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Atitudes e representações dos professores face à coexistência das duas

Capítulo 5 – Análise interpretativa dos dados

5.2.2. Atitudes e representações dos professores face à coexistência das duas

Neste ponto deter-nos-emos nas representações dos professores sobre a coexistência linguística (língua portuguesa/ língua cabo-verdiana) no contexto educativo cabo-verdiano, procurando saber o que pensam das políticas lingüísticas aplicadas à educação, dos pepéis que desempenha cada uma das línguas, da convivência entre o português e o crioulo na comunicação pedagógica de uma forma geral, desta mesma convivência na comunicação de sala de aula e, mais expecificamente, no desenvolvimento do programa da disciplina de Língua Portuguesa. Relembramos que, relativamente ao ensino de línguas, a Lei de Bases do Sistema Educativo prevê: “promover a utilização adequada da língua portuguesa como instrumento de comunicação e de estudo; reforçar o ensino das línguas estrangeiras; valorizar a língua materna, como manifestação previligiada da cultura.” Lei n.º 103/III/90 de 29 de Dezembro.

a) O caso do professor P01

Relativamente às políticas linguísticas aplicadas à educação, P01 defende que elas não estão clarificadas e urge a necessidade de se proceder à sua clarificação, a fim de se definir bem as funções das línguas no contexto educativo. Segundo ele é imperioso:

Uma decisão política clara que pudesse definir em que circunstâncias, por exemplo, nós poderíamos utilizar a língua Cabo-verdiana nas escolas. Até agora não se disse nada. Do meu ponto de vista, deviam

ao mesmo tempo, tomar uma decisão nacional, do ensino da língua cabo-verdiana, não só porque, como sabe, nós temos uma série de variantes da nossa língua, e o facto de não termos, essa questão linguística clara, ainda que seja em termos de decisão politica, vai-nos dificultar bastante em termos de querer fazer outras coisas, porque nós vamos entrar num campo que, por não estar regulado, pode trazer-nos uma grande confusão. Por isso, penso que devia haver uma decisão política clara.

P01 observa, neste discurso, que a utilização do crioulo no sistema de ensino exige mais do que uma declaração. Aponta como uma das medidas necessárias de política lingüística a decisão sobre o nível em que o crioulo deve ser introduzido. Relembramos que a discussão a volta desta questão é antiga e as opiniões oscilam de um extremo ao outro. Por um lado, estão aqueles que defendem a introdução do crioulo de cima para baixo e, por outro, aqueles que defendem a sua introdução de baixo para cima, isto é no pré- escolar. As questões que P01 coloca denunciam as suas representações sobre esta matéria, revelam-se pertimentes e são indícios de uma atitude assertiva, fruto de uma representação positiva sobre as línguas, sobre a sua convivência e a sua coexistência no contexto educativo.

b) O caso do professor P02

Ao analisarmos o discurso de P02 sobre a coexistência das duas línguas, no contexto educativo cabo-verdiano, virificamos que reconhece a presença dessas duas línguas e observa que elas têm funções diferentes, já que o crioulo é utilizado pelos alunos e o português pelo professor. Disse que os alunos não têm motivação para falarem português na sala de aula e que, quando falam, há muita interferência do crioulo no português, o que é muito negativo.

Realtivamente à troca de códigos e à mistura de códigos na comunicação de sala de aula afirma:

Acho que a escola tem um papel muito importante nisso. Portanto, como eu disse, nós temos alunos que começam a falar em português e terminam no crioulo, então nós, a escola, temos que fazer com que os alunos parem com isso, principalmente nós os professores de língua portuguesa. Mas não apenas os professores de língua portuguesa, os outros professores também, porque também dão aulas em língua portuguesa e, de certeza, que os alunos também falam em crioulo. Então, vejo que os outros professores devem fazer com que os alunos exprimem em português dentro da sala.

Quando o professor utiliza as expressões temos que fazer com que os alunos parem com isso, ou os outros professores devem fazer que os alunos se exprimam em português dentro da sala, percebemos que para este professor a utilização da LCV no processo de aprendizagem da LP é a manifestação de uma má vontade do aluno perante a língua e não de uma insuficiência, de uma limitação, de uma incompetência lingüística ou mesmo o resultado da coexistência destas duas línguas no repertório lingüístico de um aluno que vive num contexto onde coexistem duas línguas, aspectos que, na nossa opinião, caracterizam a aprendizagem de uma língua em percurso. Ele reconhce que é necessário que se ponha um fim nesta situação reinante, mas não diz como é que o professor deve proceder para acabar com esta situação. Pensamos que a questão é muito mais complexa do que possa parecer e requer para além de tempo um empenho laborioso do professor de língua portuguesa que deverá contar com políticas claramente definidas, com recursos e com um sistema educativo centrado na aprendizagem. O professor terá a necessidade de questionar a toda a hora porque é que o aluno não está a aprender, o que deverá fazer para facilitar esta aprendizagem, em suma, reflectir constantemente sobre a sua prática, numa prespectiva de melhoria dos resultados dos alunos.

