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Capítulo 3 – Atitudes e representações dos professores face aos processos de

3.3.1. O conceito de atitude

Uma vez clarificado o conceito de representação que é uma das palavras-chave deste trabalho, passaremos a clarificar o conceito de atitudes, procurando entender a sua relação com o primeiro e justificando a sua utilização no quadro desta pesquisa. Faremos aqui uma sistematização das definições do conceito de atitudes ao longo dos tempos, procurando entender a forma como tem sido utilizado nos diferentes ramos do saber, especificamente no campo da didáctica de línguas.

Assim como o conceito de representação, o conceito de atitude nasceu da Psicologia Social, que o encara como o mediador entre a forma de agir e a forma de pensar dos indivíduos, remetendo a sua abordagem à década de 20, tendo-se depois alargado a outras áreas entre as quais a da educação. Os conceitos de atitude e representação apresentam-se como conceitos afins, muito próximos um do outro e, por isso, muitas vezes, utilizados de forma indistinta, enquanto que outras vezes se assiste a um esforço no sentido de os distinguir, o que tentaremos fazer aqui, pois, acreditamos que, para além da afinidade existente entre eles, é possível e necessário incidir sobre a sua diferenciação como forma de melhor clarificar o nosso quadro conceptual.

A necessidade de clarificar o conceito de atitudes no âmbito desta investigação, prende-se com o facto de reconhecermos a sua importância, anunciada por outros pesquisadores, na tentativa de compreensão de fenómenos educativos e de problemas com que a educação se debate, nomeadamente o de conflito linguístico ou de confusão linguística, por um lado e por outro, porque a língua ganha uma importância grande na expressão das atitudes, lembrando que, os comportamentalistas definem atitude como o comportamento verbal através do qual os indivíduos expressam as suas preferências, (Bem, 1967) enquanto que os cognitivistas põem a tónica na relação entre as atitudes, as crenças e os valores individuais ou grupais (Abelson, 1976). Pensamos que as atitudes são, sim, a expressão de crenças e de valores individuais por meio, muitas vezes, da linguagem, já que, no nosso entendimento, a atitude pode também ser expressa por meio de sinais ou da linguagem paraverbal e desempenham um papel relevante na interacção verbal.

Assim, Cardoso verificou que o estudo das atitudes contribui para explicar a discordância entre pessoas e está subjacente a conflitos interpessoais e interculturais (2003 :22). Esta observação reforça a nossa determinação em usar este conceito para compreendermos o fenómeno de transferência no nosso contexto, uma vez que o contacto de línguas é um fenómeno intercultural e a transferência linguístico-comunicativa é o resultado deste interculturalismo, pois, a língua é a expressão mais autêntica de uma cultura ou o elemento que mais e melhor define uma cultura (cf. Saraiva 1996). Já que pretendemos analisar as atitudes e as representações dos professores face aos processos de transferência, portando nada mais natural que tenhamos a necessidade de conhecer e aprofundar sobre o conceito.

Um aspecto que conferiu importância ao conceito foi o facto de ser considerado um constructo mediador entre a forma de agir e a componente tendencial dos indivíduos, assumindo um papel preditivo do comportamento face a um fenómeno ou objecto claramente identificados. Na mesma linha de ideias Leyens observa que «a utilidade deste conceito provém da sua economia em prever o comportamento verbal e motor de um interlocutor, devido à estabilidade organizadora que está subentendida» (1994: 104). Numa época em que se invoca tanto a necessidade de mudança de atitudes em determinadas esferas causa alguma confusão falar da atitude como um conceito estável. Assim, Leyens defende que uma atitude normativa pode evoluir devido à interacção social. Os estudos de Festinger et al sobre fenómenos de “distância cognitiva” vieram revelar que as atitudes podem ser adoptadas com o fim de justificar ou racionalizar comportamentos já ocorridos no sentido de haver consonância entre os comportamentos e as atitudes em causa. (1954: 23). Não existe uma causalidade unívoca entre disposições e comportamentos manifestados, o que existe são relações de mútua dependência.

