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PARTE I AS SOCIEDADES DE RESPONSABILIDADE LIMITADA

6. AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA NOVA LEI BRASILEIRA

Para alguns doutrinadores, como Fran Martins, o Decreto nº 3.708/19 seria apenas um conglomerado de dispositivos, muitos deles sem nenhum sentido lógico. Haveria um falta de detalhamento que tornaria cansativo qualquer trabalho no sentido de conceituar esse tipo social, tendo por base as características do instituto.27

Entretanto, esse não é o entendimento, dentre outros, de Rubens Requião, para quem o estilo lacônico da lei não resultou em grande prejuízo para as empresas que adotaram esse tipo societário como sua estrutura jurídica.28

Na verdade, a lei que instituiu a sociedade por quotas de responsabilidade limitada no Brasil permitiu aos sócios, através das normas contratuais, regular a vida da sociedade com grande grau de liberdade, de acordo com os princípios gerais que regem as sociedades comerciais.

Em razão da simplicidade da regulamentação das limitadas pelo Decreto nº 3708/19, muitas vezes surgiu a questão da aplicação subsidiária da lei das sociedades anônimas às sociedades por quotas, tendo em conta o disposto no art. 18 do referido diploma legal:

Art. 18. Serão observadas quanto às sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, no que não for regulado no estatuto social, e na parte aplicável, as disposições da lei das sociedades anônimas.

Para Waldemar Ferreira, a lei das sociedades anônimas é supletiva apenas nas omissões do contrato social, e na parte aplicável, posto que defende serem as limitadas sociedades de pessoas:

A lei de sociedades anônimas é destarte supletiva, não da lei de sociedade por cotas, mas de seu contrato orgânico. Não supre a vontade do legislador, mas a vontade dos contratantes da sociedade por cotas.29

27

MARTINS, Fran. Sociedades por cotas no direito estrangeiro e brasileiro. Forense: Rio de Janeiro, 1960. v. 1. n. 114. p. 317.

28

Outro é o ponto de vista de João Eunápio Borges30, que defende a tese de que a lei das sociedades anônimas é plenamente supletiva e subsidiária da lei das sociedades por cotas de responsabilidade limitada.

Rubens Requião31 adotou posição intermediária, ao entender que, no caso de omissão do contrato social, primeiramente deveriam ser invocadas as normas societárias do Código Comercial. Apenas na omissão deste último, é que poderia ser aplicada a lei das sociedades anônimas, de forma subsidiária, às sociedades limitadas.

Esta parece ser a interpretação mais sensata do art. 18 da lei das limitadas, e foi igualmente adotada por Egberto Lacerda Teixeira:

Somos de parecer, que a lei das sociedades anônimas deve funcionar como fonte supletiva do contrato social, não apenas para completar aquilo que foi insuficientemente tratado ou esboçado nele (como é exemplo clássico o contrato que crie conselho fiscal e a assembléia geral dos quotistas sem prescrever-lhes as funções) mas, e principalmente, para preencher-lhe, de um lado a omissão verdadeira e total, e de outros, complementar, na parte aplicável, a lacuna da própria lei das sociedades por quotas.32

Em síntese, o fato do Decreto nº 3709/19 ser um tanto quanto simples e lacunoso, possibilitou aos sócios das sociedades por quotas de responsabilidade limitada imprimir o dinamismo necessário ao desenvolvimento de suas atividades sociais.

Por outro lado, o legislador, ad cautelam, instituiu a lei das sociedades anônimas como instrumento subsidiário da lei das limitadas, no caso de ser constatada a omissão do Decreto nº 3.709/19.

Todavia, desde 10/01/2002, com a edição da Lei n° 10.406, que instituiu o novo Código Civil, as sociedades deixaram de ser reguladas pelo Decreto n° 3.709/19.

29

FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1961. v. 3. p. 461. 30

BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p 55. 31

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 20. ed. São Paulo: Saraiva. 1991. v. 1.p. 335. 32

TEIXEIRA, Egberto Lacerda. Sociedades limitadas e anônimas no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 3

Por oportuno, cabe observar que a terminologia adotada pelo novo Código Civil não é a mais adequada, posto que a sociedade limitada não é o único tipo de sociedade na qual a responsabilidade de seus sócios é limitada, a exemplo da sociedade anônima. A antiga denominação do Decreto nº 3.708/19 - sociedade por quotas de responsabilidade limitada - era mais apropriada, até porque deixava clara a forma de divisão do capital social (quotas).

