entender quase nada.

10. AÍ, esse conector é usado mais na linguagem informal então não ficaria bom de ver em critério de um professor detalhista.

Segundo os alunos, em a resposta à segunda pergunta do teste de atitude linguística, “Em que tipo de situações de fala ou escrita conectores não pertencentes à

língua culta deveriam ser evitados? Por quê?”, o AÍ, conector considerado por eles

como não pertencente à língua culta, deveria ser evitado em qualquer situação formal de interação. Os estudantes relacionaram o uso do AÍ a graus mais elevados de informalidade, por isso “[…] com amigos e família na internet tudo bem [...]”, mas esse conector “deveria ser evitado em conversas com pessoas cultas.”. Um aluno chegou a

destacar o problema de uso do conector sob enfoque perante um “professor detalhista”.

Em geral, parece que os estudantes admitem o uso do AÍ em contextos informais, de

fala e escrita (“na internet tudo bem”), mas não em contextos formais de fala – por exemplo, “para se tratar com alguém, como seu patrão” e “em alguma conversa com algum político de alta classe” – e de escrita – por exemplo, “redações, boletins de ocorrência”, “carta de emprego”. Em suma, o conector AÍ “deveria ser evitado em

conversas com pessoas mais cultas ex: chefe, diretor. E em textos mais elaborados como textos para vestibular, concursos, carta para uma radio, um requerimento etc.” É interessante notar que um aluno fez um alerta a respeito do uso repetido do AÍ em um

mesmo texto: “o texto ia fica muito AÍ AÍ as pessoas não ia entender quase nada.”

Confira-se a seguir as respostas dadas pelos professores à questão 2 do teste de atitude linguística:

1. Na modalidade escrita em situações bem formais. 2. Qualquer situação que ligue orações, ideias.

Quadro 6: Respostas dos professores à questão 2 do teste de atitude

O primeiro professor acredita que se deva restringir o uso do conector AÍ “na modalidade escrita em situações bem formais”, do que se subentende que tal conector seria admissível na escrita mais informal. Em contraste, o segundo professor afirma que o conector em tela deve ser evitado em qualquer situação que ligue orações, ideias, ou seja, esse professor sequer admite o uso da forma AÍ como conector!

De acordo com pesquisas sociolinguísticas, os usos de algumas variantes estigmatizadas estão condicionados ao papel social assumido por seus usuários (cf. LABOV, 2008[1972]). Isso não significa que os indivíduos jamais utilizem tais variantes, apenas que tendem a ser mais cuidadosos nas situações em que as utilizam: se identificarem essas situações como formais, utilizarão uma taxa menor de variantes por

eles estigmatizadas. Esse fato pode estar subjacente à avaliação que os professores fazem sobre o AÍ: seu papel social como professores de língua portuguesa pode não somente levá-los a apontar esse conector como impróprio para contextos de uso formais, mas até mesmo a combater fortemente seu uso na escrita (e mesmo na fala) de seus alunos. Disso poderá ser indício, por exemplo, a diminuição de emprego desse conector por indivíduos com maior tempo de escolarização, e, portanto, maior contato com professores de língua portuguesa, questão a ser explorada na seção 5 a seguir.

Na próxima seção, teço considerações a respeito da frequência geral de uso dos conectores E e AÍ nos textos narrativos escritos pelos alunos de ensino fundamental participantes desta pesquisa.