Bom, eu sempre falo com eles neste aspecto, quando falam o crioulo eu falo que têm de falar, a língua portuguesa, que é a língua oficial, que se os alunos forem a São Tomé, Moçambique, para entrar em contacto com as pessoas daqueles países, têm de expressar em português e não em crioulo, se não entendem uns aos outros, mas, sendo a língua oficial destes países, se falarem português vão se entender, então sempre falo com eles neste sentido, portanto mostro a vantagem da língua portuguesa.

Neste ponto, o professor tenta consciencializar os alunos para a importância da língua portuguesa no estabelecimento de relações interculturais, principalmente, no âmbito da comunicação entre os países de língua oficial portuguesa, relembrando que esta língua funciona como elo de ligação entre Cabo Verde e o resto do mundo.

Eu penso que isto também, o facto dos alunos introduzirem o crioulo ao falarem português, introduzirem o crioulo, penso que prejudica, prejudica muito a aprendizagem sim, prejudica muito.

Estas palavras de P02 dizem-nos que ele considera a transferência linguístico- comunicativa como uma estratégia negativa que prejudica a aprendizagem da LP, posição contrária à de Araújo (2003:17) que diz que: “Sendo partilhado por professores e alunos, ela [LM] representa um meio sempre presente, e naturalmente fiável, de servir as necessidades de comunicação, e do processo de ensino/aprendizagem (…)“. Esta autora ainda reforça a importância da LM no ensino aprendizagem de línguas dizendo que:

Numa perspectiva que encara o contexto de sala de aula sobretudo em função das condições de ensino/aprendizagem linguística que proporciona, a análise de como professor e aluno usam a LM para levar a cabo a interacção liga-se aos modos de promover a aprendizagem, garantindo ao aluno oportunidades de actuar sobre o próprio conhecimento, regulando-o e monitorizando-o.

Portanto parece-nos que se o professor tivesse uma representação mais positiva da importância da LM no processo de ensino/aprendizagem de línguas e tomaria atitudes mais assertivas em relação ao recurso que os alunos fazem à LM, contribuindo para a criação de ambientes de menos crispação dentro da sala de aula e, consequentemente, mais propícios à aprendizagem da LP.

c) O caso do professor P03

P03, relativamente à coexistência lingüística no contexto educativo e ao recurso à LCV na cominicação de sala de aula, diz:

Acho que na aula de língua portuguesa não, penso que é negativo em todas as aulas, penso que, estamos na escola, numa instituição, sendo uma instituição, a língua portuguesa é que deve prevalecer, e quando o aluno introduz crioulo está a prejudicar a aprendizagem, a sua própria aprendizagem, porque não há uma abertura total à língua portuguesa, deixa-se levar pela língua crioulo, então isto vai dificultar muito a sua aprendizagem, mesmo a nível escrito como a oral, na hora de se expressar, a nível escrito como a nível oral.

Notamos que a atitude de P02 revela-se pouca inovadora, pois, durante muito tempo, se pensou que o indivíduo capaz de comunicar em duas línguas diferentes era afectado por uma espécie de doença chamada “bilinguismo” (Andrade 1987). Exactamente como a professora que acha que o bilinguismo é prejudicial à aprendizagem de uma forma geral.

Porém, actualmente é opinião geral que o bilinguismo é algo de original, rico em potencialidades comunicativas, extremamente dinâmico, portador de criatividade linguística (Andrade, 1987).

A expressão aluno deixa se levar pela a língua crioulo mostra-nos que P03 condena o aluno pelo uso do crioulo, que o professor encara como um erro e não como um estratégia de aprendizagem, consequentemente, pela falta de competência em LP. Pensamos que, enquanto o professor tiver a atitude de responsabilizar o aluno pelo sua falta de competência em LP, ele pouco ou nada fará para lho ajudar a melhorar a sua produção ou para o ajudar a desenvolver essa competência necessária à sua realização pessoal e social e não assume a responsabilidade de trabalhar pedagogicamente essas transferência.

P03 é céptica relativamente ao futuro do crioulo e cómodo em relação à situação actual de ensino da LP, isto porque acha que os alunos não querem falar a LP, não têm domínio da língua, mas a sua posição é esta: “Penso que num futuro próximo não estou a ver, agora, mas num futuro próximo não estou a ver o crioulo dessa forma, ainda, acho que ainda a língua portuguesa vai permanecer por muito, muito, e muito e muito, muito tempo ainda como está.”