Na verdade, o antigo texto do Decreto nº 3.708/19 (19 artigos) era bem mais conciso do que a atual regulamentação do Código Civil (35 artigos).

Guilherme Teixeira Pereira33 bem delineou as principais alterações trazidas pela nova regulamentação das sociedades limitadas, a seguir expostas.

O art. 1053 da Lei nº 10.406/2002 instituiu como regime subsidiário para as sociedades limitadas, no caso de omissões das normas específicas, as normas relativas à sociedade simples, verbis:

Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.

Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.

Todavia, é certo que, seja na norma atual, seja na lei anterior, as sociedades por quotas de responsabilidade limitada possuem uma semelhança muito maior com as sociedades anônimas, do que com as sociedades simples, recém introduzidas no ordenamento pátrio pelo novo Código Civil.

Outrossim, a Lei das Sociedades Anônimas (nº 6404/76) é muito mais abrangente e superior tecnicamente do qualquer outro regime, dos outros tipos societários, como bem asseverou Fábio Ulhoa Coelho34:

De se notar que a Lei das Sociedades por Ações, por sua abrangência e superioridade técnica, tem sido aplicada a todos os tipos societários, inclusive a limitada, também por via analógica. Quer dizer, sendo o Código Civil lacunoso, poderá o juiz aplicar a LSA, mesmo que o regime de regência supletiva da limitada seja o das sociedades simples.

33

PEREIRA, Guilherme Teixeira. Inovações da sociedade limitada no novo Código Civil. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 191-205, p. 193, jul./set. 2003.

34

Talvez o mais correto fosse o inverso, isto é, que a regra do caput do art. 1053 se referisse à sociedade anônima, enquanto a regra do parágrafo único se referisse à sociedade simples.

Quanto à cessão de quotas, o Decreto nº 3708/19 não regulou expressamente essa possibilidade. Por isto, consolidou-se o entendimento de que a cessão de quotas deveria ser regulada no contrato social.

Caso isso não ocorresse, ou seja, na omissão do contrato social, a cessão de quotas entre sócios poderia se dar livremente, sem restrições, de acordo com a manifestação de vontades entre o sócio cedente e o sócio cessionário.

Já na hipótese da transferência envolver terceiros, estranhos à sociedade, a matéria era regulada pelo art. 334 do Código Comercial, que exigia o quórum de unanimidade dos sócios para a concretização da cessão:

Art. 334 - A nenhum sócio é lícito ceder a um terceiro, que não seja sócio, a parte que tiver na sociedade, nem fazer-se substituir no exercício das funções que nela exercer sem expresso consentimento de todos os outros sócios; pena de nulidade do contrato; mas poderá associá-lo à sua parte, sem que por esse fato o associado fique considerado membro da sociedade.

Por seu turno, o novo Código Civil assim disciplinou a questão:

Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.

Parágrafo único. A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes.

Constata-se, dessa forma, que o quórum exigido para a cessão das quotas a terceiros foi diminuído, pois antes era necessário a unanimidade dos sócios e agora são necessários três quartos, ou setenta e cinco por cento da aprovação dos membros da sociedade.

Uma novidade que diminuiu a burocracia na administração das sociedades limitadas foi a possibilidade de nomeação de administrador não sócio, no próprio contrato social. Anteriormente, era necessário a designação de um dos sócios como gerente, que em seguida delegava os seus poderes a um terceiro. Confira-se:

Art. 1.060. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado.

Parágrafo único. A administração atribuída no contrato a todos os sócios não se estende de pleno direito aos que posteriormente adquiram essa qualidade. Art. 1.061. Se o contrato permitir administradores não sócios, a designação deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização.

Contudo, se o administrador for nomeado em ato separado, a sua escolha será objeto de assembléia ou reunião, com posterior averbação da respectiva ata na Junta Comercial, conforme preceitua o art. 1.062 da Lei nº 10.406/2002:

Art. 1.062. O administrador designado em ato separado investir-se-á no cargo mediante termo de posse no livro de atas da administração.

§ 1o Se o termo não for assinado nos trinta dias seguintes à designação, esta se tornará sem efeito.

§ 2o Nos dez dias seguintes ao da investidura, deve o administrador requerer seja averbada sua nomeação no registro competente, mencionando o seu nome, nacionalidade, estado civil, residência, com exibição de documento de identidade, o ato e a data da nomeação e o prazo de gestão.

