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ANEXOS ANEXO A KEY WORDS LÍNGUA INGLESA

3 ENFOQUE TEÓRICO

3.1 A OBRA DICIONARÍSTICA: FORMAS DE EXPRESSÃO E FUNÇÃO

A tradição, ciência e arte de registrar tudo aquilo que faz parte do acervo léxico de um povo não vem de pouco tempo. De fato, das tabuinhas sumérias, em que já se denotava uma necessidade por registro de repertório simbólico, passando-se pelos papiros egípcios, pelos glossários medievais que vão propulsionar os dicionários clássicos até chegarmos aos modernos dicionários de nossos dias sinalizam o longo caminho percorrido pela lexicografia (DURÃO, 2010). Desde os primórdios, os repertórios, denominados dicionários, refletem aspectos culturais de determinado povo através de seus sistemas simbólicos transmitidos pelo léxico. Em se tratando da língua geral, lexicógrafos tradicionais como Biderman (1998), Borba (2003), Béjoint (2000), Welker (2004), entre outros, ponderam sobre o que vem a ser um dicionário de língua. Destacamos aqui o que expressam os quatro autores citados.

Biderman (1998) aponta a relevância dessas obras nas sociedades modernas, tecendo juízo quanto a seu uso, nas seguintes palavras:

O dicionário de língua faz uma descrição do vocabulário da língua em questão, buscando registrar e definir os signos lexicais que referem os conceitos elaborados e cristalizados na cultura. Por outro lado, o dicionário é um objeto cultural de suma importância nas sociedades contemporâneas, sendo uma das mais relevantes instituições da civilização moderna. Exercendo funções normativas e informativas na sociedade, esse produto cultural deveria ser de uso obrigatório para todos os usuários da língua. (BIDERMAN, 1998:15-16).

Para a referida autora, o dicionário constitui o “depositário dos hábitos de uma língua” destacando a importância do sistema léxico das línguas na captura do universo conceitual das mesmas.

Borba (2003:16), por sua vez, argumenta que “um dicionário nunca deverá ser tomado apenas como um simples repositório ou acesso de palavras, ao contrário, deve ser um guia de uso, e como tal, tornar-se um instrumento pedagógico de primeira linha”.

Para Welker (2004:24), o dicionário designa “a obra à qual os membros da comunidade recorrem para informar-se de todo o tipo de questão relacionada ao uso dos itens lexicais (grafia, pronúncia, significado, etc.)”.

Os dicionários justificariam-se, assim, por representarem não apenas sua orientação prática de um repositório de palavras que reflete os hábitos de uma cultura, mas também por sua finalidade didática.

Quanto à origem do termo dicionário, Béjoint (2000) atesta que o mesmo provém do latim dictionarius e foi usado, pela primeira vez, por um poeta e gramático inglês por volta de 1222 com o sentido de coleção de vocabulários latinos.

De nossa parte, assumimos o dicionário como uma obra de referência que não apenas representa, mas também é difusora da memória sociocultural de um determinado povo através do léxico. Além de arcabouço que abriga um grande número de palavras de uma dada comunidade, podemos considerar esse produto lexicográfico também pelo seu aspecto funcional, quando se constitui como ferramenta de consulta de considerável importância como uma obra tira dúvidas no que diz respeito ao uso do léxico para resolução de problemas linguísticos. Nesses termos, como Borba (2003), consideramos também o caráter pedagógico que tais obras podem assumir.

Sob um ponto de vista eminentemente linguístico-organizacional, os dicionários possuem características formais que os diferem de outros gêneros, conforme atesta Fernandes (2013):

Sua organização de encaixe (de palavras na macroestrutura e de acepções na microestrutura) cumpre as características de um texto-colônia, uma espécie de texto agregador cuja organização não se faz, como na maioria dos textos, pelo viés semântico, já que a tessitura se estabelece por numeração, alfabetação e suas partes, autônomas, podem ser deslocadas no texto ou usadas de forma independente (FERNANDES: 2013:229).