Quer dizer que, ainda por muito tempo, continuaremos a não ter aprendizagem da LP em contexto educativo cabo-verdiano, pois o crioulo continuará a não ter espaço no sistema e o português permanecerá por muitos e muitos anos como está. Pensamos que a visão de P03 e o seu prognóstico para o ensino de línguas no nosso contexto é desencorajador e compromete, seriamente, a qualidade de ensino em Cabo Verde. Se não vejamos: o professor reconhece que seus alunos estão desmotivados, que estes só falam crioulo na comunicação de sala de aula, que este recurso à LM é prejudicial à aprendizagem do português e à aprendizagem de uma forma geral, não aceita a ideia de introdução do crioulo no sistema de ensino e acha que a situação vai continuar assim como está, por muito e muito tempo. Relembramos que P03 na sua biografia linguística afirmou que pertencem a uma família evangélica e que desde sempre esteve em contacto com a LP porque os pais estudavam a Biblia em casa. Diz-nos Moscovici que a representação que o individuo forma de um objecto é constituído e reconstituído no seu sistema cognitivo, de modo a adequá-lo ao seu sistema de valores que, por sua vez, depende do seu contexto histórico social e ideológico no qual está inserido. Assim sendo, podemos dizer que a representação que P03, desde pequena, no meio evangélico, onde o sistema de valores é

bastante sólido e pouco imutável, construiu dos papéis e das funções da LCV e da LP não lhe permite aceitar as inovações e nem conceber o dinamismo e a evolução das mesmas. É caso para concluirmos que, na visão de P03, o sistema de ensino cabo-verdiano está condenado a uma história de insucesso e de fracassos irremediável. Pensamos que esta professora por causa do seu cepticismo e da sua atitude conformista não terá motivação para se envolver num projecto de inovação e de melhoria dos resultados dos alunos ou não se sente responsável pela melhoria dos resultados destes. Vejamos a representação que P03 tem da oficialização do crioulo:

Penso que é maléfico, maléfico porque os alunos não conseguem, não hão de conseguir ver isso é,: - ah, professora nossa língua, a nossa língua é o crioulo porque é que eu tenho que falar português? Não fazem o mínimo de esforço para ajudar, mesmo no português.

A valorização do crioulo por via da oficialização é, também, na óptica de P03, uma medida maléfica porque vai reforçar o sentimento de pertença e de identidade que o aluno tem da sua LM e leva-o a não entender porque terá ele de falar a LP. Somos de opinião que o professor enquanto modelo que o aluno almeja seguir tem uma influência muito grande na construção das representações que este terá das línguas que convivem no espaço de sala de aula e não nos parece que a desvalorização de uma seja a estratégia mais acertada para a aprendizagem da outra. (cf. Andrade 1997; Pinto 2005; Carvalho 2004).

A professora tem uma visão exclusivista da coexistência linguística, isto é, não concebe a coexistência linguística, o contacto entre línguas e acha que a valorização de uma num contexto de contacto de línguas representa automaticamente a desvalorização de outra, daí achar que a oficialização do crioulo conduza ao desprestígio da LP o que fica patente nas suas palavras: “Acho que terá um impacto negativo porque os alunos começam a só valorizar, só a valorizar o crioulo. A nossa língua já é língua oficial, começam a colocar português de parte.” Desta forma todas as nações teriam reservas em apostar no ensino de línguas como forma de preservar a sua língua nacional e defender-se da desvalorização de uma das línguas em presença. Neste caso, a globalização estaria bastante comprometida, pois o interculturalismo e o multiculturalismo, condições indispensáveis para a sobrevivência da aldeia global, estariam comprometidos ou mesmo não achariam bases de sustentação. Os homens se sentiriam desprestigiados na sua cultura e identidade,

não existiria intercomunicação ou intercompreensão e haveria uma grande crise de identidade cultural. As línguas viveriam em gueto sem contaminação e sem contacto umas com as outras o que levaria à sua morte. As línguas sendo organismos vivos carecem de se comunicarem umas com as outras como forma de garantirem a sua sobrevivência, já que todos os dias nascem e morrem vocábulos desse contacto inter e entrelínguas.

P03 considera o crioulo uma língua menor e com fraca potencialidade expressiva daí que não possa ser transformado em matéria de ensino nem em veículo de transmissão de conhecimentos científicos porque segundo P03 o crioulo não é capaz de referenciar os termos linguísticos: “ porque eu não estou a conseguir ver os termos, os termos matemáticos ditos em crioulo. Nós vamos usar os termos científicos e utilizamos as palavras em português.”Por um lado e por outro, na opinião da professora isso significaria a morte da língua portuguesa no nosso contexto: “a língua portuguesa, daqui, ah, acabará por desaparecer.”

5.2.3. Atitudes e representações sobre o fenómeno de transferência