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CAPÍTULO IV – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

2. Procedimentos adotados para a coleta dos dados

A estratégia utilizada para a obtenção dos textos necessários para a realização deste estudo foi o estímulo à produção textual no horário regular de aula. Ministrei quatro horas-aula em cada uma das quatro turmas selecionadas para a pesquisa (uma turma do sexto ano e uma turma do nono ano por escola). Nessas aulas, inicialmente apresentei a proposta de escrita, pelos alunos, de dois textos de gêneros narrativos distintos, a narrativa de experiência pessoal e o conto, solicitando a eles a colaboração com minha pesquisa através da produção desses textos. Os alunos concordaram em participar da pesquisa, estimulados pelo fato de que os textos feitos por eles não sofreriam avaliação e pelo fato de que não seriam identificados como autores dos textos, o que os deixou mais à vontade para a atividade de produção textual.

A seguir, embora os alunos já tivessem produzido textos dos gêneros narrativa de experiência pessoal e conto anteriormente, descrevi e exemplifiquei cada um desses gêneros, em uma tentativa de dirimir possíveis dúvidas que surgissem no momento da atividade de produção textual. Nas explicações, apresentei definições e propriedades de cada um dos gêneros textuais sob enfoque (cf. capítulo III), e entreguei aos alunos dois textos, uma narrativa de experiência pessoal e um conto, para que pudessem analisá-los comparativamente, e, assim, observar de modo mais concreto as semelhanças e diferenças existentes entre esses gêneros.

Selecionei textos distintos para cada ano escolar de acordo com possíveis diferenças de interesse por parte dos alunos, que, por serem de duas faixas etárias distintas, de 10 a 13 anos e de 14 a 17 anos, provavelmente se caracterizam por diferentes graus de maturidade. Pontuo de antemão que os textos selecionados como modelos para os alunos não influenciaram positivamente o uso do conector

sequenciador AÍ, por não contarem com ocorrências do conector em questão, embora contem com ocorrências do conector E.

Além disso, o tópico dos conectores não foi mencionado previamente à produção dos textos, para evitar que os alunos passassem a estar atentos a essa questão. As aulas tiveram o foco centrado unicamente nas características dos gêneros textuais narrativa de experiência pessoal e conto, tendo sido dito aos alunos que o objetivo dessas aulas seria prepará-los para que cada um deles produzisse textos que se enquadrassem nos gêneros trabalhados em sala.

Para as turmas do sexto ano, entreguei os textos “A fugitiva” (narrativa de experiência pessoal) e “Capa de Junco” (conto):

Texto 1

A fugitiva

Eu tinha uns 9 anos e estudava em uma escola perto de casa, mas meu irmão ia me buscar de bicicleta. Ele tinha uma CALOI 10 e é claro eu vinha sentada naquele cano bem em cima, na frente dele. Meu Deus! Não sei como ele conseguia fazer aquelas curvas rasantes comigo. Se minha mãe soubesse acho que tinha um troço!

Bem, naquele dia, antes da saída da aula, uma coleguinha me convidou pra ir na casa dela e eu sem pensar muito aceitei. Só que esqueci que não tinha falado nada para minha mãe e muito menos para meu irmão.

Fui pra casa dela sem dor na consciência. Almoçamos, brincamos e estava tudo bem até que tocou a campainha da casa. Estávamos no quintal brincando e quando olhei para o portão quem eu vi? Minha mãe é claro. Não sei o por quê mas senti um frio no estômago quando a vi com a cara serena, feliz e despreocupada. Minha mãe não era nada assim ... Hummm. A mãe da minha coleguinha atendeu o portão e ouvi minha mãe dizer:

- Oi, vim buscar a Simone!

- Claro! – ela disse e olhando pra mim fui logo me despedindo de todos.

O caminho para casa foi silencioso e também não sei explicar o medo que estava tomando conta de mim!

Cheguei em casa e: batata! Tomei uma bela surra de cinta! Ai como doeu. Minhas pernas ficaram com marcas de cinta, vergões vermelhos por toda parte. Enquanto me batia ela dizia os motivos que a levaram a fazer aquilo e eu entendi perfeitamente o que “não” deveria ter feito.

Até hoje lembro do ocorrido e imagino como minha mãe ficou desesperada com meu sumiço. Ela contava que, quando ela chegou em casa do trabalho e

encontrou meu irmão de olhos arregalados dizendo: a Simone sumiu! Não estava na escola. Bateu um desespero nela. Coitada, nunca mais fiz nada parecido.