O Código Civil permitiu a instalação de conselho fiscal, que é o órgão responsável pela fiscalização da administração da sociedade. Tal possibilidade já existia sob a égide do Decreto nº 3708/19, em virtude da aplicação subsidiária da lei das sociedades anônimas às sociedades limitadas:

Art. 1.066. Sem prejuízo dos poderes da assembléia dos sócios, pode o contrato instituir conselho fiscal composto de três ou mais membros e respectivos suplentes, sócios ou não, residentes no País, eleitos na assembléia anual prevista no art. 1.078.

§ 1o Não podem fazer parte do conselho fiscal, além dos inelegíveis enumerados no § 1o do art. 1.011, os membros dos demais órgãos da sociedade ou de outra por ela controlada, os empregados de quaisquer delas ou dos respectivos administradores, o cônjuge ou parente destes até o terceiro grau.

§ 2o É assegurado aos sócios minoritários, que representarem pelo menos um quinto do capital social, o direito de eleger, separadamente, um dos membros do conselho fiscal e o respectivo suplente.

Entretanto, o conselho fiscal só se justifica nas sociedades de grande porte, dotadas de um expressivo número de sócios que não acompanham com regularidade a gestão da sociedade. Caso contrário, não é conveniente nem economicamente justificável o seu funcionamento.

A Lei nº 10.406/2002 determinou que as deliberações dos sócios das sociedades limitadas serão realizadas através de reunião, ou de assembléia, quando o número de integrantes for superior a dez:

Art. 1.072. As deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010, serão tomadas em reunião ou em assembléia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocadas pelos administradores nos casos previstos em lei ou no contrato.

§ 1o A deliberação em assembléia será obrigatória se o número dos sócios for superior a dez.

De certa forma, ainda que seja obrigatória apenas nas sociedades com mais de dez sócios, esta medida diminui o grau de simplicidade e de liberdade até então experimentado pelas sociedades limitadas, no que toca à sua gestão.

A nova lei civil instituiu cinco quóruns diferenciados para deliberações dos sócios, de acordo com a relevância da matéria:

Art. 1.061. Se o contrato permitir administradores não sócios, a designação deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização. Art. 1.063. O exercício do cargo de administrador cessa pela destituição, em qualquer tempo, do titular, ou pelo término do prazo se, fixado no contrato ou em ato separado, não houver recondução.

§ 1o Tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes, no mínimo, a dois terços do capital social, salvo disposição contratual diversa. Art. 1.076. Ressalvado o disposto no art. 1.061 e no § 1o do art. 1.063, as deliberações dos sócios serão tomadas:

I - pelos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social, nos casos previstos nos incisos V e VI do art. 1.071;

II - pelos votos correspondentes a mais de metade do capital social, nos casos previstos nos incisos II, III, IV e VIII do art. 1.071;

III - pela maioria de votos dos presentes, nos demais casos previstos na lei ou no contrato, se este não exigir maioria mais elevada.

Podemos constatar um certo enfraquecimento da figura do sócio majoritário, posto que a simples detenção da maioria absoluta do capital social não garante o controle societário. Com efeito, em alguns casos, como a alteração contratual, é exigido um quorum de setenta e cinco por cento do capital social.

O novel estatuto civil manteve a possibilidade de exclusão do sócio remisso, bem como a do sócio majoritário pela via judicial e a do sócio minoritário pela via extrajudicial.

Quanto ao sócio remisso, a matéria não comporta maiores indagações, a teor do art. 1.004 do Código Civil, verbis:

Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora.

Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031.

Em relação ao sócio minoritário, a sua exclusão pode se dar por meio de simples alteração contratual, podendo o sócio excluído recorrer ao Poder Judiciário, para provar eventual inocorrência de causa de exclusão.

Porém, a exclusão por simples alteração contratual só é cabível se o contrato social a permitir e houver deliberação dos sócios em assembléia, para a qual tenha sido convocado o excluído. Caso contrário, a expulsão do sócio minoritário somente poderá acontecer pela via judicial.35

Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.

35

No tocante à exclusão pela via judicial, ela pode contemplar os sócios majoritários ou minoritários, na constatação de falta grave no cumprimento das obrigações ou por incapacidade superveniente:

Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente.

Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.

Pelo exame dos dispositivos acima elencados, verifica-se a preocupação com a proteção do 0sócio minoritário, disciplinando de forma clara e objetiva as hipóteses de exclusão do quadro social.

7. ANÁLISE COMPARATIVA DAS SOCIEDADES COMERCIAIS NO DIREITO