Tais particularidades atribuídas às obras dicionarísticas, segundo o mesmo autor, seguiria na contramão do dinamismo da língua uma vez que “a congela em fatias, de alfabetação, de verbetes, de significado, de uso, o que –vale ressaltar – não deve ser visto como defeito, apenas como característica peculiar do gênero” (FERNANDES, 2013:229). Neste aspecto, estabelecendo um caráter pretensamente funcional, sua organização permite ao consulente verificar informações que se reportam ao léxico de maneira categorizada, em que se registram entre os elementos micro estruturais do verbete, além da denotação, várias acepções, atingindo até usos mais metafóricos, ou seja, conotativos. Registra-se também a etimologia, a informação fonológica, as associações, os exemplos e antônimos (especialmente quando se trata de dicionário de língua, cujo objetivo é repertoriar o maior número possível de unidades lexicais de uma língua, em todos os seus registros e acepções específicas, incluindo-se aí termos especializados de áreas diversas).

Ainda que apresente o léxico de modo congelado em fatias, é fato que as informações linguísticas veiculadas nos dicionários contribuem para amenizar os tantos sobressaltos e incertezas que temos no tocante ao uso da língua para comunicar. Diante das diferentes especificidades que os dicionários assumem na caracterização de tipos de dicionários e as relações de dependência que se estabelecem entre cada tipo de obra lexicográfica e a organização de sua macroestrutura, microestrutura e sistema de remissivas subjazem os níveis de atualização e de abstração da linguagem verbal (Barbosa, 1995), uma vez que a língua funcional compõe níveis diferentes de estruturação que podem ser distinguidos a partir da ordem de realização, ou seja, o falar concreto, e as ordens de técnica virtual, ou sistema e norma. Segundo a autora, a cada nível de estruturação da língua irá corresponder um conjunto de vocábulos, aos quais correspondem, por seu turno, unidades-padrão. Assim, em nível de sistema encontra-se o universo léxico, que é composto pelos lexemas, os quais serão compilados nos dicionários de língua e em nível de norma, cujo sentido pode ser definido por “um conjunto de realizações constantes e repetidas, de caráter sociocultural e dependente de vários fatores operantes na comunidade idiomática” (BORBA, 1998:49). Ou, ainda, nas palavras de Coseriu (1980:122), aquilo que “contém tudo o que, no falar corresponde a uma língua funcional, é fato tradicional, comum e constante, ainda que não necessariamente funcional: todo o fato que se diz e se entende, dessa maneira e não de outro modo” situa-se o conjunto vocabulário que vai constituir as unidades dos vocabulários técnicos, científicos e os vocabulários específicos, enquanto que no nível de fala “técnica linguística como técnica efetivamente

realizada” (Coseriu, 1980:122), situa-se o conjunto das palavras-ocorrência que irá ser compilado nos glossários.

Partindo das correlações apontadas entre dicionário de língua e sistema linguístico, entre os vocabulários técnico-científicos e especializados com as normas linguísticas e, por fim, entre glossários e fala, ou discurso manifestado (Barbosa, 1995), os dicionários de língua têm como unidade-padrão o lexema, que armazena, organiza e define as acepções que uma unidade lexical possui, levando-se em consideração as perspectivas diatópica (o que é registrado como acepção de diferentes lugares), diacrônica (de um tempo), diastrática (de diferentes camadas sociais) e diafásica (diferentes universos de discurso). Os vocabulários, cuja unidade- padrão é o vocábulo, são obras que visam compilar unidades lexicais e acepções de um domínio específico ou universo de discurso. Os glossários, por sua vez, tem o objetivo de registrar as palavras que ocorrem no texto e o sentido correspondente observando-se o seu contexto.

Ainda, de acordo com Welker (2004), muitas propostas de classificação de obras de cunho lexicográfico/terminográfico têm sido apresentadas na literatura: (Sčerba (1940/1995), Malkiel (1962), Sebeok (1962), Rey (1970), Al-Kasimi (1977), Hausmann (1985), Martinez de Sousa (1995); Hartman & James (1998), Béjoint (2000). Diante dos mais diversos tipos de material de consulta de ordem lexicográfica, a título de ilustração, destacaremos a tipologia proposta por Haussman (1985) por ter sido esta considerada uma das mais extensivas, segundo Welker (op.cit.), capaz de abarcar um número significativo de obras.

