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Capítulo 3 – Atitudes e representações dos professores face aos processos de

3.3.3. A relação entre atitudes e representação

3.3.3.1. Atitudes e representações linguísticas

A década de 60 do século XX, no âmbito das pesquisas linguísticas ficou marcada pelos estudos sobre atitudes e representações linguísticas. Destacam-se neste particular os estudos de psicologia social da linguagem, de psicolinguística, de linguística e de sociolinguística. Em 1972 Gardner e Lambert procederam a investigação das atitudes linguísticas. Os principais objectos de estudo de que se tem conhecimento neste âmbito são os de aquisição da linguagem, comunicação interpessoal, a relação linguagem e classe social, linguagem e etnia, linguagem e atitudes, o bilinguismo, a alternância de códigos. Estes temas eram tratados no âmbito de disciplinas como a psicolinguística e a sociolinguística, porém como refere Lafontaine « Ce n’est donc pas par son objet d’etudes que la psychologie sociale du langage se distingue des autres disciplines traitant du langage; c’est dans le point de vue qu’elle adopte sur ces questions que réside sa spécificité» (1986: 23).

Enquanto objecto de investigação o domínio das atitudes e representações linguísticas tem sido marginalizado por ser considerado como não científico, ou seja por pertencer ao domínio da subjectividade, como observa Calvet (1999b). Também Boudieu já teria chamado a atenção para este aspecto:

Rien n’est moins innocent que la question, qui divise le monde savant, de savoir s’il faut faire entrer dans le système des critères pertinents non seulement les propriétés dites ‘objectives’ (comme l’ascendance, le territoire, la langue, la religion, l’activité économique, etc.) mais aussi les propriétés dites ‘subjectives’ (comme le sentiment d’appartenance, etc.), c'est-à-dire les représentations que les agents sociaux font des divisons de la réalité et qui contribuent à la réalité des divisions” (1982: 144/145).

No estudo das atitudes e representações linguísticas destacam-se os trabalhos de Boyer que admite que as representações linguísticas são objecto de estudo da sociolinguística, uma vez que esta disciplina é «inséparablement une linguistique des usages sociaux de la/des langue (s) et des représentations de cette/ces langue(s) et de ses/leurs usages sociaux, qui repère à la fois consensus et conflits et tente donc d’analyser des dynamiques linguistiques et sociales” (1991: 42). Isto é, as representações são objecto de estudo da sociolinguística porque esta disciplina, no cumprimento da sua finalidade, focaliza a sua atenção nas representações sociais que se tem das línguas, ou seja, nas representações linguísticas, nos usos sociais das línguas e nas representações dos usos sociais das línguas. Ao seja, a língua enquanto fenómeno social, é analisada a partir das representações que dela se tem.

Assim sendo o autor fala de representação sociolinguística, defendendo que as representações da língua são uma categoria das representações sociais.

As representações linguísticas desempenham basicamente as mesmas funções que as das representações sociais: construção da identidade, reconstrução da realidade, cognitiva e de orientação/justificação de condutas e comportamentos comunicacionais. Boyer observa que a sociolinguística toma em consideração a dinâmica interaccional, mais especificamente a sua construção em situações de conflito, concorrendo para uma abordagem diferenciada, “On ne saurait mieux reconnaître que les représentations sont portées par des enjeux et grosses conflits” (Boyer, 1991b: 41).

Nota-se então que as representações linguísticas assim como outro tipo de representação surge em contextos que incentivam a sua manifestação, como são os de trocas quotidianas e espontâneas;

Les ‘ratages’ de toutes sortes, les hésitations, les reprises, les modalisations, les évaluations, les réflexions/commentaires métalinguistiques sont là pour nous rappeler l’autre face de l’activité de parole, celle qui n’est pas forcement quantifiable mais qui n’en est pas moins fortement structurante” (Boyer, 1991b: 49).

