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A opção metodológica

No documento Pedro da Cruz Almeida (páginas 69-73)

6. Metodologia

6.1. A opção metodológica

Alguns investigadores que teorizam sobre metodologias de investigação evitam definir metodologia qualitativa e metodologia quantitativa em função do tipo de dados que são tidos em conta ou do modo como tais dados são analisados: dados linguísticos versus numéricos, análise do discurso versus análise quantitativa ou estatística. Considerar apenas tais aspetos para definir uma de outra metodologia conduziria a uma distinção simplista entre medir com palavras e medir com números (Elliott & Timulak, 2005). A dificuldade em definir “metodologia qualitativa” é reconhecida por Denzin e Lincoln (2005), afirmando que ela não chama a si nenhuma prática ou método particular, podendo fazer uso de diversos tipos de análises, tanto textuais como numéricas ou estatísticas, atravessando múltiplas disciplinas, desde as ciências naturais às ciências sociais, e não reivindica a pertença a um determinado paradigma. Estas autoras apresentam uma definição abrangente que estabelece a investigação qualitativa como uma prática situada de um observador inserido no mundo que estuda e transforma, em virtude das ferramentas interpretativas de que se mune – notas de campo, entrevistas, fotografias e outros registos áudio e visuais, etc. – e que tornam esse mundo visível.

A este nível, a investigação qualitativa envolve uma abordagem naturalista e interpretativa do mundo. Isto significa que os investigadores qualitativos investigam os objetos de estudo em seus ambientes naturais, tentando dar sentido ou interpretar fenómenos em termos dos significados que as pessoas lhes dão. (Denzin & Lincoln, 2005, p. 3)

O termo “naturalista” ligado à investigação qualitativa advém tradicionalmente por oposição aos ambientes laboratoriais e experimentais vulgarmente conotados com o paradigma positivista. Isto é sintomático de uma tentativa de muitos investigadores qualitativos se distanciarem do paradigma positivista associando-o à metodologia quantitativa.

O termo paradigma diz respeito ao conjunto de princípios ontológicos (natureza do objeto de conhecimento), epistemológicos (génese do conhecimento ou relação entre o sujeito e o objeto de conhecimento) e metodológicos (modo de alcançar o conhecimento) que orientam a investigação (Denzin & Lincoln, 2005). Sintetizando, Denzin e Lincon (2005) afirmam a existência de quatro principais paradigmas que orientam as metodologias qualitativas: “positivista e pós-positivista, construtivista-interpretativo, crítico (marxismo, emancipatório) e feminista-pós-estrutural” (pág. 22).

A consideração de que o paradigma positivista possa guiar a metodologia qualitativa é controversa e muitos autores discordam deste ponto de vista. Por exemplo, Hesse-Biber e Leavy (2011), embora reconhecendo que esta dicotomia possa dissipar-se, estabelecem uma comparação fraturante que remete a metodologia quantitativa para o paradigma positivista ainda que, dentro deste paradigma, se possa recorrer a ferramentas qualitativas11 de recolha e análise de dados.

O positivismo postula que há uma realidade cognoscível que não pode depender do processo de pesquisa, que essa realidade é objetiva e governada por leis e que, portanto, é possível deduzir e provar relações de causalidade, identificar, explicar e prever acontecimentos (Hesse-Biber & Leavy, 2011). É do ponto de vista positivista que vem a maior crítica à metodologia qualitativa pois, ao contrário da pesquisa quantitativa, “a pesquisa qualitativa não requer variáveis bem definidas ou modelos causais. As observações e medições de estudiosos qualitativos não se baseiam na atribuição aleatória de sujeitos a grupos experimentais. Os pesquisadores qualitativos não geram ‘provas concretas’ usando tais métodos” (Denzin & Lincoln, 2005, p. 9). Hesse-Biber e Leavy (2011) afastam a possibilidade da metodologia qualitativa se desenvolver dentro do paradigma positivista. Concedem, sim, que projetos de investigação enquadrados teoricamente pelo pós-positivismo desenvolvam o trabalho assentes numa metodologia qualitativa:

O pós-positivismo afirma que a pesquisa sobre a realidade social só pode aproximar-se da realidade. Afastando-se da ideia positivista de provar relações causais que constituem o mundo social, os pós-positivistas constroem evidências para apoiar uma teoria preexistente. Em outras palavras, baseando-se na lógica dedutiva e no teste de hipóteses, assim como os positivistas, os pós- positivistas tentam criar evidências que irão confirmar ou refutar uma teoria, embora não em termos absolutos.