Citando uma gama considerável de obras de referência para os mais diversos tipos, a classificação proposta por Hausmann apresenta oito pares de oposição:

 dicionário sincrônico / dicionário diacrônico;  dicionário histórico / dicionário contemporâneo;  dicionário filológico / dicionário linguístico;

 dicionário da língua padrão / dicionário de um dialeto ou falar regional;

 (no caso de ser histórico ou regional) dicionário geral (apresenta- se o léxico total de um determinado período ou região) / dicionário diferenciado (somente os itens lexicais que diferem do léxico geral e atual);

 dicionário da língua comum / dicionário de uma língua de especialidade;

 dicionário de uma comunidade linguística / dicionário de um indivíduo;

 dicionário geral / dicionário especial.

O referido autor ainda subdivide os dicionários especiais em cinco categorias. Seguido aos tipos de dicionários que pertencem a cada categoria descrita, apresentamos um exemplo de obra em língua portuguesa publicada nos últimos anos, conforme listado abaixo:

1. Dicionários sintagmáticos: (i) De construções (informações sintáticas), como por exemplo o Dicionário Gramatical de Verbos do Português Contemporâneo do Brasil (BORBA, F.S., et. al. 1990). (ii) De colocações: Happy Couples - Dicionário de colocações lexicais adjetivas - português/ inglês - inglês/ português (ALLEGRO, A.; ROSALIND, M.; BREZOLIN, A., 2010). (iii) De expressões idiomáticas/fraseologismos: Michaelis Dicionário de Expressões Idiomáticas - Inglês – Português (FERREIRA, W.R; NASH, M. G., 2012). (iv) De provérbios: Dicionário de Provérbios - Francês, Português, Inglês (LACERDA, R. C. de; LACERDA, H. R. C. de; ABREU, E. S., 2004). (v) De citações: Dicionário das Citações ( BARELLI, E; PENNACCHIETTI, S., 2001). (vi) De frases: Dicionário de Frases e Citações – Quem Disse (BOAS, R.V.; BERNARDINO, R., 2012).

2. Dicionários paradigmáticos: (i) De sinônimos, de antônimos: Dicionário Houaiss de Sinônimos e Antônimos (INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS, 2011). (ii) Ordenados por temas/conceitos: Dicionário de Conceitos Históricos (SILVA, K.V.; SILVA, M.H., 2005). (iii) Analógicos: Dicionário Analógico da Língua Portuguesa - Ideias Afins (AZEVEDO, F.F.S, 2010). (iv) De imagens: Dicionário Visual SBS - Português / Inglês / Espanhol (CORBEIL, J., 2012). (v) De gestos: Dicionário de Língua Gestual Portuguesa (BALTAZAR, A.B., 2010). (vi) De homônimos e parônimos: Dicionário de Homônimos e Parônimos (BARBOSA, O., 1987). (vii) De rimas: Dicionário de Rimas da Língua Portuguesa (MACEDO, M.S., 2004).

3. Dicionários de lexemas específicos (“marcados”): (i) De neologismos: Neologismos de Língua Inglesa ( STEINBERG, M., 2004). (ii) De arcaísmos: Dicionário Etimológico do Português Arcaico (MACHADO FILHO, A.V.L., 2013). (iii) De regionalismos: Dicionário de Regionalismo do Rio Grande do Sul (NUNES, Z.C.;NUNES, R.C.,

2009). (iv) De estrangeirismos: Dicionário de Estrangeirismos (COSTA, F.A., 1990). (v) De gírias: Significado dos Ditados Populares - e das Girias Brasileiras (SILVESTRINI, R., 2010). (vi) De xingamentos: Dicionário Brasileiro de Insultos (ARANHA, A.J., 2002). (vii) De tabus: Dicionário de Sonhos Sexuais (CLARKE, M., 2013). (viii) De jargões: Dicionário das Ideias Feitas em Educação - Lugares-comuns, Chavões, Clichês, Jargões, Máximas (CORAZZA, S. M.; AQUINO, J. G. (orgs.), 2011). (ix) De palavras difíceis e raras: Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Morta: Palavras que Sumiram do Mapa (VILLAS, A., 2012). (x) De dificuldades (dúvidas quanto ao uso das palavras): Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa (CEGALLA, D.P., 1999).

