• Nenhum resultado encontrado

PARTE II A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

3. A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA NO DIREITO PORTUGUÊS

3.3 A Natureza Jurídica da Responsabilidade Tributária

A temática da natureza jurídica da responsabilidade tributária é uma questão que não encontra unanimidade na doutrina portuguesa. Basicamente, existem três posições neste tópico.

A primeira qualifica a responsabilidade como uma fiança legal. Partilha deste ponto de vista Sofia de Vasconcelos Casimiro83:

Finalmente, inclinamo-nos para considerar que esta garantia pessoal é uma fiança.De facto, a fiança, como garantia especial das obrigações, traduz-se numa garantia pessoal pela qual uma pessoa - o fiador - garante perante outra ou outras - os credores - a satisfação do seu direito de crédito sobre o devedor principal. Parece-nos que esta situação é exactamente a que se verifica na responsabilidade do gestor. O gestor garante perante a Administração Fiscal a satisfação dos seus créditos sobre a sociedade. A fiança implica que haja um terceiro que, conjuntamente com o devedor, responda pelo cumprimento da dívida. Esse terceiro passará a ser também um devedor, embora secundário, respondendo pessoalmente por uma dívida alheia.

83

CASIMIRO, Sofia de Vasconcelos. A responsabilidade dos gerentes, administradores e directores pelas dívidas tributárias das sociedades comerciais. Coimbra: Almedina, 2000. p.160-162

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo chegou a referendar essa interpretação, conforme o seguinte acórdão:

No domínio de vigência do Código de Processo das Contribuições e Impostos, tanto os responsáveis subsidiários como os solidários estavam na posição de um “fiador legal” (STA, 29.04.98).

A segunda corrente, que tem Rui Barreira84 dentre seus defensores, entende configurada uma forma de responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana.

Por fim, a terceira posição sustenta a ocorrência de uma figura sui generis, própria do Direito Tributário. Perfilha este entendimento, dentre outros, Isabel Marques da Silva85:

A responsabilidade tributária constitui uma modalidade autônoma, específica e distinta de responsabilidade porque o responsável é sujeito passivo de imposto.

A posição mais recente do STA é justamente no sentido de que a responsabilidade tributária é uma figura própria do Direito Tributário:

A figura do responsável não é uma fiança legal, mas sim um conceito próprio do Direito Fiscal cuja natureza há-de resultar das suas próprias características, tais como as revela a legislação fiscal (STA, 24.04.90).

3.4 O Contencioso Administrativo

Em Portugal, o regime jurídico das discussões tributárias, nos âmbitos administrativo e judicial, é regulado pelo Código de Processo Tributário, instituído pelo Decreto-Lei nº 154/91.

84

BARREIRA, Rui. A responsabilidade dos gestores de sociedades por dívidas fiscais. Fisco, ano 2, n. 16, p. 3-8, 1990. ApudCASIMIRO, op. cit., p. 148-149.

85

SILVA, Isabel Marques da. A responsabilidade tributária de administradores de pessoas colectivas no direito português. Revista Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte, ano 3, n. 17, p.113-131, set./out. 2005.

Para James Marins86, o sistema português adotou soluções valiosas para determinados problemas processuais tributários, em especial:

a) a petição de impugnação judicial será apresentada na repartição de finanças onde haja sido ou deva legalmente considerar-se praticado o ato;

b) cabe à própria repartição de finanças recebedora da petição organizar o processo antes de sua remessa a juízo;

c) recebido o processo no juízo competente, juntado o parecer do representante da Fazenda Pública e após vista do Ministério Público, o juiz conhecerá logo do pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo também de fato, o processo fornecerá os elementos necessários.

Soares Martínez87 bem delimitou os contornos do contencioso tributário português:

O contencioso tributário tem a natureza não apenas de um contencioso objectivo, destinado à fiscalização do cumprimento das normas fiscais pelos particulares, mas também de contencioso subjectivo, que visa igualmente a defesa, por via jurisdicional, dos direitos do Estado e dos direitos dos contribuintes, uns e outros englobados na designação de “direitos tributários”.

Para o referido doutrinador, alguns Estados, como a França, têm estruturado os seus sistemas de contencioso tributário nos moldes do contencioso administrativo. Lá, desde 1963, em relação a todas as matérias tributárias, os contribuintes não podem submeter as suas pretensões aos tribunais senão em termos de recurso de uma decisão administrativa que tenha tido por objeto a mesma pretensão.

86

MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (administrativo e judicial). São Paulo: Dialética, 2005, p. 382-383.

87

Em Portugal, a legislação admitiu o recurso contencioso das avaliações da matéria coletável, somente depois de uma prévia reclamação graciosa, no caso de errônea quantificação da matéria coletável baseada em métodos indiciários.

Para Martínez, ainda que a realização da justiça também seja obtida por vias não contenciosas, são frequentemente associadas as idéias de contencioso e de justiça, sendo que este último conceito é geralmente muito mais amplo na legislação tributária.

Como exemplo, podemos citar o Decreto-Lei nº 45.006/63, que dispõe sobre a Organização dos Serviços de Justiça Fiscal, e versa não apenas sobre os tribunais tributários, mas também sobre o Serviço de Prevenção e Fiscalização Tributária, que é uma repartição da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.

Na verdade, no plano tributário, a idéia de justiça se alastra ao nível da aplicação da lei pelos agentes fazendários. A Administração Tributária, embora parte interessada nos conflitos de ordem fiscal também representa o bem comum. E ao aplicar a norma tributária, os seus agentes o fazem em obediência aos critérios de justiça, e não em defesa de interesses parciais.

Quanto à forma, de acordo com o artigo 45º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, instituído pelo Decreto-Lei nº 45.005/63, o processo tributário pode ser gracioso ou judicial.

O processo gracioso tem natureza administrativa, é da exclusiva competência da administração fiscal e compreende a reclamação ordinária e a reclamação extraordinária. Visa a anulação dos atos tributários.

Já o processo judicial é da competência dos tribunais das contribuições e impostos e pode se revestir das seguintes formas: processo de impugnação; processo de transgressão; processo de execução fiscal; processo especial.

O vencimento do prazo para pagamento voluntário, além de iniciar o período de cobrança coercitiva, constitui termo inicial para apresentar a impugnação judicial ou a reclamação graciosa.