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Os sentidos da multiplicação e divisão em contexto

No documento Pedro da Cruz Almeida (páginas 65-69)

5. A Multiplicação e a Divisão

5.3. Os sentidos da multiplicação e divisão em contexto

Brian Greer (1992) faz uma análise das situações modeladas pela multiplicação e divisão assente na semântica das relações estabelecidas entre os dados presentes no contexto, suas representações e o tipo de números envolvidos.

Greer (1992) começa por apresentar as principais categorias de situações que envolvem os números inteiros e alarga depois esta classificação ao conjunto dos racionais. Define, em primeiro lugar, quatro categorias de situações multiplicativas envolvendo números inteiros: Grupos iguais, Comparação multiplicativa, Produto cartesiano e Área retangular (tomando apenas números inteiros para as dimensões comprimento e largura). Quando considera os números racionais apresenta mais seis categorias: Medidas iguais, Rate9, Conversão de medidas, Parte-todo, Mudança multiplicativa e

Produto de medidas.

Um aspeto essencial na classificação apresentada por Greer (1992) é a noção de simetria entre dois fatores numa multiplicação. Tomando como exemplo o problema “3 crianças têm 4 bolos cada uma. Quantos bolos têm ao todo?” (pág. 276) Greer distingue o multiplicando (número de bolos que cada criança tem) do multiplicador (número de crianças). O número por grupo (multiplicando) é

9 De acordo com Thompson (1994), o conceito de rate não é consensual na literatura de investigação em Educação Matemática e afirma que, para Vergnaud (1988), rate é a razão entre duas quantidades de diferentes grandezas, p.ex.: distância/tempo, e, para Schwartz (1988), rate é uma quantidade intensiva, que se expressa como a razão entre uma quantidade e uma unidade de outra quantidade, p.ex., 90Km/h. Estas duas versões só diferem quando Schwartz considera que a razão entre duas quantidades da mesma espécie também é uma quantidade intensiva.

multiplicado pelo número de grupos (multiplicador) para se obter o total de bolos (produto). Esta diferença entre multiplicando e multiplicador traduz-se numa assimetria cuja consequência, devido à propriedade comutativa da multiplicação, é a existência de dois tipos de divisão: i) partilha, onde, sabendo o produto (número de bolos), o divisor é o multiplicador (número de crianças) e o quociente é o multiplicando (número de bolos por criança) e ii) medida, onde o divisor é o multiplicando (número de bolos por criança) e o quociente é o multiplicador (número de crianças). A divisão de partilha corresponde a uma distribuição equitativa de objetos por um número de grupos – divisão pelo multiplicador –, e a divisão de medida procura determinar o número de grupos de n objetos por grupo que existe no número total de objetos da mesma espécie – divisão pelo multiplicando.

Quando tal assimetria não acontece, isto é, quando se verifica que não faz sentido distinguir multiplicando de multiplicador, existe apenas um tipo de divisão. É o que caracteriza as situações de Produto cartesiano, Área retangular ou Produto de medidas. Um exemplo pode ser o problema em que se procura saber o número de pares de dançarinos (rapaz-rapariga) a partir de um número de rapazes e de um número de raparigas. O produto é o número de pares ordenados formados pela combinação de um elemento de um conjunto (rapazes) com um elemento de outro conjunto (raparigas). Consequentemente, na divisão, sabendo o número de pares, procurar saber o número de raparigas a partir de um dado número de rapazes, ou vice-versa, não se traduz numa diferença entre multiplicador e multiplicando. O mesmo acontece quando a situação envolve a área de um retângulo, ou outro produto de medidas. Por exemplo, sabendo que a área de um retângulo é 12m2, tendo como

comprimento e largura 4m e 3m, respetivamente, a divisão que permite saber a medida do comprimento a partir da área e da medida da largura, não se distingue da divisão que procura determinar a largura sabendo a área e o comprimento.

Brian Greer (1992) não encerra a classificação que faz das situações, afirmando que não é exaustiva uma vez que outras classes de situações surgem quando se consideram, por exemplo, outros conjuntos numéricos. Sublinha também que a interpretação de uma situação depende do modo como os alunos a concebem pois, diz, uma situação que envolve o Produto cartesiano pode ser transposta para uma situação de Grupos iguais. Reconhece que uma pequena alteração no enunciado verbal pode conduzir a uma categorização diferente da situação. Dá como exemplo o problema já acima referido “3 crianças têm 4 bolos cada uma. Quantos bolos têm ao todo?” que enquadra na classe Grupos iguais, mas, se a formulação for “Se houver 4 bolos por criança, quantos bolos têm 3 crianças?”, o problema é enquadrado na classe Rate. Repare-se que a única diferença é o modo como se expressa a quantidade intensiva referente ao número de bolos que cada criança possui. No primeiro caso a expressão é “4 bolos cada uma”, e no segundo caso a expressão é “4 bolos por criança”.

