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Capítulo 4 – Metodologia do estudo

4.2.2. A opção pela metodologia qualitativa

na prática educativa. Ela deve-se ao aparecimento e desenvolvimento das ciências da educação que, privilegiando a inter / transdisciplinaridade, procuram dar resposta aos problemas cada vez mais complexos com que as sociedades modernas se defrontam no campo de ensino e das aprendizagens.

Percebida a educação como um todo colocamos a tónica na comunicação de sala de aula, isto é na interacção verbal no contexto de sala de aula, bem como na interacção mediada pela produção escrita do aluno. Focalizamos a língua enquanto veículo de transmissão de conteúdos e enquanto conteúdo e, assim, tentaremos conhecer as atitudes e representações dos professores sobre a situação linguística de Cabo Verde, incidindo sobre o contexto educativo.

Na verdade, só poderemos construir propostas e hipóteses pedagógico-didácticas, se tentarmos compreender o processo de ensino/aprendizagem em todas as suas valências. Por isso, face à complexidade desse processo, posicionamo-nos numa perspectiva holística e sócio-construtivista, pois pensamos que o processo de ensino/aprendizagem é o resultado da interacção de múltiplas realidades, veiculadas através da língua e sobre a língua quando se trabalha pedagogicamente as línguas.

4.2.2. A opção pela metodologia qualitativa

Como metodologia utilizaremos a metodologia qualitativa de investigação e tentaremos guiar a nossa investigação seguindo os quatro pólos metodológicos propostos por P. de Bruyne, J. Herman e M. de Schoutheete (1975): pólo epistemológico, pólo morfológico, pólo técnico e pólo teórico.

A expressão, metodologias qualitativas abarca um conjunto de abordagens que recebem diferentes denominações. Situamo-nos do ponto de vista epistemológico no paradigma do continuum, defendendo que existe um continuum entre o qualitativo e o quantitativo, pois, acreditamos, assim como Erickson citado por Albarello et al (1997), que dentro da abordagem qualitativa poderão ocorrer determinadas quantificações. Em vez de abordagem qualitativa, Erickson utiliza a expressão investigação interpretativa para realçar

que a família das abordagens assim designadas partilham um interesse fulcral pelo significado conferido pelos actores às acções nas quais se empenham.

Erickson (1986:119) engloba na expressão investigação interpretativa, um conjunto de abordagens diversas: observação participante, etnografia, estudo de casos, interaccionismo simbólico, fenomenologia ou muito simplesmente, abordagem qualitativa. Conscientes de que uma técnica de pesquisa não pode constituir um método de investigação, optamos por um abordagem de investigação em educação - a abordagem interpretativa -, defendendo a possibilidade de combinação entre esta e as abordagens positivistas/behaviorista numa mesma investigação, portanto somos defensores da tese de continuum metodológico entre qualitativo e quantitativo, tomando em linha de conta os contextos do objecto e a dimensão interpretativa. Na mesma linha de ideias, Miles e Humberman (1984:21) afirmam que as duas abordagens de investigação representam um continuum epistemológico e não uma dicotomia.

No paradigma interpretativo o objecto de análise é formulado em termos de acção e abrange o comportamento físico e o significado que lhe atribuem o actor e aqueles que com ele interagem, (cf. Erickson, 1986:127). A investigação interpretativa baseia-se num postulado dualista, dando valor aos comportamentos observáveis conquanto relacionados com significados criados e modificáveis pelo espírito. Na investigação em educação, os postulados do paradigma interpretativo traduzem-se por problemáticas fundamentalmente diferentes daquelas que são formuladas no âmbito do paradigma positivista, (Erickson 1986:127). Daí que faça todo o sentido questionar, por exemplo, quais os significados que os professores poderão criar a volta da situação de contacto de línguas no nosso contexto e à volta de fenómenos que advêm desse contacto, como é o caso do fenómeno de transferência e até que ponto estes significados influenciam a forma eles organizam o processo de ensino/aprendizagem do PL2, no nosso contexto. A investigação incidirá, então, sobre o modo como se desenvolvem e se mantêm estes sistemas de significados. A criação de significados remete para uma dimensão social fundamental que corresponde, em investigação, a uma tomada em conta da relação entre as perspectivas dos actores e as condições de acção na qual se encontram implicadas (cf. Erickson 1986:127). Erickson convida também os investigadores a estudar os significados produzidos pelos actores colocando-os em relação com dois níveis do contexto social de produção: o nível imediato e o nível afastado. Optaremos pelo nível afastado, pois consideramos que os significados

possuem uma história, isto é, podem estar ligados, na origem, a uma cultura mais vasta do que aquela do meio imediato; esta cultura é definida, em termos cognitivos, como uma aprendizagem de normas que guiam as percepções, as convicções, as acções e a avaliação das acções dos outros. Os significados que os sujeitos criam podem igualmente, ser influenciados pela sua percepção das vantagens ou dos obstáculos ligados a um contexto social mais vasto do que o das suas relações imediatas com outros actores do mesmo grupo. Erickson (1986:120) identifica três principais campos de interesse, pertinentes em relação à investigação interpretativa no campo da educação:

