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A oficina do riso e a humanização do cuidado em saúde

3.2 Segunda Sinfonia: as práticas integrativas e populares de cuidado como

3.2.4 A oficina do riso e a humanização do cuidado em saúde

Uma das estratégias delineadas com base na Sinfonia da Humanização via os dispositivos do acolhimento e do cuidado ao trabalhador da saúde em sua interface com a arte. É o que cunhamos como Oficina do Riso, protagonizada pelo cirandeiro Honorato Filho. Trata-se de um processo formativo envolvendo trabalhadores do setor saúde, na perspectiva do atendimento humanizado, que trabalha técnicas de pantomima, mímica, respiração, meditação e de clown, tendo como principal referência a experiência vivida pelo médico Patch Adams, que se alia às vivências dos palhaços populares e do teatro de rua - de onde provém o nosso ator protagonista. Faz ainda um estudo sobre o riso como terapia.

Segundo o cirandeiro Honorato Filho,

As oficinas trabalham o resgate da auto-estima, a partir do resgate da criança interior e representam um momento de reflexão para os próprios trabalhadores que acontece a partir de técnicas de meditação, principalmente as meditações ativas de Osho, além de vivências de teatro de rua e terapia comunitária. A escolha dos trabalhadores das unidades e não de pessoas que já trabalham com teatro, como acontece em outras experiências, se dá pelo fato de que essas pessoas continuam na unidade de saúde e na comunidade. A oficina possibilita, então, que o profissional atue no território que ele conhece e contribui e que o palhaço humanize a unidade...

Segundo o cirandeiro, a formação dos palhaços terapeutas evidencia a potencialidade do riso nos processos de acolhimento à comunidade, como também na sensibilização dos profissionais, no sentido de rever a forma de cuidar daqueles que buscam as unidades de saúde.

Pensamos que nas unidades deve haver lugar para as pessoas se encontrarem com sua criatividade; deve haver espaços para brincadeiras e imprevistos, que podem ser cuidados de formas mais próprias ao modo de nossa cultura viver o riso. As aproximações entre pessoas, dentro de contextos cuidados com amorosidade, pode chamar o riso e a sensibilidade para os aspectos brincantes da vida.

Apesar da potência do riso, contudo, o processo revela desafios e contradições. Aqui recorremos a Bakhtin (2003, p. 370), a nos lembrar que o riso chama à cultura da “pluritonalidade”, à libertação das situações de impasse, abrindo as portas ao popular e ao universal. “Só as culturas dogmáticas e autoritárias são unilateralmente sérias”. O riso, segundo Bakhtin (1993), não recusa o sério mas liberta-o do dogmatismo, do medo e impede que o sério se fixe e se isole da integridade inacabada da existência cotidiana.

Ouçamos a fala do cirandeiro:

Os palhaços terapeutas têm realizado movimentos no sentido da promoção de diálogos com a arte. Têm conseguido trazer as manifestações artísticas para dentro das unidades de saúde. .... uma das palhaças, que também é Agente Comunitário de Saúde, trouxe um sanfoneiro para a unidade... As pessoas estão ativas, animam a unidade nas datas comemorativas, nas atividades dos grupos de idosos, de gestantes, nas campanhas de vacinação, nos eventos de mobilização contra a dengue... Na SER III, as palhaças cirandeiras da SER II, depois das oficinas feitas conosco criaram um espetáculo sobre o câncer de colo uterino. Por outro lado, temos atuado na animação e acolhimento em eventos gerais da Secretaria Municipal de Saúde ou, mesmo, em eventos universitários como o Mundo UNIFOR (Universidade de Fortaleza). Mas a grande questão é que alguns palhaços não encontraram na coordenação local apoio para a realização das atividades, que não eram vistas como trabalho e às vezes eram de certa forma marginalizados e ridicularizados.

Do relato do cirandeiro, percebe-se que, apesar da ideia de um trabalho mais concretamente inserido no cotidiano da unidade de saúde, as ações se constituíram em ações contingenciais, fragmentadas e que não são conformadas como fazer do dia a dia. Dizemos também que a potência do riso pode ser agregada aos projetos terapêuticos singulares em saúde, por despertarem o que Spinoza nomeia como paixões alegres.

O processo vivido como tentativa de potencializar o riso envolve médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, agentes comunitários de saúde e profissionais da recepção das unidades básicas e da rede de saúde mental.

