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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

CAPÍTULO 4 PLANO DE PESQUISA

4.2 A opção pela abordagem longitudinal qualitativa

A natureza complexa e dinâmica do fenômeno estudado, além da necessidade de coletar dados em um intervalo de tempo que nos permitisse verificar elementos que foram conservados e alterados ao longo do processo de construção dos projetos de vida, ditou a opção pela abordagem longitudinal qualitativa.

Uma pesquisa longitudinal é aquela na qual uma unidade amostral é submetida à coleta de dados mais de uma vez, o que permite um estudo mais abrangente – na medida em que gera uma ampla gama de resultados – e mais profundo – na medida em que possibilita compreender o fenômeno em seu processo e não apenas seus resultados (CASAER; MAGNUSSON, 1993).

Considerando nosso interesse em investigar os processos de conservação e mudança dos projetos de vida ao longo do tempo e as influências de uma intervenção pedagógica nessa construção, evidentemente a abordagem longitudinal prospectiva se tornou a via possível para que nossa coleta nos permitisse verificar os pensamentos dos jovens antes e depois da intervenção, sem dispensar, é claro, o que ocorre com os projetos nesse intervalo de tempo.

O principal desafio de tal abordagem repousa na permanência dos participantes na pesquisa (PERACCHI; WELCH, 1995), o que acarreta em perda de unidades amostrais, que ocorre em função de um atrito, sendo esse compreendido como evento que reduz o tamanho da amostra, podendo ou não causar enviezamento da análise (RIBAS; SOARES, 2010).

Os principais atritos aos quais nossa pesquisa encontrou-se vulnerável foram: a recusa em participar da pesquisa; a perda de interesse dos participantes em prosseguirem na pesquisa, após terem respondido repetidas vezes as questões de um mesmo instrumento; casos de ausência de participantes nos dias de coleta de dados; ou ainda, casos de alunos que foram

retidos ao final do ano escolar e que, portanto, deixaram de ser submetidos à intervenção pedagógica. A fim de manter o rigor de nossa investigação, todos os casos de atrito foram automaticamente excluídos da amostra, por inviabilizarem a análise do processo de construção do projeto de vida ao longo de todas as etapas pretendidas.

Peracchi e Welch (1995) consideram que o enviezamento da análise em decorrência de atritos ocorre apenas quando esses não são aleatórios. Sobre isso, Fitzgerald, Gottschalk e Moffitt (1998) afirmam que, se os eventos ocorrem de forma aleatória e sem nenhuma correlação com variáveis observadas ou não observadas, o atrito é um problema apenas na medida em que reduz o tamanho da amostra. Caso contrário, se o atrito é baseado em fatores que são sistematicamente relacionados às respostas dos participantes, um problema de seleção amostral poderá ocorrer, tornando a análise enviesada.

Nesse sentido, o único atrito não aleatório de nosso estudo é a retenção dos alunos, que provoca a exclusão de um determinado grupo de participantes, que torna-se sub- representado na amostra. Considerando que não temos recursos para criar o mesmo cenário de intervenção para os alunos retidos, não será possível fazer a correção de tal enviesamento. Contudo, anunciamos nossa pretensão em realizar, futuramente, uma investigação sobre o impacto da retenção escolar na construção dos projetos de vida dos estudantes. Desse modo, será possível estabelecer comparações entre os projetos de alunos retidos e não retidos.

Ainda que os estudos longitudinais sejam feitos, tradicionalmente, na perspectiva quantitativa (RUTTER, 1988), a abordagem qualitativa é a que nos confere subsídios para as análises que intentamos empreender, tendo em vista que temos a necessidade de fazer uma descrição da complexidade de um processo dinâmico, além de compreendê-lo, classificá-lo, e apresentar contribuições sobre o processo de mudança do grupo, permitindo que as particularidades dos participantes sejam contempladas na análise.

Dentre as características da abordagem qualitativa, destacamos pelo menos quatro que são de absoluta relevância em nosso estudo:

1. A coleta de dados é realizada no ambiente natural dos participantes, de modo que o pesquisador se introduz no campo e despende grandes quantidades de tempo na coleta. Esse procedimento é necessário para que se possa apreender as particularidades de cada contexto estudado, assim como a história e as características das instituições envolvidas, que podem influenciar a percepção que seus membros têm do mundo (BOGDAN; BIKLEN, 1994; VALLES, 2003).

2. Os dados coletados são descritivos, de modo que a apresentação dos resultados da investigação é minuciosa, contendo citações da fala, da escrita ou da observação dos participantes, com a finalidade de ilustrar e substanciar a apresentação. Para tanto, o pesquisador deve preservar, tanto quanto possível, a integridade da forma como os dados foram registrados (BOGDAN; BIKLEN, 1994).

3. O investigador preocupa-se em compreender os participantes dentro do marco de referência deles mesmos, de modo que há ênfase no sentido que os participantes conferem à experiência e, portanto, no caráter subjetivo dos fenômenos. Por essa razão, é uma pesquisa que visa o “deciframento do outro” (ERICKSON, 1989; MARINAS; SANTAMARINA, 1993).

4. Uso do enfoque indutivo na análise dos dados. O objetivo não é confirmar hipóteses construídas previamente, pelo contrário, as inferências são construídas à medida em que os dados são coletados e analisados (ERICKSON, 1989; BOGDAN; BIKLEN, 1994; VALLES, 2003).

Tendo anunciado desde o início deste trabalho que nossa investigação se situa nos

aspectos concernentes ao funcionamento psíquico humano, afirmamos nosso desejo em nos enveredar de modo pormenorizado na dinâmica do funcionamento psicológico dos sujeitos. Por essa razão, adotamos como perspectiva teórico-metodológica a Teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento (MORENO et al., 1999), acreditando ser ela capaz de abarcar o funcionamento psíquico dos jovens, proporcionando uma análise refinada de suas representações mentais e de como elaboram suas compreensões sobre a realidade que os cerca.

Assim, como explorado pelas autoras de tal teoria, afirmamos que nosso intuito não é demonstrar o grau de “verdade” da teoria, e sim seu nível de adequação à experiência observada e sua utilidade para conquistar nossos objetivos. Dito isso, consideramos a Teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento absolutamente profícua para compreender os fenômenos que aqui desejamos elucidar e mais adiante apresentaremos os procedimentos de análise que dela derivam.