O conceito de atitude tem sido alvo de uma grande variedade de definições e de acepções, tornando-se, por isso, necessário clarificar os seus aspectos essenciais para facilitar a sua compreensão. Allport (1935) tem sido apontado como o primeiro grande estudioso das atitudes, apresentando-nos a revisão de vários estudos anteriores:

Quadro II

Data Autor Definição

(1931) Thurstone É a soma das inclinações, sentimentos, prejuízos, obliquidades, ideias preconcebidas, medos ameaças e convicções acerca de um determinado assunto. (1948) Krech e

Crutchfield

É um sistema estável de avaliações positivas ou negativas, sentimentos, emoções e tendências de acções favoráveis ou desfavoráveis no que se refere a objectos sociais. (1959) Newcombe É uma forma de ver algo com agrado ou desagrado

(1976) Rodriguez É uma organização duradoura de crenças e cognições em geral, dotada de uma grande carga afectiva a favor ou contra um objecto social definido, que prepara para uma acção coerente com as cognições e afectos relativos ao dito objecto.

(1981) Anderson É uma emoção moderadamente intensa que predispõe ou prepara um indivíduo para que reaja coerentemente, de um modo favorável ou desfavorável, quando vê confrontado com um objecto determinado.

(1987) Coll É uma tendência para se comportar de uma forma consistente e persistente perante determinadas situações, objectos, sucessos ou pessoas.

(1989) Morissette É uma predisposição interior da pessoa que se manifesta através de reacções emotivas moderadas que são adoptadas cada vez que uma pessoa está na presença de um objecto (ou de uma ideia ou de uma actividade). Estas reacções levam-na a aproximar-se ou a afastar-se deste objecto.

(1992) Sarabia Na linguagem coloquial recorre-se ao termo atitude para assinalar que uma pessoa pode ter pensamentos e sentimentos em relação a coisas ou pessoas das quais gosta ou desgosta, que a atraem ou que a repelem, que lhe inspira confiança ou desconfiança. Conhecemos ou pensamos conhecer as atitudes das pessoas porque estas tendem a reflectir-se na sua forma de falar, de agir, de se comportar, de se relacionar com os outros.

Adaptado de Zabalza, (2000:24 e 25)

Moscovici, que temos vindo a citar no quadro da clarificação do conceito de representação, defende que a atitude é uma resposta organizada, complexa que funciona como uma conduta antecipada e prepara o indivíduo para a acção. Ela exprime a orientação pessoal e global, positiva ou negativa, em relação ao objecto da representação. (1960: 266- 267). Para Moscovici, a atitude e «um esquema dinâmico da actividade psíquica, esquema coerente e selectivo, relativamente autónomo, resultante da interpretação e da transformação de modelos sociais e da experiência do indivíduo» (1960: 269). Isto quer dizer que o autor entende que o objecto da atitude é percepcionado como exigência de acção para o indivíduo. Aqui reside o nosso interesse por este conceito, pois, acreditamos que, perante o fenómeno de transferência, o professor desenvolve determinadas acções, determinadas práticas.

A atitude é geralmente definida como uma predisposição para reagir de maneira favorável ou não a uma determinada classe de objecto, conforme observa Kolde: “ une (pré)-disposition psychique latente, acquise, à réagir d’une certaine manière à un objet ” (Kolde 1981 cité dans Lüdi & Py 1986 : 97).

Trillo et al (2000:22) definem atitude como uma disposição pessoal ou colectiva para actuar de uma determinada maneira em relação a certas coisas, ideias ou situações. Defende que essa disposição é sustentada pelo conjunto de conhecimentos, afectos e condutas que possuímos a respeito do objecto, da pessoa, da ideia ou da situação sobre o qual se projecta a nossa atitude. O actuar segundo este autor refere-se não só ao fazer coisas, mas também ao exprimir e ao desenvolver certos movimentos ou comportamentos vinculados ao objecto da atitude e podem ser conscientes ou inconscientes. Por outro lado, essa actuação tende a expressar movimentos de agrado ou de desagrado (ou de aproximação - afastamento; aceitação - rejeição, etc.) Isto que dizer que há sempre um aspecto emocional que converte a reacção em algo carregado de energia positiva ou energia negativa. Daí que as atitudes sejam frequentemente apresentadas como processos dicotómicos, como tensões bipolares que ora tem tendência para nos aproximar ora para nos afastar do objecto no qual se projecta a atitude. Diz-nos estes autores que as atitudes se projectam numa grande diversidade de objectos. No fundo, a atitude define o tipo de relação que uma pessoa mentem com algo, quer seja uma coisa, uma pessoa, uma ideia, uma situação etc. O objecto da atitude pode ser, segundo o autor real ou figurado, concreto ou abstracto (ainda que seja necessário um certo desenvolvimento cognitivo para este último.) No caso da nossa pesquisa definirá a relação que o professor mantém com o fenómeno de transferência linguística e queremos acreditar que essa relação determinará a acção pedagógica do professor sobre este fenómeno.