4. Dicionários de outros tipos específicos de lemas: (i) De radicais: Dicionário de Radicais Clássicos (FERNANDES JR.,A., 2007). (ii) De afixos: Dicionário de Afixos Greco-Latinos (FERREIRA,M.C., 1995). (iii) De palavras compostas: Dicionário de Locuções e Expressões da Língua Portuguesa (ROCHA, C.A.M; ROCHA, C.E.P.M, 2011). (iv) De nomes coletivos: Dicionário de Coletivos - O Único Em Língua Portuguesa (BARBOSA, O.,1992). (v) De nomes próprios: Dicionário de Nomes Próprios (NEVES, O., 2002). (vi) De abreviaturas: Dicionário de Siglas e Abreviaturas - Conforme a Nova Ortografia (ANTAS, L.M., 2009).

5. Dicionários especiais com determinados tipos de informações: (i) De ortografia: Michaelis - Guia Prático da Nova Ortografia (TUFANO, D. 2008). (ii) De pronúncia: Dicionário de Pronúncia Correta (SACCONI, L. A., 1991). (iii) De conjugação de verbos: Dicionário Houaiss de Conjugação de Verbos (AZEREDO, J.C., 2012). (iv) Com orientação didática (para estudantes): Dicionário Didático de Português - Ensino Fundamental (BIDERMAN, M.T.C, 2009). (vii) Específicos para determinados tipos de usuários (mulheres, turistas, etc.): Dicionário Machista - Três Mil Anos de Frases Cretinas Contra as Mulheres ( FERRAZ, S., 2013); Frommer's Dicionário e Guia Rápido de Frases em Francês (MEIRA, K., 2012).

Acreditamos, a partir da tipologia apresentada e através da literatura especializada, que os critérios para a criação dos diferentes tipos de produtos lexicográficos são condicionados pela evolução sociocultural e temos visto que dicionário tem sido um termo genérico frequentemente usado para a designação de qualquer obra de referência lexicográfica. De fato, as fronteiras entre dicionário, vocabulário e glossário são bastante tênues, não havendo um consenso entre lexicógrafos e terminológos quando se trata da designação dessas obras de referência. Com muita frequência,

especialistas no campo da lexicografia trabalham com o conceito de dicionários, relegando os vocabulários e glossários a um plano secundário. Na prática, o senso comum atribui vocabulários e glossários como sinônimos e isso parece ser uma tendência no mercado editorial de tais obras. Nessa perspectiva, quanto ao uso dos termos vocabulário e glossário no âmbito da Terminologia, a Norma ISO 1087 atesta sua preferência pelo termo glossário, conferindo-lhe status de dicionário terminológico, quando o define como “dicionário terminológico baseado num trabalho terminológico que apresenta a terminologia de um domínio ou de subdomínios ou de vários domínios associados.” Krieger e Finatto (2004), por sua vez, estabelecem distinção entre glossário e dicionário terminológico:

Glossário costuma ser definido como repertório de unidades lexicais de uma especialidade com suas respectivas definições ou outras especificações sobre seus sentidos. É composto sem pretensões de exaustividade. Já o dicionário terminológico ou técnico- científico é uma obra que registra o conjunto de termos de um domínio oferecendo primordialmente informações conceituais e, por vezes, linguísticas. Caracteriza-se por uma cobertura exaustiva de itens lexicais. (KRIEGER E FINATTO: 2004:51).

Na direção das demarcações estabelecidas por Krieger e Finatto (2004) para a distinção entre glossário e dicionário terminológico, assumimos que no âmbito de nossa pesquisa usaremos o primeiro termo (glossário), uma vez que não visamos o tratamento de informações conceituais para as unidades terminológicas que serão arroladas na obra proposta, mas sim seus correspondentes tradutórios situados em um domínio específico. Como já mencionado, o presente estudo visa ao estabelecimento de diretrizes metodológicas para a compilação de um glossário terminológico bilíngue no âmbito da agropecuária com ênfase na reestruturação de um glossário preexistente dessa área, elaborado por Santos ( 2006) e reeditado em 2010. Convém, no entanto, destacar, que o termo dicionário poderá ser mencionado, ainda que eventualmente, ao longo da pesquisa, quando nos referirmos, em um sentido mais genérico, a qualquer obra lexicográfica.

Por tratar-se de um trabalho que versa sobre a descrição do léxico especializado em duas línguas (inglês/português) trataremos, neste momento, de algumas considerações relacionadas à organização e função dos dicionários bilíngues.