PARTE II A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
3. A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA NO DIREITO PORTUGUÊS
3.6 O Processo de Transgressão
As infrações tributárias para as quais a lei não estabeleça processo especial ficam sujeitas ao processo de transgressão. O processo de transgressão será instaurado quando:
a) houver omissão ou erro na liquidação de contribuição ou imposto, imputável ao contribuinte ou ao sujeito da obrigação tributária acessória, e que não possa ser reparado por liquidação efetuada em conformidade com as leis de tributação;
b) houver fundamento para aplicação de multa cominada nas leis tributárias;
3.7 A Execução Fiscal
De acordo com o art. 144º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, a cobrança coercitiva dos valores devidos ao Estado, provenientes de contribuições, impostos, multas fiscais, reposições, taxas e outros rendimentos, inclusive os adicionais cobrados cumulativamente, é realizada através do processo de execução fiscal.
Para Soares Martínez88, o processo de execução fiscal português caracteriza-se especialmente pela simplicidade e pela celeridade, razão pela qual de todos os incidentes de instância só é admitido o de falsidade.
A execução fiscal portuguesa é bastante diferente do procedimento executivo adotado no Brasil, em especial devido ao fato de ser, via de regra, conduzida no âmbito administrativo, ao contrário da execução fiscal brasileira, que é um procedimento judicial.
Apesar do art. 103 da Lei Geral Tributária firmar a natureza judicial da execução fiscal, ao mesmo tempo permite a participação dos órgãos da Administração Tributária nos atos que não tenham natureza jurisdicional.
De fato, o Tribunal Constitucional já entendeu que não há inconstitucionalidade na prática de determinados atos, de cunho judicial, no âmbito da execução fiscal administrativa, pois existe uma parceria do Poder Executivo com o Poder Judiciário.
Desta forma, diversos atos são realizados na via administrativa, tais como a instauração da execução fiscal, a citação do devedor, o redirecionamento da execução contra os gestores sociais, a penhora e a venda de bens.
Na verdade, o processo inicia-se com a remessa do título executivo ao tribunal, sem a necessidade de uma petição específica, que é tácita, daí resultando que os fundamentos da execução fiscal sejam os constantes do próprio título executivo.
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Em virtude dessa celeridade, o processo executivo deverá estar concluído no prazo de um ano, a contar de sua instauração, e comporta uma verificação sumária da insolvência do executado, denominada julgamento em falhas ou declaração em falhas, conforme o art. 247º do Código de Processo das Contribuições e Impostos.
A execução fiscal extinguir-se-á pelo pagamento voluntário da dívida exeqüenda; pelo pagamento coercitivo, realizado por força do produto dos bens penhorados e vendidos; ou pela anulação da dívida.
O julgamento em falhas, ou declaração em falhas, baseia-se na falta de bens penhoráveis do executado. Embora o julgamento em falhas suspenda a instância, não extingue a obrigação tributária, salvo na ocorrência de prescrição - decenal89 - porque a execução pode prosseguir, a qualquer momento, tão logo sejam localizados bens penhoráveis do executado, seus sucessores ou responsáveis legais.
O devedor pode se defender através do recurso de oposição, que é semelhante aos embargos do executado existente no Direito Brasileiro. O prazo é de trinta dias, a contar da citação pessoal, ou então da primeira penhora.
Os autos da execução são encaminhados ao Poder Judiciário apenas nos casos em que houver a possibilidade de dano irreparável. Caso contrário, o recurso fica retido, sendo apreciado judicialmente somente após a venda dos bens penhorados.
Os principais fatores para a eficiência da execução fiscal portuguesa são: a celeridade da cobrança, as informações sobre o devedor e seus bens, e a atribuição de responsabilidade aos gestores sociais.
A celeridade se deve ao fato de que a execução fiscal é instaurada imediatamente após o vencimento do prazo para pagamento voluntário do tributo. A discussão - administrativa ou judicial - só ocorre depois da inscrição do crédito em dívida ativa, e não suspende a exigibilidade, a não ser em caso de garantia integral.
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DEVESA, Jaime; MARCELINO, Manuel Joaquim. Manual da Execução Fiscal. Coimbra: Almedina, 1998, p.31.
Por outro lado, a penhora é em regra eletrônica, e a venda dos bens ocorre com o auxílio da internet. Podem ser penhorados créditos perante terceiros, contas correntes e até parte dos salários. O Sistema de Penhoras Automáticas (SIPA) efetiva a constrição do bem e comunica a realização do ato, por fax ou correio eletrônico, ao devedor e à autoridade competente para o registro.
No caso de penhora de crédito do devedor junto a terceiro, se este não recolhe o valor devido ao Fisco, após a intimação da penhora, pode se tornar responsável pelo pagamento do tributo.
No tocante às informações sobre o devedor, em Portugal existe o Cadastro Electrônico dos Activos Penhoráveis (CEAP), no qual constam os seguintes dados sobre o contribuinte: depósitos bancários, valores mobiliários, vencimentos e abonos, créditos perante terceiros, imóveis e veículos.
Já em relação à atribuição de responsabilidade aos gestores sociais, estes devem cumprir os deveres de diligência e de boa prática tributária quanto às obrigações da pessoa jurídica que representam perante o Fisco.
A Administração Tributária promove uma audição prévia, na qual os gestores podem justificar o inadimplemento, trazendo os documentos que comprovem a atuação diligente, e que o não pagamento ocorreu por contingências do mercado.
Entretanto, a regra no ordenamento jurídico português é a responsabilização do gestor que administrava a sociedade no momento do vencimento da obrigação, cabendo a este o ônus da prova de que lhe era inexigível conduta diversa.
Pode ainda ser responsabilizado o gestor que administrava a empresa no momento do fato gerador do tributo, mas nesta hipótese o ônus da prova será da Administração Tributária.