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5. ORGANIZAÇÕES HOSPITALARES

5.2. A ORGANIZAÇÃO HOSPITALAR NA ATUALIDADE

Nos últimos anos tem-se assistido a uma transformação profunda nos sistemas de saúde no mundo. Novos conhecimentos médicos, diferentes abordagens terapêuticas, a conscientização por parte das populações acerca dos fatores de risco de agravo à saúde e a crescente incorporação de novas tecnologias à prática assistencial têm possibilitado a extensão do atendimento a situações que eram, antes, insolúveis. O investimento no desenvolvimento de novas tecnologias e fármacos, com capacidades de resolução diagnóstica e terapêutica mais efetivas, por parte de setores industriais envolvidos com a saúde, tem se acentuado, especialmente, nas sociedades desenvolvidas onde a exigência dos usuários sobre o sistema introduziu a necessidade de novas formas de atuação e a revisão do modelo de produção de serviços médico- assistenciais (ANDREWS, 1999; BARBOSA, 1995). De acordo com BARBANTI (2000):

"Uma das indústrias com maior velocidade de mudanças é, sem dúvida, a da saúde. O crescimento tecnológico de ponta e a disponibilidade de recursos de maior custo, ao lado do aumento da demanda, causada tanto pelo aumento da oferta (comportamento próprio da área da saúde) quanto pela maior expectativa de vida, vem aumentando os gastos envolvidos na prestação de serviços de saúde."(p.10).

Fatores como o envelhecimento da população, a queda nas taxas de natalidade e fertilidade, a urbanização, o aumento da violência, a complexidade do perfil nosológico das populações , o aumento da freqüência de doenças crônico-degenerativas, o aumento do desemprego e as distorções das distribuições de renda tornam-se, cada vez mais, parte das preocupações com que os responsáveis pelo planejamento da saúde têm que se defrontar. Nesse contexto, a concentração dos serviços de saúde na instituição hospitalar passa a ser questionada. De acordo com PORTER O'GRADY (1995), a revisão do modelo assistencial moderno deve levar em consideração o alto grau de complexidade da sociedade, as exigências por qualidade e os custos crescentes relacionados à área da saúde. Finalmente, os gestores devem

planejar para que um número cada vez maior de pessoas tenham acesso às instituições da saúde.

Neste cenário, emergem tendências de reorganização da assistência que privilegiam novos valores e conceitos e influenciam as formas tradicionalmente adotadas. É relevante, por exemplo, citar os movimentos em direção à adequação dos custos, à valorização da evidência no exercício médico, ao desenvolvimento de novas formas de atendimento extra-hospitalares, à redução do número de leitos hospitalares, à busca de tecnologias de alta capacidade resolutiva ambulatorial e à participação da sociedade na discussão de formas mais econômicas e efetivas de atuação das instituições da saúde. Da mesma forma, a discussão que se estabelece acerca dos papéis reservados aos principais profissionais envolvidos no processo de assistência da saúde faz emergir questões que envolvem o reposicionamento da sociedade em relação aos aspectos funcionais do sistema e aos seus mecanismos reguladores da qualidade e da segurança. É possível identificar, pelo menos, sete novas tendências decorrentes desta nova concepção:

(1) O controle das formas de financiamento da atividade, seja ela predominantemente pública ou privada, visando o atendimento de princípios gerais de utilidade e adequação dos serviços às necessidades da sociedade;

(2) O controle da qualidade dos serviços prestados a partir da perspectiva dos prestadores, dos usuários e dos administradores;

(3) O monitoramento do parque de tecnologia para maximizar sua efetividade;

(4) A revisão das formas e conteúdos dos processos de educação e formação dos profissionais de saúde;

(5) A inserção de novas formas de abordagem terapêutica dentro de um princípio de continuidade do cuidado, com estratificação das atividades de prevenção, atuação sobre a doença, reabilitação e re-inserção social;

(6) O estabelecimento de um novo papel para a mídia que, ao se envolver em questões relacionadas ao setor, assumiria uma função educadora e de formação de opinião.;

(7) O redesenho do papel do poder público, que passa a ter uma função eminentemente reguladora e disciplinadora das relações entre os agentes.