Autora: Simone G. V. Dias

Texto 2

Capa de Junco

Cordélia era uma jovem que trabalhava como ajudante de cozinha em uma rica mansão. Por estar sempre vestida com uma capa de junco trançado, que lhe deixava à mostra apenas os olhos, seus amigos a chamavam de Capa de Junco. O que ninguém sabia é que ela era filha de um senhor muito rico que morava com suas três herdeiras em um dos países vizinhos. Amava a todas, mas sua preferida era a terceira, o que provocava o ciúme da mais velha e o da segunda.

Certo dia, Capa de Junco, foi expulsa de casa pelo próprio pai, que a julgara desnaturada e sem coração, quando ele, querendo dividir seus bens entre as três filhas e desejando deixar a maior parte àquela que o amasse mais que as duas outras, fez a cada uma delas esta pergunta : “O quanto você gosta de mim, minha querida?”. Como Cordélia lhe respondeu que o amava tanto como a carne fresca ama o sal, o ancião sentiu-se desprezado pela caçula, amaldiçoando-a, e colocou-a dali para fora.

Triste e lamentando o modo como o pai interpretara suas palavras, a jovem partiu trajando três dos seus vestidos mais belos, um sobre o outro, e com suas joias mais valiosas, mas tendo o cuidado de cobrir-se com uma capa feita de junco trançado, para não chamar a atenção e não ser reconhecida por ninguém. E assim estranhamente vestida e disfarçada foi até um dos reinos vizinhos, onde logo arrumou serviço como ajudante de cozinha em uma mansão de um rico senhor, pai de um rapaz muito bonito e em idade de casar-se. Ali, ela foi aceita como empregada

encarregada de preparar as refeições e arrumar a cozinha.

Da janela da cozinha da mansão, via o jovem seu patrão, que não lhe dava a mínima atenção. Ela era somente uma das suas criadas. Aos poucos, Capa de Junco – sem revelar a ninguém sua verdadeira identidade – foi-se apaixonando pelo jovem rico.

Um dia, a mãe do rapaz decidiu dar uma festa na mansão. Seriam três dias de danças e banquetes. Todos os reis e pessoas influentes daquela localidade e dos

países vizinhos foram convidados. O jovem, que já estava em idade de casar-se, deveria escolher, entre as moças presentes, sua futura esposa.

Toda a mansão se movimentou para a grande festa. Capa de Junco trabalhou muito durante os preparativos para os três dias de baile. Mas havia decidido participar das festas. Assim, quando, na primeira noite de baile, terminou suas tarefas na cozinha, rapidamente se dirigiu aos seus aposentos, banhou-se e escolheu um dos vestidos que levara quando deixou a casa paterna. Com ele, com algumas de suas joias e com um diadema nos cabelos, ninguém a reconheceria como Capa de Junco.

Logo que chegou ao baile, atraiu a atenção do jovem patrão, que dançou com ela a noite toda. O rapaz estava encantado com a misteriosa dama que, antes da última badalada da meia-noite, desapareceu como que por encanto. Inutilmente o jovem procurou pela encantadora jovem com quem dançara na noite anterior. Por melhor que a descrevesse, ninguém sabia dar-lhe notícias dela.

Nas duas noites seguintes, os fatos sucederam-se como os do primeiro baile: Capa de Junco esperou todos se dirigirem ao salão de festas e, ficando sozinha, foi para os seus aposentos, onde se arrumou e dirigiu-se, em seguida, para o salão. Deslumbrante, como sempre!

Na última contradança do terceiro e último baile programado, o jovem deu-lhe

de presente um anel de brilhantes e lhe disse que “morreria se não a visse

novamente”. No dia seguinte, em vão o rapaz procurou pela misteriosa jovem, mas nem sinal dela! Ninguém sabia quem era e nem onde morava. Amargurado, o jovem foi se deixando abater até cair enfermo. Inutilmente, seu pai e seus amigos faziam de tudo para erguer-lhe o ânimo. Nada conseguia devolver-lhe a vontade de viver. E o rapaz se tornava, a cada dia, mais deprimido.

Um dia, seu pai pediu que a cozinheira preparasse um mingau para o filho que se encontrava bastante debilitado. Capa de Junco, que estava na cozinha, ouviu o pedido e insistiu com a cozinheira para que a deixasse fazê-lo. Preparou-o e ao colocá-lo no prato deixou cair o anel de brilhantes que o jovem lhe dera. Quando o rapaz foi comer o mingau engasgou-se com o anel. Logo reconheceu-o como o que havia dado à misteriosa jovem por quem se apaixonara. Ordenou, então, que chamassem a cozinheira, e esta, com medo de ser castigada, contou-lhe que o mingau fora feito por Capa de Junco, a moça que a ajudava na cozinha.