Leyens usa o termo atitudes para designar diferentes reacções organizadas em torno de tema comum, manifestadas através de realidades diversas e revelando estabilidade (1979: 104). Leyens encara o conceito de atitudes como uma construção hipotética, um instrumento conceptual integrativo, elaborado a título de hipótese para explicar uma estrutura, relativamente estável num indivíduo, de elementos avaliativos, afectivos e cognitivos.

Cardoso define atitude como «uma disposição a reagir, de maneira favorável ou desfavorável, a um determinado referente, sempre que este se apresente» (2003: 22).

As atitudes, enquanto princípios organizadores de comportamentos mais ou menos estáveis, não são directamente observáveis. Estão geralmente associadas e avaliadas em relação aos comportamentos que geram e podem ser modificadas. Baker (1992, in Moore, 2001:13) sublinha o facto de que as componentes cognitivas e afectivas de uma atitude

poderem não estar em harmonia, o que implica que certas respostas podem esconder atitudes contrárias secretas e que uma mesma atitude pode gerar comportamentos diferentes consoante as situações. Procuraremos possíveis marcas desta contradição na análise que faremos dos nossos dados, isto é, cruzaremos as informações obtidas através das entrevistas com as obtidas através das aulas vídeo gravadas, (cf. análise dos dados no capítulo V).

A questão estará, então, em saber se se consideram as atitudes como predisposições para a acção ou se se consideram-nas como filtros que moldam a nossa percepção da realidade.

Apesar das divergências relativamente ao significado do conceito, as diferentes posições têm alguns pontos em comum, tal como aponta Lima:

- as atitudes referem-se a experiências subjectivas; - as atitudes são sempre relativas a um objecto;

- as atitudes incluem sempre uma dimensão avaliativa. De todas as afirmações acima citadas, podemos concluir que as atitudes são fruto da interacção social, “de processos de comparação, identificação e diferenciação sociais que nos permitem situar a nossa posição face à de outros num determinado momento do tempo” (in Vala, 1993: 168)

Zabalza também concluiu que as definições de atitudes coincidiam em três aspectos fundamentais:

a) a posse de uma base ou um predisposição favorável a uma reacção resultante de uma emoção favorável ou desfavorável ao objecto, ou seja, implica uma activação emocional básica, como algo oposto à frialdade afectiva ou a incapacidade de resposta;

b) a organização a partir de experiência, ou seja, são necessários alguns referentes, tanto cognitivos como emocionais e comportamentais, que permitam situar os objectos num contexto significativo, sendo a partir das experiências que esses esquemas atitudinais se vão reorganizando e adoptando outras orientações ou outras valias;

c) a predisposição desencadeia-se na presença dos objectos ou situações com os quais está relacionada a atitude ou seja trata-se de uma reacção previsível. Isto permite que se tenha uma certa visão constante dos comportamentos prováveis dos indivíduos;

Zabalza inclui vários aspectos básicos na descrição de atitudes:

♦ Que não pode ser entendido como algo endógeno ou estrutural (…) nem como algo típico e próprio de alguém. (…). A atitude é mais uma condição adaptável às circunstâncias, surgem e mantêm-se na interacção que o indivíduo tem com os que o rodeiam;

♦ Que precisamente por causa desse carácter adaptativo, e apesar de se dizer que uma das suas características é precisamente a da permanência, esta será entendida de uma forma relativa. As atitudes não são algo definido, fixo, estável e inalterável, são algo vivo dinâmico, evolutivo. As atitudes constroem-se, ensinam-se, modificam-se substituem-se por outras, etc.

♦ Que em qualquer dos casos trata-se de fenómenos humanos complexos nos quais intervêm pelo menos três componentes básicos: uma componente cognitiva (o que se sabe sobre a coisa); uma componente emocional (os afectos que essa coisa provoca) e uma componente comportamental (as acções que levamos a cabo relacionadas com o objecto de atitude). É sobre essa tripla plataforma que assentam as atitudes, e a sua manutenção ou a sua mudança dependerão igualmente da estabilidade ou das modificações que nelas se produzam. (2000: 26 e27)

Fishbein e Azjen (1977) caracterizam as atitudes como: a) apreendidas; b) preparativas da acção; c) favoráveis ou desfavoráveis para o objecto.