Tabela 3: Classes de situações modeladas pela multiplicação e divisão (adaptado de Greer, 1992) Classes de situações Multiplicação Divisão de partilha

(Divisão pelo multiplicador)

Divisão de medida

(divisão pelo multiplicando)

Divisão, operação inversa da multiplicação

Grupos iguais As folhas de cartolina colorida são vendidas em pacotes de 5. Quantas folhas de cartolina têm quatro pacotes?

Distribuí 20 cartolinas por 4 pacotes. Quantas cartolinas tem cada pacote?

Distribuí 20 cartolinas por pacotes com 5 cartolinas cada um. De quantos pacotes precisei?

Medidas iguais (Rate – preço por unidade)

Quanto pagarei se comprar 4 livros iguais a 10,7€ por livro?

Paguei 42,8€ pela compra de 4 livros iguais. Qual o preço de cada livro?

Paguei 42,8€ pela compra de livros a 10,7€ cada. Quantos livros comprei?

Disposição retangular

Se numa sala há 12 filas de cadeias com 8 cadeiras cada fila, quantas cadeiras há ao todo?

Se há 96 cadeiras numa sala, dispostas em 12 filas, quantas cadeiras tem cada fila?

Se há 96 cadeias dispostas em filas com 8 cadeiras cada uma, quantas são as filas?

Comparação multiplicativa (multiplicação por um escalar)

O João tem triplo do dinheiro do António. Se o António tem 25€ quanto tem o João?

Se o João tem 75€ que é o triplo do dinheiro do António, quanto tem o António?

O João tem 75€ e o António tem 25€, quantas vezes mais dinheiro tem o João em relação ao António.

Área (produto de medidas)

Um retângulo tem 5,4cm de comprimento e 3,2cm de largura. Qual a área do retângulo?

Um retângulo tem de área

17,28cm2. Se o comprimento mede

5,4cm, quanto mede a largura? Produto cartesiano

(formação de todos os pares possíveis)

Tenho 4 camisolas e 5 saias. Quantas maneiras de vestir diferentes é possível fazer?

Faço 20 maneiras de vestir diferentes usando camisolas e saias. Se tiver 5 saias quantas são as camisolas?

Para a categorização proposta por Greer (1992), são também importantes as representações. Uma dada situação pode ser representada de diferentes formas, plasmando diferentes conceções, mas, para além de nem sempre ser possível representar convenientemente algumas quantidades (p. ex.: Km/h)10, também nem sempre uma representação (gráfica, estática por natureza) consegue mostrar

adequadamente a natureza dinâmica que a pode caracterizar.

A Tabela 3 (na pág. 47) apresenta uma classificação das situações que é inspirada na apresentada por Greer (1992). É preciso chamar a atenção para a diferença entre esta tabela e a original. A classe Rate foi agregada a Medidas iguais e a classe Mudança multiplicativa foi agregada à Comparação multiplicativa. Decidiu-se ainda não incluir nesta tabela as classes “Conversão de medidas”, “Parte/todo”. Na tabela apresentada por Greer (1992), as situações enquadradas pelas classes Comparação multiplicativa, Mudança multiplicativa, Conversão de medidas e Parte-todo são diferentes em termos de contexto, mas as grandezas que são comparadas, transformadas ou convertidas são da mesma natureza. Consideraram-se quatro tipos de operações: multiplicação, divisão de partilha, divisão de medida e divisão enquanto operação inversa da multiplicação. Esta última por se ter em conta as situações de divisão em que não se distingue multiplicando de multiplicador. Outra alteração foi integrar as situações da classe Rate nas situações de Medidas iguais, dando como exemplos situações de preço por unidade.

De acordo com Greer (1992), basta alterar o modo como se enuncia o multiplicando, passando de “5 crianças têm cada uma 2,5€…, para “em 5 crianças há 2,5€ por criança”, que a situação passa a incluir-se na classe Rate. Uma outra alteração ao quadro apresentado por Greer (1992) foi a criação de uma nova categoria, Disposição retangular, para se distinguir as situações de Área retangular, que envolvem grandezas contínuas (ou melhor, números racionais não inteiros), das que envolvem grandezas discretas, por exemplo, o cálculo de cadeiras dispostas retangularmente em filas e colunas.

10 À semelhança do que diz Schwartz (1988) a propósito da dificuldade de representação da multiplicação enquanto adição repetida quando estão envolvidas grandezas contínuas.

No documento Pedro da Cruz Almeida (páginas 65-69)