Radiante, o rapaz mandou que Capa de Junco fosse à sua presença. Ela atendeu ao chamado, mas, antes, vestiu-se como na terceira noite de baile e colocou a capa por cima. Na presença do rapaz e da mãe dele, esclareceu-lhes quase tudo, menos o nome de seu pai. Foi marcado, então, o dia do casamento. Todos os nobres

e pessoas abastadas das cidades vizinhas foram convidados. Também o pai de Capa de Junco.

Chegou o dia das bodas. Por solicitação de Capa de Junco, as carnes que seriam servidas durante o banquete não foram temperadas com sal. A cozinheira estranhou muito esse pedido e esse costume, mas, como, dali para a frente, Capa de Junco seria sua patroa, calou-se e fez como ela lhe pedira.

Durante o banquete, ao serem servidas as carnes, ninguém conseguia comê- las: estavam insípidas, sem sabor. Muito aborrecido, o rapaz e o pai dele queriam castigar a cozinheira, mas Capa de Junco assumiu a culpa e confessou que a empregada assim agira por ordem dela. Enquanto falava, lágrimas rolavam dos olhos daquele que era seu pai.

Quando o rapaz perguntou ao rico senhor por que chorava tanto, ele lhe respondeu que era de saudade e remorso pelo que fizera à sua filha caçula. Ele a expulsara de casa porque ela lhe respondera que o amava tanto quanto a carne fresca ama o sal. E ele, julgando-a ingrata e sem amor filial no coração, cometera o erro de mandá-la embora. Somente agora compreendia o significado daquela comparação feita pela filha, mas, tarde demais, porque, talvez, ela já estivesse morta.

Capa de Junco, então, penalizada com o sofrimento do pai, abraçou-o e revelou ser a filha que ele julgava ter perdido. Perdoou-o, e todos foram felizes para sempre.

Adaptação de um conto do folclore inglês.

Fonte: Revista na Ponta do Lápis. Olimpíada de língua portuguesa: escrevendo o futuro. A

hora e a vez do conto: em pequenas narrativas cabem grandes histórias. Ano V, n. 12, 2009. p. 27-28.

Para as turmas do nono ano, entreguei os textos “História de Luciana Scotti”

Texto 1

História de Luciana Scotti

Para quem não sabe da minha trajetória de vida, vou resumi-la. Acredite, é uma história triste, mas muito enriquecedora. A dor trouxe junto a maturidade, paciência e observação. Consegui tirar da minha experiência força e persistência, que eu não tinha no meu caráter; ou talvez até já tivesse, mas nunca saberemos do que somos capazes até tentar, não é?

Meu nome é Luciana Scotti. .Quando eu tinha 22 anos, era recém-formada em Farmácia pela USP e sofri repentinamente uma trombose cerebral (AVC isquêmico). Depois fiquei 3 meses em hospitais, fiz duas cirurgias no cérebro, fiquei 2 meses em coma e recebi alta sem movimentos, sem fala, de fraldas e com sonda para me alimentar.

Eu poderia dizer: minha vida acabou ali! Poderia lhes contar com detalhes como foi difícil e doloroso superar esse choque e me readaptar a essa nova vida. Poderia também escrever inúmeras linhas relatando penosamente todas as coisas que deixei de fazer. Todas vocês leriam, chorariam, sentiriam pena de mim e nada acrescentaria esse meu relato à vida de vocês, nem na minha!

Não estou aqui para contar minha tragédia pessoal... Acho que todas nós possuímos um fato triste para contar. Meu fato é muito triste? Depende. Conheço gente que tenta o suicídio por muito menos, gente que se droga porque não querer encarar de frente os problemas, gente que perde a iniciativa e vive com a inércia, esperando um milagre.

Depois da trombose cerebral e depois de ter ficado tetraplégica e muda, vivi 3 anos sobre uma cama hospitalar. Chorei, revivi todo meu passado, procurei culpas e culpados e pensei: morri, acabou tudo!

Enquanto chorava e relembrava o passado, fui escrevendo meus pensamentos, com o movimento de um dedo - que até hoje é que me permite

escrever!! Daí resultou meu primeiro livro: “Sem asas ao amanhecer”. Mas publicá-lo

não foi tão simples, eu não tinha movimentos, nem fala, tinha apenas a vontade e o sonho.

E assim publiquei esse livro, que hoje está na décima primeira edição; depois

escrevi outro chamado “A doce sinfonia de seu silêncio”. Voltei a estudar, pois sou

científico sobre cosméticos e em 2006 terminei doutorado na USP em Modelagem Molecular.