Estamos perante uma dimensão conflitual que confere as representações sociais e sociolinguísticas um cunho dinâmico, pelo que afirma Bourdieu : “inclure dans le réel la représentation du réel, ou plus exactement la lutte des représentations, au sens d’images mentales, mais aussi de manifestations sociales destinées à manipuler les images mentales” (1982: 136).

Boyer e outros sociolinguistas vão beber nos estudos de Bourdieu sobre as representações para trabalhar as representações sociolinguísticas que estão relacionadas com os comportamentos dos sujeitos em contextos interculturais, analisando situações de diglossia e de conflito.

Na esteira de Bourdieu, Boyer (1991b) defende que, subjacente às representações sociolinguísticas, está um processo de dominação, influenciado pelas próprias representações, no sentido de desvalorização da língua dominada em situação de diglossia. Porém as representações têm, muitas vezes, a função essencial de esconder o conflito diglóssico (domínio de uma língua sobre outra), funcionando, assim como ideologias em situação de conflito intercultural que nascem em contextos de diglossia.

Lafont fala da noção de “fonctionnement diglossique comme idéologie de l’effacement”, referindo-se ao sistema de valores linguísticos e extralinguísticos, onde tudo o que se relaciona com a língua dominada é desvalorizado através das representações. (1979: 505, in Boyer, 1991b: 47).

A Sociolinguística considera que as representações estão intimamente ligadas às práticas linguística: “L’interaction entre les pratiques et la représentation de ces pratiques constitue un ensemble indissociable. Cet ensemble peut être avantageusement considéré comme un texte qui s’actualise dans les occasions langagières…”.(Lafont 1980: 72, in Boyer, 1991b: 47/48).

Na mesma linha de ideias, Calvet considera que práticas e representações são inseparáveis, distinguindo-as da seguinte forma :

“Du côté des pratiques on trouve bien sûr ce que les locuteurs produisent, la façon dont ils parlent, mais aussi la façon dont ils ‘accommodent’ pour pouvoir communiquer, la façon dont ils adaptent leurs pratiques aux situations de communication, par exemple aux pratiques et aux attentes de l’interlocuteur. Du côté des représentations se trouve la façon dont les locuteurs pensent les pratiques, comment ils se situent par rapport aux autres locuteurs, aux autres pratiques, comment ils situent leur langue par rapport aux autres langues en présence: en bref tout ce qui relève de l’épilinguistique” (1999b: 158).

As línguas, o seu uso e o seu prestigio são constantemente avaliados e determinados pelas representações e aparecem sob forma de estereótipos. As representações também determinam as atitudes face as línguas e face aos locutores, portanto determinam as condutas linguísticas. As representações são assim constituídas por imagens, posições, ideologias, crenças que os sujeitos têm a cerca da língua e das práticas linguística (Calvet 1998). Para este autor as representações dizem respeito a três factores: as características das línguas, o seu estatuto e a sua função identitária. Para aceder às representações o investigador dispõe de duas modalidades as observações e as avaliações. As avaliações dizem respeito às práticas dos locutores, aos seus julgamentos relativamente a essas práticas e às situações; as avaliações permitem verificar as observações.

O conceito de imaginário linguístico é apresentado por Boyer (1991b) como um conceito interessante na compreensão da abordagem sociolinguística das representações. Segundo o autor este conceito abarca os valores, as ideologias, os mitos, os estereótipos, as atitudes, as metáforas, os provérbios, os sentimentos, as avaliações, os comportamentos, as opiniões e as produções metalinguísticas.

Existem numa comunidade regras e normas que determinam a representação sociolinguística, como explica Calvet:

“la teneur en normativité n’est pas sans rapport avec le degré de figement dont il a été question plus haut: le stéréotypage est fondamentalement normatif (tout comme du reste l’emblématisation ou la mythification) et c’est bien l’un de ses fonctionnements naturels, si l’on peut dire, que d’affecter (plus ou moins ouvertement) une évaluation (plus ou moins positive, plus ou moins négative) admise par l’ensemble de la Communauté ou tel

groupe au sein de la Communauté, et donc indiscutable, à un type d’individu, un type de objet, un type de fait, un type de trait… ” (1998: 9).