Para além da abordagem pós-positivista, Hesse-Biber e Leavy (2011) identificam ainda outras duas principais vertentes de abordagem à metodologia qualitativa – a interpretativa e a crítica – dentro das quais se posicionam diferentes perspetivas. As abordagens críticas preocupam-se com questões de poder e consideram que o conhecimento produzido pelas visões positivistas dá força e perpetua situações de injustiça social opressoras de grupos sociais minoritários. As abordagens interpretativas estão interessadas na compreensão dos significados construídos socialmente; pressupõem que os “significados não existem independentemente do processo interpretativo da pessoa humana” e procuram a sua “compreensão aprofundada pela interpretação dos significados que têm para as pessoas as interações, as ações e os objetos” (pág. 17). Esta visão das abordagens interpretativas está de acordo com o paradigma designado construtivista por Denzin e Lincoln

11 Hesse-Biber e Leavy, assim como outros, distinguem metodologia de método. A metodologia supõe um conjunto de princípios teóricos sobre a génese, a natureza e os valores e limites do conhecimento. O método é uma técnica, uma ferramenta ou instrumento de recolha, de análise, de validação,… de dados.

(2005). Dentro deste paradigma construtivista-interpretativo considera-se que a realidade é múltipla e construída, a apropriação do conhecimento é subjetiva, pela interação entre objeto e sujeito do conhecimento, e a metodologia procura a compreensão e o significado.

Este estudo situa-se dentro de um paradigma interpretativo que supõe um papel determinante do investigador no processo de recolha de dados e, portanto, a subjetividade do conhecimento adquirido. O objeto essencial do estudo são processos desenvolvidos por sujeitos criteriosamente selecionados na realização de tarefas de formulação de problemas. Assim sendo, os dados tornam-se observáveis e são interpretados por meio da interação entre o investigador e os participantes no decorrer das entrevistas em torno da resolução de uma tarefa, ou na observação participante das aulas. De acordo com Hesse-Biber e Leavy (2011) os estudos podem ter propósitos exploratórios, descritivos ou explanatórios. Um estudo é exploratório quando procura investigar uma área pouco explorada com um objetivo de recolher dados que poderão contribuir para outras investigações. Ter um propósito descritivo significa procurar conhecer de um modo mais pormenorizado o fenómeno sob investigação por meio de uma recolha de dados ricos em detalhes descritivos. Os estudos explanatórios procuram explicar e descobrir relações entre aspetos de um mesmo tópico em estudo.

O estudo que se apresenta nesta dissertação é descritivo. Procurou-se observar e compreender tão aprofundadamente quanto possível o modo como alunos dos 3.º e 4.º anos de escolaridade realizam tarefas de formulação de problemas, o conhecimento matemático que manifestam e o modo como o mobilizam na resolução das tarefas, e ainda que sentidos ou expectativas têm relativamente a esta atividade. Foi a procura dos significados que as tarefas de formulação de problemas assumem para quem as resolve e a procura do modo como o conhecimento matemático é mobilizado na sua resolução que exigiu a utilização de uma metodologia qualitativa, assente na realização de entrevistas em profundidade e na observação participante. Bogdan e Biklen (1994) afirmam que estas duas estratégias de obtenção de dados são as que refletem melhor as características da metodologia qualitativa.

Tratando-se de uma investigação que visava um conhecimento aprofundado do modo como os alunos se envolvem na formulação de problemas, optou-se por fazer este estudo envolvendo quatro participantes. Este formato de desenvolvimento da investigação configura-se de algum modo com os estudos de casos.