Ainda, na tentativa de caracterizar as atitudes, Keil (1985) diz que elas são consideradas como sendo adquiridas, mais do que inatas, e que tendem a ser duradouras, ainda que sejam modificáveis pela experiência e pela a persuasão.

As definições clássicas de atitude distinguem três componentes: uma componente cognitiva, uma afectiva e uma conativa que determina as intenções de acção e afecta os comportamentos, (cf. Baker, 1992, in Moore, 2001:13). A informação que um indivíduo possui acerca de determinado objecto ou pessoa modela as suas crenças acerca deles. Estas crenças podem ser baseadas em informação objectiva ou em estereótipos e podem

modificar-se. Morissette & Gingras (1999) também reforçam o facto de que a atitude se subdivide nas três componentes já referidas, daí que enfatizem os elementos dos três domínios de aprendizagem (cognitivo, psicomotor e afectivo) (1999:65). Entendemos, então, que na manifestação de uma atitude estão envolvidos a razão, a acção e os sentimentos.

Nos ramo das ciências da linguagem, mais precisamente nos estudos sobre o ensino e a aprendizagem das línguas, os trabalhos de Gardner, Ervin e outros são considerados como precursores no campo da descrição de factores afectivos na aquisição e aprendizagem de línguas. Culminam no modelo socioeducativo proposto por Gardner em 1985, no qual as atitudes são uma variável, entre outras, da competência bilingue. Neste modelo, as atitudes aparecem dentro de uma dinâmica que as considera como input do background social e cultural e como outcome da experiência linguística (cf. Pinto, 2005). Quais serão, então, as funções das atitudes? A resposta a esta questão tem seguido quatro vias: as teorias que salientam as funções motivacionais, as que evidenciam as funções cognitivas, as que destacam o papel de orientação para a acção e as que salientam as suas funções sociais.

A atitude, enquanto organização duradoira de processos motivacionais, emocionais, perceptivos e cognitivos, desempenha uma dupla função:

1 - Regular o comportamento a partir de estímulos;

2 - Definir orientações para o objecto em termos afectivos e emocionais;

Em relação à função reguladora, a atitude transforma as relações entre o estímulo e a resposta numa interdependência significativa. Neste sentido, pode-se considerar o estímulo e a resposta de um sujeito como uma troca, sendo a atitude o sistema que regula essa troca;

Quanto à função energética, a atitude imprime à orientação e à troca com o meio uma certa intencionalidade afectiva e emocional, resultante da história individual e social do sujeito. Neste contexto, a atitude é o aspecto mais afectivo das representações sociais enquanto reacção emocional para com o objecto e também o mais resistente.(Käes, 1968: 33).

Herek (1986) e outros investigadores sistematizaram as funções das atitudes em duas grandes categorias: funções instrumentais ou avaliativas e funções simbólicas ou expressivas. As primeiras prendem-se com uma avaliação por parte do indivíduo que opta

por determinada atitude; as segundas relacionam-se com a utilização das atitudes enquanto forma de transmitir valores ou identidade do sujeito.

Outros autores (por exemplo, Rosenberg [et al],1980) têm vindo a salientar as suas funções cognitivas, ou seja, a forma como influenciam o processamento de informação. As atitudes desempenham também funções sociais. Numerosos estudos da Psicologia Social (cf. Vala, 1993) mostram a influência da posição dos outros na formação de opiniões. Nesta linha as atitudes são vistas como um posicionamento face a um objecto de atitude, sobressaindo, neste caso, o seu carácter social, tanto no processo de apropriação das atitudes sociais ao nível individual, como nas funções que desempenham. Dois domínios em que são salientes as funções sociais das atitudes são a identificação com o grupo e a diferenciação intergrupal.

Para além das funções das atitudes já referidas, que nos ajudam a perceber a sua importância ao nível da cognição, ao nível social há uma outra a função de orientação para a acção, que nos pode ajudar a perceber de que forma é que as atitudes se relacionam com as acções dos indivíduos. No início do estudo deste aspecto estava implícita a relação atitudes/comportamento, daí a grande ênfase dada às escalas de atitudes pelos psicólogos sociais. No entanto, pode haver discrepâncias entre atitudes e comportamentos. Face a isto, alguns autores salientam a inutilidade prática do estudo das atitudes como previsores do comportamento humano. A Psicologia Social de orientação cognitivista não poderia aceitar esta perspectiva de corte entre pensamento e acção e desenvolveu esforços no sentido de explicar a discrepância entre atitudes e comportamentos.