O autor considera que as representações sociolinguísticas, que se encontram no nosso imaginário etnosociocultural colectivo, se relacionam com as representações patrimoniais. Por isso, as representações partilhadas (intra e interlinguísticas) ocupam um lugar central na descrição deste imaginário.

Nota-se que as representações sociolinguísticas são apresentadas como componentes integrantes do imago mundi colectivo e como um dos grandes domínios da Sociolinguística. Segundo o autor, as representações são partilhadas, constituindo, assim, a base do núcleo do imaginário linguístico e etnosociocultural que influencia as práticas linguísticas.

Por sua vez, Branca-Rosoff (1996:79) não distingue representações sociolinguísticas de imaginários linguísticos:

“Les notions de représentation et d’imaginaires langagiers désignent l’ensemble des images que les locuteurs associent aux langues qu’ils pratiquent, qu’il s’agisse de valeur, d’esthétique, de sentiment normatif, ou plus largement métalinguistique. Elles permettent de sortir de l’opposition radicale entre le ‘réel’, les faits objectifs dégagés par la description linguistique, et ‘l’idéologique’, les considérations normatives comme représentations fausses, représentations-écrans.”

A autora enfatiza a eficácia social das representações, a comunicação no interior de uma comunidade é assegurada por esquematizações sociais do real que constituem formas colectivas de conhecimento. Por isso faz todo o sentido que a sociolinguística se interesse por atitudes e opiniões estereotipadas que conduzem a determinadas práticas.

Nesta linha, Boyer & Lamuela (1996) defendem que as representações sociolinguísticas desempenham um peso muito importante nas políticas linguísticas e na análise de situações comunicativas conflituosas, pois estas são alimentadas por valores sociolinguísticos, atitudes, ideologias mais ou menos consensuais.

As representações aparecem também de uma forma bastante expressiva no estudo de situações de diglossia e de conflito intercultural, contextos onde normalmente se estuda a dicotomia segurança/insegurança linguística, pois, estas podem revelar a segurança/insegurança em diferentes domínios, tendo um efeito de retroacção sobre as

de insegurança linguística, introduzido por Labov em 1964, num dos seus primeiros textos que retoma em Sociolinguistic Patterns (1981). Labov usou este conceito na análise da relação entre a estratificação social e a mudança linguística. Trata-se, pois, de uma abordagem, essencialmente, intralinguística. Já Calvet (1998) considera que a insegurança linguística pode resultar não apenas da comparação entre os diferentes tipos de norma (objectiva, subjectiva e prescritiva, ver Rey, 1972, citado em Calvet, 1998: 13) e variações de uma mesma língua – variações intralinguísticas – mas também de relações interlinguísticas, sendo, por isso, produto do plurilinguismo. Ou seja está também relacionada com o estatuto e as funções das línguas em contacto.

Vimos, neste ponto, que as atitudes e as representações são trabalhadas no âmbito das ciências da linguagem sobre a designação de atitudes e representações linguisticas. Destacamos o uso deste conceito em sociolinguistica, que tomo como objecto de estudo as representações sociais sobre as línguas e sobre o uso social das línguas. Estes aspectos são importantes para o nosso trabalho, na medida em que beberemos deles para analisarmos as representações línguisticas dos professores, sujeitos da nossa pesquisa.

Em jeito de síntese, podemos dizer que, no estudo das atitudes e representações sociais as Ciências da Linguagem dão ênfase a uma perspectiva interaccionista, ou seja, ao tratamento das representações na dinâmica da (re)construção interaccional; correlacionam comportamentos e representações, uma vez que estas determinam as atitudes face ao outro e a relação entre as representações e os usos sociais das línguas, o que iremos também ver no âmbito da didáctica de línguas.