Robert Stake (2005) distingue essencialmente dois tipos de estudo de caso em função do interesse que eles possam assumir para o que se está a investigar. O interesse por um caso pode ser intrínseco ou instrumental e, dentro deste último, pode haver necessidade de envolver mais do que um caso, designando-o então por estudo de caso múltiplo ou coletivo.

Um caso intrínseco é aquele cujo objeto de estudo tem interesse por si mesmo, tanto por aquilo que tem de particular como pelas suas características mais comuns. Em princípio, o caso não é

escolhido por representar outros casos, nem por representar uma particularidade ou problema exterior ao próprio caso. Ou seja, o princípio e o fim do estudo é o conhecimento daquele caso.

O estudo de um caso é instrumental se o objetivo principal for obter informação sobre um determinado problema, um fenómeno, ou até testar uma teoria. Ele pode ser escolhido por partilhar características comuns a outros casos, isto é, pela sua tipicidade, ou então, pelo contrário, funcionando como um contraexemplo. Ou seja, o caso é secundário; ainda que seja estudado em profundidade e detalhadamente exposto, ele funciona como um facilitador para compreender outro objeto de estudo que lhe é exterior. Neste sentido pode ser interessante ou mesmo necessário envolver vários casos para que, estudados em conjunto, permitam alcançar uma melhor compreensão do objeto sob investigação. São estes os estudos de casos múltiplos de acordo com Stake (2005). Estes casos podem ser escolhidos por partilharem características comuns, mas também por serem de algum modo diferentes. O critério de seleção tem a ver com o objeto em estudo, sempre no intuito de que esse conjunto de casos conduzam a uma melhor compreensão, ou até mesmo a uma teorização passível de ser alargada a um maior número de casos.

Robert Stake (2005) reconhece que classificações de outros autores não encaixam bem com esta que propõe. O mérito desta classificação é basear-se num critério funcional, ou seja, que responde à pergunta sobre a finalidade essencial do estudo de caso.

O estudo que se apresenta nesta dissertação serve-se de quatro casos para mostrar os processos de formulação de problemas, a forma como alunos de 3.º e 4.º ano mobilizam o conhecimento matemático associado à multiplicação e divisão na realização deste tipo de atividade. Trata-se portanto, de acordo com Stake (2005), de um estudo instrumental de casos múltiplos.

Os casos foram selecionados por meio de critérios12 que podem sustentar alguma

representatividade dos alunos daquele nível de escolaridade quanto ao seu desempenho geral nas tarefas escolares relativas à matemática, e o objetivo não é comparar os resultados obtidos em cada caso, mas reunir os dados obtidos em todos eles para compreender o objeto em estudo, observando as diferenças e as semelhanças.

O estudo desenvolveu-se através da resolução de tarefas de formulação de problemas, de um determinado tipo definido na literatura (ver na pág. 10), realizadas em entrevistas em profundidade feitas individualmente a cada participante. São cinco entrevistas (uma delas dividida em três partes) a quatro participantes, Quatro das entrevistas partem da resolução de uma tarefa.

A resolução de cada tarefa de formulação de problemas é o eixo em torno do qual gravitam todos os dados recolhidos, a sua interpretação e a exposição nesta dissertação.

Das quatro entrevistas em profundidade com tarefas definidas à partida, em duas delas era preciso inventar um contexto e uma questão para uma expressão de cálculo fornecida como estímulo; nas outras duas tarefas foi fornecido um contexto próximo da realidade, descrito em palavras, sendo necessário ao aluno formular perguntas que relacionassem os dados fornecidos, constituindo assim um problema que seria também resolvido pelo autor.

Foram também obtidos dados por meio de observação participante das aulas para, essencialmente, conhecer os conceitos processos desenvolvidos em aula no que respeita à multiplicação e divisão, o modo de participação dos alunos e o tipo de atividade realizadas. Estes dados permitiram enquadrar os processos manifestados pelos participantes nas entrevistas em torno da resolução das tarefas. Por exemplo, verificou-se que a mobilização de determinados teoremas- em-ação referidos por Vergnaud (e.g. 1983, 1988) na resolução das tarefas feitas nas entrevistas estava em concordância com o que os alunos utilizavam em aula.

No documento Pedro da Cruz Almeida (páginas 69-73)