Cabe apresentar a seguir as características gerais dos elementos participantes do sistema de saúde na atualidade.

O Paciente/ Cliente do Sistema:

Saúde é um bem intangível. Somente percebe-se sua importância e valor quando o equilíbrio na dinâmica saúde-doença é rompido. A saúde vincula-se diretamente à capacidade que os indivíduos têm de manter sua sobrevivência e a continuidade da sua espécie (CHAVES, 1982). Os avanços da ciência médica e a melhoria das condições de vida resultaram em mudanças significativas nas composições das populações (ANDREWS, 1999).

Os pacientes (ou clientes) passam a apresentar profundas mudanças em seus comportamentos. O aumento da concentração urbana, as mudanças de hábitos de consumo e as mudanças na distribuição de renda levam os indivíduos a uma maior preocupação com os aspectos físicos que influenciam o seu bem- estar. Adicionalmente, as possibilidades de maior acesso às informações sobre a saúde, a doença e seus desequilíbrios tornam os indivíduos mais conscientes e isto, aliado a uma revisão dos conceitos do direito do consumidor, faz emergir uma nova postura individual com relação à atuação do sistema de saúde (BAIG, 1994).

Tradicionalmente, o médico era visto pela sociedade como uma entidade semidivina e inacessível. Entretanto, esta percepção vem sendo alterada uma vez que o paciente está adquirindo capacidade para questionar e criticar as atitudes e práticas dos profissionais na área da saúde. Como resultado, a sociedade está desenvolvendo mecanismos de gerenciar estas relações com uma ênfase acentuada na mediação e aferição da qualidade e da ética (BARBOSA, 1995, PICCHIAI, 1998). O paciente/cliente deixa de assumir uma

posição passiva e passa a interferir diretamente nos processos aos quais é submetido. Conseqüentemente, observa -se um aumento no nível de responsabilidade esperado dos profissionais da saúde. Neste contexto, modelos sofisticados de gerenciamento de riscos por má-prática estão sendo incorporados na atividade.

O Hospital

O hospital constitui a organização central da assistência à saúde pela concentração de recursos e competências específicas de atendimento, sendo o médico o principal tutor da assistência. A relação que se estabelece entre paciente e a organização hospitalar é de dependência, e este fenômeno está nas raízes do sentimento opressivo associado ao ambiente hospitalar. Entretanto, com o desenvolvimento de novas abordagens, muitas práticas coercitivas das instituições hospitalares passam a receber críticas de seus próprios profissionais. Assim, está em curso o desenvolvimento de um novo modelo de atendimento em que novos princípios assumem relevância (ANDERSON, 1992), tais como:

(1) O privilegio da atenção ambulatorial e domiciliar;

(2) A redução dos tempos de internação e o gerenciamento dos fatores de riscos a ela associados;

(3) A inserção, na pesquisa médica e de tecnologia, de parâmetros que enfoquem o atendimento fora do ambiente hospitalar;

(4) A instituição de um novo desenho legal que promova o respeito a padrões de comportamentos éticos, especialmente em relação à vontade do paciente e ao seu direito de informação;

Estes princípios estão promovendo uma revolução dos costumes dos profissionais de saúde, especialmente na medicina. A profissão médica tem se constituído, por razões técnicas e históricas, na profissão de saúde mais valorizada. Todas as medidas e comportamentos observados nos profissionais de saúde são regularmente orientados pelo profissional médico. No ambiente

do hospital, reserva-se ao médico o papel de herói institucional (LANDMANN, 1986).

Entretanto, é importante reconhecer que as mudanças em curso também têm possibilitado o aparecimento de um novo traço na organização hospitalar: a atuação de outros profissionais da saúde em um trabalho de equipe multidisciplinar. Isto ocorre em função do aumento da complexidade das tarefas decorrente da introdução de novas tecnologias. Desta forma, torna-se impossível o médico responsabilizar-se por toda a operação e controle da assistência (TONGES,1992).

