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Atitudes e representações em didáctica de línguas

Capítulo 3 – Atitudes e representações dos professores face aos processos de

3.3.3. A relação entre atitudes e representação

3.3.3.2. Atitudes e representações em didáctica de línguas

Os conceitos de atitude e representação são considerados como fundamentais para a compreensão de fenómenos a analisar no quadro da didáctica de línguas, pois, segundo Michel Develay: “Le concept de représentation a été capté par la didactique. Le propos de celle-ci est de montrer qu’il favorise une approche nouvelle de l’apprentissage susceptible d’expliquer la manière dont nous construisons le réel (…) comprendre les représentations de l’élève, c’est comprendre son rapport au monde” (1992: 78).

Porém o conceito continua a não merecer consenso dos investigadores. Por isso muito trabalho tem sido desenvolvido à volta do conceito, dando origem a muitas publicações. Por exemplo: o n.º 2 da colecção NeQ (Notions en questions - Rencontres en didactique des langues), publicado na sequência de um encontro que teve lugar na École Normale Supérieure de Fontenay/Saint-Cloud em 1997, co-organizado por Geneviève Zarate e Michel Candelier, cujo propósito foi: “Mettre en questions un relatif consensus établi autour d’un concept circulant en didactique des langues, retrouver les fondements génétiques, les origines de ce concept et dessiner la cartographie de sa circulation dans cet espace disciplinaire” (Zarate, 1997: 5). A mesma preocupação está por detrás de um colóquio realizado em Neuchâtel, em 1996, organizado pelo Institut de Recherche et de Documentation Pédagogique e pelo Centre de Linguistique Appliquée da Universidade de Neuchâtel, que culminou na publicação da obra Les langues et leurs images (Matthey, 1997a), cujo principal objectivo foi abordar o tema das imagens de diferentes pontos de vista, cruzando campos disciplinares diferenciados (Pinto 2005). Esta falta de consenso está espelhada na existência de uma grande sinonímia à volta do conceito que se consubstancia em termos como representações linguísticas, imagens das línguas ou imaginário linguístico. Os estudos no campo da didáctica, muitas vezes, nos apresentam estes termos utilizados de forma indiscriminada em DL. Moore (2001) reconhece que a noção de representação é hoje largamente usado na didáctica. Como refere Zarate, “ La notion de représentation amène donc à interroger la relation entre ce qui est donné et ce qui est perçu, entre le vrai et le faux-semblant. Il n’est pas étonnant que cette notion se vulgarise à travers les métaphores du reflet, de l’image, du miroir…” (1997: 7 )

O Dictionnaire de didactique du français (2003) emite uma única definição para os termos representação e imagem, pois quando consultamos o significado do conceito imagem somos remetidos para o de representação cuja definição apresentada é a seguinte:

Il s’agit d’une notion transversale que l’on retrouve dans plusieurs domaines au sein des sciences de l’homme et de la société et qui a acquis, aussi bien en sociolinguistique qu’en didactique des langues-cultures, une position théorique de premier plan” (2003: 214).

O dicionário destaca a importância do conceito , defendendo que “(…)représentations de la langue elle-même et de cet enseignement-apprentissage qu’ont

les parents, les apprenants, les enseignants, les décideurs concernés, etc, et qui pèsent lourdement sur sa mise en œuvre et son déroulement mêmes” (Cuq. 2003.: 215).

A didáctica enquanto disciplina transversal e relativamente nova empresta vários conceitos às outras disciplinas na definição do seu quadro conceptual de referência. Assim Tavares defende que

A Didáctica interroga as outras disciplinas, não aplica os saberes das outras disciplinas, não “transpõe” conteúdos de outras disciplinas. Estas contribuem evidentemente para a Didáctica, mas a Didáctica constrói-se numa relação de colaboração e não de aplicação”( 2000, in por Pinto 2005:35).

De qualquer forma, ao longo do seu percurso, a Didáctica das Línguas foi estabelecendo um conjunto de conceitos sobre os quais foi elaborando as suas teorizações. Silva (2002) considera o conceito de representações como um “archeoconcept” da DL e conclui que:

…la didactique des langues-cultures dispose pour l’heure de trois catégories de termes simples pour la mise en mots de ses construits conceptuels, à savoir une catégorie de termes – encore que réduite – dont la charge notionnelle est tributaire de la spécificité du domaine, une catégorie de termes qui – quoique en usage dans le domaine – relève de spécificités extra disciplinaires et une catégorie de termes qui, de par son manque de précision notionnelle, flotte entre les deux catégories terminologiques précédentes” (2002: 225).