1. A natureza da sala de aula como meio social e culturalmente organizado para a aprendizagem;

2. A natureza do ensino como um, mas somente um, aspecto do meio de aprendizagem;

3. A natureza (e o conteúdo) das perspectivas e significados do docente e do discente como componentes intrínsecos do processo educativo. Pensamos ser neste campo de interesse onde se situa a nossa pesquisa, pois, segundo Erickson op cit, este centro de interesse pode preencher a necessidade de compreender situações particulares por meio de uma documentação baseada em pormenores concretos da prática e a necessidade de ter em consideração os significados que os acontecimentos adquirem para as pessoas de um dado meio. Especificando, no nosso caso, é de se ter em consideração o significado que os professores atribuem ao fenómeno de transferência linguístico-comunicativa e o como esse significado condiciona ou justifica a prática pedagógica do professor.

A investigação interpretativa expõe a organização particular do ensino e da aprendizagem numa sala de aula e, simultaneamente, a realidade das pressões externas que se exercem sobre essa organização. Os dois níveis da organização devem estar teórica e empiricamente imbricados (Erickson 198: 138)

O grupo Classe é um universo social fundamentalmente diferente do universo estável, imutável e unidimensional postulado pelo positivismo sobre o ensino (…) o grupo classe deverá ser representado como um jogo de xadrez a várias dimensões, um jogo que, de um momento para outro, se enche de paradoxo e de contradições. É preciso encarar a classe e o ensino como um jogo de vida real, (Erickson 1986: 133).

A necessidade de se estudar o fenómeno de transferência a partir das atitudes e representações dos professores prende-se com a convicção que temos de que, assim como

afirma Léon Bernier (1987:14), a melhor forma de basear o conhecimento das realidades sociais seria a de partir dos saberes do senso comum que todos os indivíduos possuem relativamente à sua própria realidade, à sua própria história e ao seu próprio local de inserção no campo social. Assim, fomos à escola ouvir e ver a prática dos professores, pois, a investigação qualitativa apela para a proximidade entre o investigador e os participantes, centrada na construção de sentido. Esta proximidade manifesta-se tanto no plano físico (o terreno) como no sentido simbólico (a linguagem), (Jerome Kirk e Marc Miller, 1986). Nesta sequência, Gauthier observa que a tradição da investigação qualitativa, consiste essencialmente em estudar e em interagir com as pessoas no seu terreno, através da sua linguagem sem implicar um distanciamento que levaria ao emprego de formas simbólicas estranhas ao seu meio (1987: 32).

Em educação, a investigação qualitativa pretende descobrir e interpretar fenómenos educativos, como parte de fenómenos sociais, estudando os significados e as interacções das acções humanas a partir da perspectiva dos interessados. Assim usaremos as palavras, as acções e os documentos orais e escritos para estudar o fenómeno em estudo, tal como é concebido pelos sujeitos Carrasco e Hernandes, (2007:94), citando Maycut e Marehouse 1994). A investigação qualitativa pretende penetrar no interior das pessoas e tentar entender o seu íntimo, realizando uma espécie de imersão na situação e no fenómeno em estudo. Trata-se de entender o outro, colocando-se no seu lugar em vez de registar e analisar do ponto de vista externo, pois, esta metodologia consiste em penetrar no mundo pessoal dos sujeitos para tentar descobrir como interpretam as situações, o que estas significam para eles, que intenções têm, quais são as suas crenças, motivações, expectativas. Na metodologia qualitativa importa a descrição e a compreensão do que é único e particular e que pode ser estudado de uma forma holística, tomando o objecto como uma unidade, (Carrasco e Hernandes, 2007: 94). Assim, a investigação qualitativa é caracterizada por ser: indutiva, holística, ideografia, descritiva, realista, humanista, interactiva, rigorosa e genuína.