O poder público

Como agente regulador o poder público tem se pautado, desde a última década, pela criação de legislação modeladora e reguladora do comportamento dos demais agentes do sistema. Por exemplo, pode-se mencionar a reforma legal do sistema supletivo de saúde e a criação da AnVisa-Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que possui poderes para fiscalização de produtos usados na área da saúde. O principal objetivo das medidas do poder público nos últimos anos tem sido o de disponibilizar para a sociedade mecanismos que permitam o exercício do controle das atividades dos diversos agentes do setor da saúde.

A fonte financiadora

No Brasil, é possível identificar três formas de financiamento do sistema de saúde. O Sistema Único de Saúde – SUS, financiado pelo Estado, o Sistema Supletivo de Assistência, financiado pelo recolhimento de contribuições contratadas e o auto-financiamento. A coexistência desses modelos em um mesmo mercado de assistência é responsável por uma série de desvios funcionais.

O Estado tem uma capacidade limitada de inversão de recursos no sistema em razão das suas opções econômicas. Pode-se observar uma tendência de privatização das ações de saúde através de alavancagem do sistema supletivo que está quase totalmente vinculado ao ambiente da produção (cerca de 70%

dos planos de saúde relacionam-se a empresas e trabalhadores da economia formal).

As organizações financiadoras, em conseqüência das mudanças ocorridas, passam a incorporar (o Estado inclusive) novas formas de financiamento tentando obter uma redução dos custos com os serviços prestados. A utilização de ferramentas estatísticas, de economia da saúde e de medicina baseada em evidências desemboca em novas práticas como, por exemplo, o Managed

Care (atendimento gerenciado) e a capitation, em que a organização da saúde

recebe um valor mensal pré-determinado de acordo com o número de beneficiários (TERRA, 2000). Os aspectos relacionados à qualidade da assistência e da obtenção de resultados benéficos para o paciente passam a ter uma importância secundária neste novo modelo que se volta, principalmente, para redução de custos e obtenção de lucratividade.

A indústria farmacêutica

Um dos setores onde ocorrem os maiores investimentos em pesquisa e desenvolvimento no mundo é o químico-farmacêutico. O setor é dominado por poucos grupos multinacionais, predominantemente de origem européia e americana. O volume de lançamentos de novos produtos é regulado, nestes países, por agências públicas que controlam a eficácia e a efetividade dos produtos oferecidos ao mercado. As sociedades onde se localizam as matrizes desses grupos multinacionais conseguiram atingir um estado rigoroso de regulação da atividade de validar e aceitar fármacos. Outro dado relevante é que, nestes países, as leis de patente e propriedade industrial acabam por limitar o tempo de exclusividade a quinze (15) anos de registro. Dado um tempo médio longo de liberação dos medicamentos essas indústrias usufruem de preços elevados por um período relativamente curto, após o qual passam a sofrer a concorrência de laboratórios especializados na produção de genéricos de equivalente eficácia.

A indústria médico-hospitalar

À semelhança do que ocorre na indústria farmacêutica, a área de tecnologia médica também apresenta uma forte concentração de empresas

multinacionais. A diferença é que nesta área as empresas mais importantes são da indústria médico-hospitalar e a saúde não constitui seu principal negócio. O investimento em pesquisa e desenvolvimento é também elevado e um dos objetivos estratégicos dessas empresas ao investirem nestas áreas é a melhoria de sua imagem.

A incorporação de tecnologia, quer diagnóstica, quer terapêutica foi uma das áreas da assistência que passou pelas maiores trans formações nos últimos anos. A obsolescência dos equipamentos reduziu seus ciclos de vida para períodos muito curtos exigindo uma renovação contínua do parque tecnológico por parte de hospitais e laboratórios. A veiculação pela mídia das novidades tecnológicas fez crescer a demanda por novos métodos o que, em torno, encareceu drasticamente a assistência. Por outro lado, a tecnologia também tem propiciado, especialmente nos últimos anos, uma mudança acentuada no modelo de atendimento permitindo a redução da permanência em hospitais e o crescimento do atendimento ambulatorial, permanecendo no hospital, apenas, os tratamentos e procedimentos de maior complexidade (SOEIRO, 2000).