O conceito de representação tem sido alvo de muitos estudos, pois vários investigadores pretendem compreender a importância do conceito para o ensino/aprendizagem. Por exemplo, Zarate mostra de que forma a noção de representação relaciona as ciências sociais e a DL. Para a autora, as representações sociais “ne sont pas une collection de subjectivités distinctes, mais au contraire le produit d'un travail social collectif, à travers lequel les agents sociaux construisent leurs modes de connaissance de la réalité e “constituent un mode à part entière de connaissance de la réalité” (1993: 29). Castellotti, Coste & Moore (2001) também enfatizam este carácter de construção social das representações, definindo-as como processos dinâmicos, evolutivos, criados por

indivíduos e grupos, de acordo com aspectos como as experiências vividas, contactos interculturais experienciados, forma como se dá ou se deu a aprendizagem.

Os autores consideram ainda que as representações “sont des objets de discours qui se construisent dans l'interaction, grâce au langage et à la médiation d'autres, observables au moyen de traces discursives” (2001: 103). É, então, no interior da interacção que se desenvolvem, negoceiam e se testam os saberes linguísticos e extra-linguísticos e que emergem os traços discursivos das representações. Estudar as representações que os actores sociais têm da pluralidade das línguas, das relações entre elas, da sua aprendizagem e utilização apresenta a particularidade de que é através da língua que tais representações se tornam objectos de discurso e se exprimem, se dissimulam, se constroem ou se transformam. Para além de se construírem na interacção, acredita-se que são utensílios semióticos que aí se podem transformar e por aí são transmitidos (cf. De Pietro & Müller, 1997; Berthoud, 2001; Cavalli et al, 2001; Vasseur, 2001). Fazem parte da língua como uma forma de organizar e categorizar o mundo e são actualizadas através do discurso; estão inseridas nas construções sintagmáticas e entram em códigos sintagmáticos novos, influenciados pelo contexto, pela configuração situacional e conversacional.

Daniel Coste (2001) fala-nos em auto e hétero-representações, defendendo que toda a língua dá lugar a uma auto-representação por parte dos seus locutores que têm opiniões acerca dela, constroem imagens, categorizam-na, qualificam-na. Mas dá, também, lugar a hetero-representações. Estas são representações sociais incorporadas pelos actores sociais, sujeitas a variações individuais. Qualquer auto ou hetero-representação de uma língua está, de qualquer forma, associada às representações acerca dos seus locutores, país ou região onde se fala, dos modos de vida, das realizações científicas e técnicas, da actividade económica, dos sistemas políticos, das religiões e ideologias.

Numa sociedade existem representações partilhadas dos outros e das suas línguas que podem ter efeitos significativos nas atitudes para com essas línguas e no interesse/motivação dos aprendentes, (cf. Castellotti & Moore, 2002). Também Coste (2001) fala do papel das imagens na motivação para a aprendizagem, afirmando que a aprendizagem das LE e a motivação dos aprendentes são, de uma forma ou de outra, influenciadas pelas representações que se tem das aprendizagens, do país, do povo, do estatuto das línguas) que têm uma funcionalidade pragmática e influenciam a percepção, a acção e a relação intercultural.

Também Dabène (1997) recorda que os discursos políticos, económinos e sociais são determinantes na formação de representações linguísticas, pois, através deles se divulga o estatuto e as funções das línguas e são estes que no fundo influem nas escolhas dos aprendentes e nas representações destes sobre as línguas. Segundo a autora, a escolha de aprendizagem de determinada língua faz-se de acordo com alguns critérios, a saber: económico, pois uma das primeiras razões de valorização de uma língua está ligado ao acesso que ela oferece ao mundo de trabalho; social, pois, uma língua é apreciada em função do nível social dos seus locutores e, por consequência, das possibilidades de promoção, de ascensão social que ela parece abrir àqueles que a aprendem; cultural, pois, cada língua tem um certo indice de prestígio que é fruto da riqueza cultural, exprime-se através da literatura e de outras formas artisticas; epistémico, pois, uma língua é também objecto de aprendizagem e comporta um certo valor educativo. Este valor é apreciado em função das exigências cognitivas relacionadas com a sua aprendizagem. Por fim, o critério afectivo já que relacionados com certas línguas estão pré-julgamentos favoráveis ou desfavoráveis relacionados com a sua história, a sua emergência na cena internacional e as relações harmoniosas ou conflituosas entre os países onde se falam. Todos estes critérios influenciarão as imagens que os indivíduos (re)constroem acerca das línguas. Ainda assim, o estatuto informal das línguas, presente nos critérios apontados, não corresponde forçosamente às realidades objectivas: é o caso, por exemplo, da concepção que se tem da dificuldade ou facilidade de uma língua; tal como é frisado por Dabène (1997), sabemos bem que as línguas consideradas fáceis são-no apenas aparentemente, mas que não é inútil apoiarmo-nos nesta ideia.