Atualmente sou pesquisadora da faculdade de Farmácia/USP. Pesquiso plantas contra algumas doenças tropicais, como a doença de Chagas, usando quimiometria e modelagem. Adoro o que faço!

Não falo, mas dou cursos, palestras e defendo teses; mal seguro a caneta, mas faço provas; digito com um dedo, mas escrevo livros... O que é limite? O que é impossível? Eu acredito que minha vontade não possui limites... Acredite nisso você também e se surpreenderá consigo mesmo!

Beijos carinhosos, Luciana Scotti.

Fonte: http://sobreviventesdoavc.blogspot.com.br/2009/07/historia-de-luciana-scotti. html

Texto 2

O caso do espelho

Era um homem que não sabia quase nada. Morava longe, numa casinha de sapé esquecida nos cafundós da mata. Um dia, precisando ir à cidade, passou em frente a uma loja e viu um espelho pendurado do lado de fora. O homem abriu a boca. Apertou os olhos. Depois gritou, com o espelho nas mãos:

- Mas o que é que o retrato de meu pai está fazendo aqui? - Isso é um espelho - explicou o dono da loja.

- Não sei se é espelho ou se não é, só sei que é o retrato do meu pai. Os olhos do homem ficaram molhados.

- O senhor... conheceu meu pai? - perguntou ele ao comerciante. O dono da loja sorriu. Explicou de novo. Aquilo era só um espelho comum, desses de vidro e moldura de madeira.

- É não! - respondeu o outro. - Isso é o retrato do meu pai. É ele, sim! Olha o rosto dele. Olha a testa. E o cabelo? E o nariz? E aquele sorriso meio sem jeito?

O homem quis saber o preço. O comerciante sacudiu os ombros e vendeu o espelho, baratinho. Naquele dia, o homem que não sabia quase nada entrou em casa todo contente. Guardou, cuidadoso, o espelho embrulhado na gaveta da penteadeira. A mulher ficou só olhando. No outro dia, esperou o marido sair para trabalhar e correu para o quarto. Abrindo a gaveta da penteadeira, desembrulhou o espelho, olhou e deu um passo atrás. Fez o sinal da cruz tapando a boca com as mãos. Em seguida, guardou o espelho na gaveta e saiu chorando.

- Ah, meu Deus! - gritava ela desnorteada. - É o retrato de outra mulher! Meu marido não gosta mais de mim! A outra é linda demais! Que olhos bonitos! Que cabeleira solta! Que pele macia! A diaba é mil vezes mais bonita e mais moça do que eu!

- Quando o homem voltou, no fim do dia, achou a casa toda desarrumada. A

mulher, chorando sentada no chão, não tinha feito nem a comida. - Que foi isso, mulher?

- Ah, seu traidor de uma figa! Quem é aquela jararaca lá no retrato? - Que retrato? - perguntou o marido, surpreso.

- Aquele mesmo que você escondeu na gaveta da penteadeira! O homem não estava entendendo nada.

- Mas aquilo é o retrato do meu pai! Indignada, a mulher colocou as mãos no peito:

- Cachorro sem-vergonha, miserável! Pensa que eu não sei a diferença entre

um velho lazarento e uma jabiraca safada e horrorosa? A discussão fervia feito água na chaleira.

- Velho lazarento coisa nenhuma! - gritou o homem, ofendido.

A mãe da moça morava perto, escutou a gritaria e veio ver o que estava acontecendo. Encontrou a filha chorando feito criança que se perdeu e não consegue mais voltar pra casa.

Que é isso, menina?

- Aquele cafajeste arranjou outra!

- Ela ficou maluca - berrou o homem, de cara amarrada.

- Ontem eu vi ele escondendo um pacote na gaveta lá do quarto, mãe! Hoje, depois que ele saiu, fui ver o que era. Tá lá! É o retrato de outra mulher!

A boa senhora resolveu, ela mesma, verificar o tal retrato. Entrando no quarto, abriu a gaveta, desembrulhou o pacote e espiou. Arregalou os olhos. Olhou de novo. Soltou uma sonora gargalhada.

- Só se for o retrato da bisavó dele! A tal fulana é a coisa mais enrugada, feia, velha, cacarenta, murcha, arruinada, desengonçada, capenga, careca, caduca, torta e desdentada que eu já vi até hoje! E completou, feliz, abraçando a filha:

- Fica tranquila. A bruaca do retrato já está com os dois pés na cova.

Conto popular recontado por Ricardo Azevedo.