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A tarefa “30×25”

No documento Pedro da Cruz Almeida (páginas 100-103)

7. As tarefas

7.1. A tarefa “30×25”

Figura 14: Enunciado da tarefa "30×25"

Esta tarefa foi resolvida pelos participantes na entrevista realizada no terceiro período do 3.º ano (2014.05.16). A tarefa foi apresentada aos alunos no início da entrevista, como um ponto de partida.

Uma vez que a tarefa consiste em formular um problema (uma situação-contexto), adequado à expressão de cálculo que é apresentada, pode enquadrar-se esta tarefa na classe das semiestruturadas de acordo com os exemplos dados por Stoyanova e Ellerton (1996). A este tipo de tarefas, Christou et al. (2005) associam o processo cognitivo Compreender.

Para a expressão numérica foram escolhidos números que não facilitassem nem dificultassem em demasia o seu uso tanto na execução do algoritmo como em processos de cálculo mental. Vinte e cinco por ser um número ligado a factos numéricos ou números de referência mais conhecidos: metade de 50 e um quarto de 100. Trinta por ser um múltiplo de 10 cuja decomposição aditiva (10+10+10) e multiplicativa (3×10) é fácil de usar mentalmente. O facto de terem ambos mais do que um algarismo faz com que a realização do algoritmo não seja trivial, podendo observar-se o conhecimento (ou não) dos procedimentos.

Imaginar um contexto problemático que seja resolvido pelo cálculo apresentado coloca em jogo i) a criatividade do aluno que pode inspirar-se (ou não) na realidade quotidiana, ii) o conhecimento matemático relativo à multiplicação.

A realidade do quotidiano é muitas vezes usada como contexto para o ensino e aprendizagem das operações. A operação é apreendida por meio da modelação de situações da realidade. Mas para além disso há conhecimento sobre a operação que não é passível de ser contextualizado pela realidade do dia-a-dia, por exemplo, propriedades e estratégias de cálculo, que são explorados em contextos mais abstratos. Ainda assim, nestes primeiros anos de escolaridade os contextos realísticos têm um grande peso. Como se pode observar na tabela que relaciona o calendário das entrevistas e o currículo (Tabela 6, na pág. 77), a tarefa foi realizada na altura em que se desenvolvia trabalho sobre grandezas e medida, o que poderia favorecer a escolha de contextos ligados à medida em grandezas como comprimento, área, massa, capacidade, tempo e dinheiro.

O enunciado escrito da tarefa (Figura 14, na pág.80) não é totalmente explícito relativamente ao que se pretendia e o que lhe falta foi pedido oralmente: a formulação de um contexto próximo da realidade quotidiana.

O conhecimento matemático que pode ser observado numa tarefa deste tipo, com a intenção acima enunciada, tem a ver com a capacidade de identificar as situações onde a multiplicação, especificamente a expressão dada, é a operação que modela a situação problemática imaginada. Essencialmente isso traduz-se pela qualidade dos referentes que podem ser atribuídos aos números envolvidos na expressão numérica. Nesse sentido, são importantes as análises das situações modeladas pela multiplicação e divisão propostas por Greer (1992) Schwartz (1988) e Vergnaud (1983).

Uma vez que a expressão envolve números inteiros, os referentes atribuídos tanto podem designar grandezas discretas (livros, carros, brinquedos,…) como grandezas contínuas (comprimento, área, dinheiro,…), ou seja, se fossem racionais não inteiros não poderiam referir-se a grandezas discretas. Podendo referir-se tanto a grandezas contínuas como discretas é maior o leque das classes de situações em que podem ser enquadradas as situações/contextos imaginados.

De acordo com Vergnaud (1983, 1988), pode dizer-se que as situações passíveis de serem criadas a partir da expressão numérica envolvida nesta tarefa estão incluídas no Isomorfismo de medidas e no Produto de medidas, neste último caso, o produto cartesiano ou a determinação da área de um retângulo. A classe de situações de dupla proporção está naturalmente excluída pois as expressões têm apenas dois fatores. Há, no entanto, a possibilidade de se criar uma situação de Comparação multiplicativa (ver Tabela 3, na pág. 47).

Poderá ser legítimo perguntar se uma situação de Comparação multiplicativa está dentro da classe do Isomorfismo de medidas definida por Vergnaud. A situação de Comparação multiplicativa dada como exemplo na Tabela 3 é “O João tem triplo do dinheiro do António. Se o António tem 25€ quanto tem o João?”, para que se enquadre dentro do Isomorfismo de medidas é preciso considerá- la também como uma situação de proporcionalidade, ou seja, o dinheiro do João e do António variam proporcionalmente. Um exemplo de uma situação em que isto não seria possível seria a relação entre a idade do João e a do António. O contexto “idade” não permite situações de proporcionalidade.

Tendo em consideração a perspetiva de Schwartz (1988) para a multiplicação e divisão, as situações inventadas nesta tarefa podem ser enquadradas em qualquer das tríades IEE’, EE’E’’ e II’I’’. No entanto, não é expectável que os alunos formulem problemas envolvendo apenas quantidades intensivas (tríade II’I’’). Na tríade EE’E’’, isto é, no produto de duas quantidades extensivas (E×E’=E’’) estão situações como as de cálculo da área de um retângulo ou de objetos numa disposição retangular e as de produto cartesiano. Na tríade IEE’ enquadram-se as situações que pertencem também à classe do Isomorfismo de medidas de Vergnaud.

A maioria das situações usadas no ensino da multiplicação enquadram-se na tríade IEE’, particularmente na classe Grupos iguais definida em Greer (1992). Por exemplo, no manual escolar do 3.º ano adotado na turma dos alunos participantes neste estudo, o tópico da multiplicação de números naturais ocorre desde a página 73 à 96 e envolve 36 situações contextualizadas no quotidiano, das quais 29 pertencem à classe Grupos iguais, 4 à classe Medidas iguais e 3 são de Produto cartesiano (nas primeiras páginas). As 4 situações que pertencem à classe Medidas iguais, uma vez que envolvem apenas números naturais, ainda que se refiram a grandezas contínuas, podem ser tidas como situações de Grupos iguais. As situações enquadradas na classe Grupos iguais são tidas como facilitadoras da compreensão da multiplicação na medida em que a apresentam como uma adição repetida de parcelas iguais (Fischbein, Deri, Nello e Marino, 1985

)

. A multiplicação tida deste modo funciona dentro do Isomorfismo de medidas para situações enquadradas pela classe Grupos iguais (Greer, 1992). Nesta classe é necessário que um dos fatores do produto esteja referido a uma quantidade intensiva e esta exigência é a que pode constituir uma dificuldade na formulação de um contexto quotidiano para um problema modelado pela multiplicação (Schwartz, 1988). Referir

um dos fatores a uma quantidade intensiva não é necessário se a situação criada envolva um produto cartesiano ou o cálculo da área de um retângulo.

No documento Pedro da Cruz Almeida (páginas 100-103)