Para além de influenciar a escolha das LE a aprender, estas representações têm um efeito directo nas tentativas e atitudes dos aprendentes e, por consequência, nas suas estratégias de aprendizagem. Em função da imagem epistémica da língua-objecto, o aprendente levará a cabo mais ou menos esforços e interesse na sua aquisição.

Tendo em conta estas funcionalidades, a DL preocupa-se em compreender a forma como se (re)constroem as representações e os factores concorrem para a sua variação. Se tivermos em conta o que é referido por Coste (2001), as representações variam quanto aos contextos onde se inserem os sujeitos, quanto aos tipos de contacto e às fontes das representações. Isto significa que as representações das línguas, das culturas e das pessoas têm também a ver com os modos de contacto entre os grupos sociais, regionais e nacionais

em questão. Para além disso, o autor refere ainda que as representações também variam quanto à homogeneidade/heterogeneidade e variação/constância. Uma língua pode, num determinado momento e lugar, ter representações que podem ser sensivelmente diferentes daquelas que terá num outro lugar e num outro momento. Para além disso, cada língua é indirectamente portadora de múltiplas representações o que faz com que seja raro que os estereótipos relacionados com ela sejam convergentes e conduzam a uma leitura uniforme. A multiplicidade de representações de uma língua é, portanto, variável.

Sintetizando, podemos observar que quer o ensino quer a aprendizagem de línguas estão profundamente influenciadas pelas representações que alunos e professores têm acerca das mesmas, do seu estatuto, das suas funções na sociedade, da sua história e das suas potencialidades comunicativas. Relativamente aos alunos não é muito difícil constatar que o professor enquanto modelo influencia profundamente as representações que vão formando sobre as línguas com que vão contactando. Acreditamos também que as representações dos professores dos alunos sobre as línguas e os fenómenos linguísticos determinam as atitudes que estes terão face as mesmas e condicionam o próprio processo de ensino/aprendizagem, pois mexem com a motivação, o interesse e a predisposição para as aprender e as utilizar (cf. Dabène, 1994). A língua constitui um conjunto de competências socialmente visíveis, o que permite a todos os indivíduos terem uma ideia acerca do que representa a sua aprendizagem.

Os conceitos de atitude e representações focalizadas no âmbito da DL, no contexto educativo de línguas em contacto, a relação dos sujeitos (professor/aluno) com estas línguas e as respectivas culturas e também com questões que se prendem com a formação da sua identidade linguística. A compreensão deste conceitos contribui para melhor compreender o quotidiano da escola, uma vez que põe em evidência a complexidade das relações sociais e está presente na concepção dos dispositivos de ensino e de aprendizagem. Daí a importância que adquire a sua diagnose e compreensão. É neste sentido que Zarate (1993) chama a atenção para o facto de que temos que ter em conta que as representações que os alunos já têm no início da aprendizagem de determinada língua constituem um ponto de partida, pelo que o professor deverá procurar conhece-las. Depois desta diagnose, é necessária uma reflexão que nos permita compreender a forma como elas foram construídas e interiorizadas. Esta etapa implica um retorno às experiências

individuais e uma reflexão colectiva acerca dos mecanismos de imposição das representações dominantes (cf. Pinto 2005).

De facto, os trabalhos em representações sociais, representações linguísticas/sociolinguísticas e representações das línguas e sua aprendizagem estabelecem, na maioria das vezes, relações de permeabilidade uns com os outros (cf. Matthey, 1997b). Este facto deve-se, em parte, às diferentes origens disciplinares dos investigadores. Consideramos que a intersecção de diferentes campos disciplinares no estudo das representações é positiva, na medida em que nos permitirá compreendê-las melhor. Por exemplo, as abordagens linguísticas e conversacionais, enfatizadas pela Sociolinguística, “pourraient contribuer à mieux cerner la nature même des phénomènes langagiers à l’oeuvre dans ces modalités particulières de connaissances que sont les représentations sociales, puisque c’est bien au sein d’échanges conversationnels que se mobilisent, se construisent, se déconstruisent les représentations” (1997b: 320). Daí que podermos concluir que a compreensão dos conceitos de representação e de atitude seja indispensável para que pretende estudar a comunicação bilingue, em qualquer circunstância.

No capítulo que se segue apresentaremos o nosso quadro metodológico e justificaremos as nossas opções de pesquisa.