Das oficinas que se fazem nascem personagens e situações brincantes, contextos de recepção e acolhida são revistos e a proposta é que se integrem ao trabalho do terapeuta /cuidador/trabalhador em saúde, passando a compor com sua ritualidade do riso e o que ela chama a si a abordagem e a elaboração do projeto terapêutico singular.

O cirandeiro, no entanto, traz suas preocupações no que diz respeito à concretização dessa proposta. É que, tendo em vista as situações-limite há pouco delineadas e o fato de que, dadas a extensão territorial do Município e a multiplicidade de funções do cirandeiro (funções que se reconfiguram no trabalho cotidiano), o tempo e os espaços parecem não permitir maior acompanhamento efetivo do que está sendo feito.

Após a realização das primeiras oficinas sentimos a necessidade de acompanhar o trabalho de cada um. Ver o que tem sido possível fazer. Quais os impactos para a unidade de saúde, os trabalhadores e a comunidade. Nos juntarmos para planejar, avaliar e trocar experiências na perspectiva de aprimorar o trabalho e agregar novos elementos, refletir e aprender com o que estamos fazendo para que as coisas possam acontecer no dia a dia e não só em momentos pontuais. Mas para isso temos dois grandes desafios. O primeiro é sensibilizar os gestores da importância do trabalho enquanto cuidado à população e também ao trabalhador. Ajudá-lo a entender que essa nova forma de atender que o palhaço cirandeiro traz para as práticas de saúde traz a integralidade e novas tecnologias para o cuidado, permitindo ao trabalhador ao transformar sua prática, também se transformar. Para isso estamos pensando em realizar um desdobramento das oficinas, no sentido de que os terapeutas do riso possam planejar sua ação de forma articulada com o conjunto dos atores das unidades, possibilitando que outros trabalhadores possam ser ganhos para a causa. Pensamos ainda em realizar uma oficina de aprofundamento para alguns dos palhaços que se identificarem com a possibilidade de multiplicar essa idéia e que poderiam se constituir como referência regional para atuar formando novos palhaços terapeutas e acompanhando o trabalho daqueles já formados.

Da fala do cirandeiro, pode-se apreender o fato de que ocorreram mudanças significativas nos que conseguem fazer nascer o seu palhaço. Parece que por meio desse caminho pedagógico do riso, se pode refletir não apenas sobre o cuidado na unidade de saúde, mas também sobre as dimensões intrapsíquicas das pessoas e sobre o agir na vida cotidiana.

Uma das terapeutas passou por uma situação familiar de desafeto amoroso que lhe deixou em conflito consigo e com os outros. Para ela o toque amoroso eram situações falsas. Não conseguia se realizar no trabalho porque não conseguia fazer nada coletivamente; tinha dificuldades de conviver, até mesmo com os filhos. Isso lhe acarretava sofrimento e isolamento. Durante a oficina, conseguiu romper alguns dos bloqueios, a partir das técnicas de meditação, vivências em grupo, resgate da criança interior que trazemos em nós... E na caminhada do riso ela foi conseguindo resgatar elementos importantes do convívio com os filhos e da retomada de sua vida afetiva e profissional.

A participação dos palhaços terapeutas em eventos da Secretaria Municipal de Saúde, no âmbito local, regional e geral, produz, segundo o cirandeiro, novas demandas de formação, especialmente partindo da rede hospitalar – o que explicita a importância dessa linguagem artística, advinda dos universais clowns, na humanização.

Está em fase de planejamento a realização de uma oficina dirigida aos profissionais da rede hospitalar do Município. Ao mesmo tempo, percebe-se a necessidade de sistematizar a experiência, elaborar indicadores sobre seus procedimentos pedagógicos e incluí-la em movimentos menos eventuais.

Outras potencialidades podemos ainda desenvolver: o trabalho com fantoches, contagem de histórias, entre outros. Dessa forma, conclui o cirandeiro:

A oficina do riso possibilita vivenciar a humanização no contexto das relações dos seres humanos, um ser que é ao mesmo tempo cidadão, trabalhador, gestor, e que se relaciona consigo mesmo e com o outro... Assim o riso, possibilita a todos se perceberem produtores de saúde. Ao mesmo tempo se constitui uma tecnologia de acolhimento aos usuários dos serviços de saúde. O aprendizado de algumas técnicas usadas na oficina propicia ao trabalhador o resgate de sua própria história de vida, o que pode ser utilizado como instrumento para os momentos de cuidado individual e coletivo, trazendo para todos os atores do serviço a possibilidade de um cotidiano de trabalho mais prazeroso, amoroso e criativo, onde se pode ser ao mesmo cuidado e cuidador.

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