Actualmente, as interpretações pessoais dos fenómenos, «as suas representações, a natureza interactiva da sua construção e a necessidade de se colocar na perspectiva do outro» voltam a constituir «condição prévia ao conhecimento e à explicação do seu comportamento» (Almeida e Freire, 2003: 101). Os fenómenos linguísticos que ocorrem na escola, contexto de contacto de línguas, são de interpretação subjectiva constituída por

múltiplas realidades construídas a partir das representações e interacções pessoais dos sujeitos. Temos consciência que os dados recolhidos não reflectem a realidade “objectiva”, mas sim o modo como ela é percebida e vivida por cada sujeito. Sabemos também que as escolas são totalidades complexas que não podem ser objecto de uma visão parcelar e analítica (Canário, 1992: 173). Através da interrelação do investigador com os sujeitos de estudo, pretendemos compreender como se dá o processo de transferência linguístico- comunicativa, como reage o professor face a este fenómeno, que tratamento pedagógico o professor dispensa ao fenómeno no 8º ano de escolaridade do ensino secundário. Para isso, partimos da perspectiva dos sujeitos – professores – procurando captar as suas representações e o significado das suas acções pedagógicas, os motivos e as crenças que as norteiam (Diogo, 1998). Dado que «compreender é encontrar o significado dos dados em relação à sua posição no campo situacional total» (Diogo, 1998: 92), não podemos considerar o indivíduo isoladamente, mas sim em contexto: os significados são construídos pelos actores e, ao mesmo tempo, sujeitos a contínuos processos de renegociação e revisão. Ou seja, procuramos estudar a realidade sem a fragmentar nem a descontextualizar, partindo sobretudo dos próprios dados para os compreender ou explicar (Almeida e Freire, 2003).

A investigação qualitativa é reconhecida como uma das principais tendências da investigação actual em educação. Destaca-se, como primeiro traço distintivo, o papel preponderante desempenhado pelo investigador no contexto da investigação. O facto de este se movimentar nesse espaço para melhor compreender o que se propõe estudar, implica que deve realizar um esforço adicional para não interferir na situação em estudo e adoptar uma posição descritivo-interpretativa (Bogdan & Biklen, 1994).

Por isso torna-se necessário considerar não só a subjectividade dos sujeitos em análise, mas também da investigadora que procederá a um relato crítico e reflexivo do que observou, partindo do seu conhecimento teórico. Assim a análise dos dados se apresentará apenas como uma das múltiplas leituras que é fruto da subjectividade do próprio investigador, não obstante basear-se no quadro teórico de referência.

Consideramos, pois, que para além da necessidade de recolher o maior número de dados possível através do recurso a diferentes métodos e instrumentos de recolha, se torna imprescindível, ao rigor científico deste tipo de investigação, um quadro teórico bem definido de onde podem surgir os fundamentos para uma análise rigorosa dos dados.

Os autores acima citados apontam, também, a especificidade dos dados recolhidos que são apresentados de forma descritiva e não reduzidos a símbolos numéricos e o facto das investigações qualitativas se focalizarem mais no processo do que propriamente no produto.

Como quarta característica deste tipo de investigação, os autores conferem-lhe um carácter aberto na medida em que se pretende construir conhecimento e não confirmar hipóteses. Finalmente, apontam como principal finalidade desta metodologia a tentativa de descobrir os significados que os sujeitos atribuem às suas acções.

4.2.3. O método de estudo de caso

Uma vez que se trata de um estudo baseado em atitudes e representações dos professore procuramos escolher um método que nos permitisse, no tempo que tínhamos disponível, compreender melhor o fenómeno em estudo. Moscovici (1984) defende que no estudo das representações sociais o importante é isolá-las e descrevê-las e que para as investigar é necessário comparar diferentes grupos e recorrer a diferentes métodos de observação, para as podermos descrever, perceber a sua estrutura e a sua evolução. Assim as representações sociais têm sido estudadas através de uma grande variedade metodológica (Vala, 1993), o que leva alguns investigadores a defenderem a adopção de uma metodologia própria (Herzlich, 1972), enquanto outros advogam que a diversidade de métodos enriquece a teoria (Maya, 2002).

Utilizamos o estudo de caso como método de investigação já que este tem por objectivo analisar uma situação concreta, real e complexa (como a realidade do contexto educativo), ao longo de um determinado período de tempo, na qual «se ensaia uma ginástica subtil que permite, não só “ver” o jogo das inter-relações, como de as descrever, formular e compreender» (Diogo, 1998: 95). O estudo de caso não permite estabelecer “verdades gerais” sobre determinadas formas de interacção social. Tenta estudar um determinado caso muito específico e, eventualmente, poder-se-á, com base nesse estudo, levantar algumas pistas para estudos mais vastos ou novas aplicações do estudo inicial. De acordo com Yin, o Estudo de Caso é «um método de investigação que permite um estudo holístico e significativo de um fenómeno contemporâneo no seio de um contexto real,