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4. TECNOLOGIA E ORGANIZAÇÃO

4.4. CULTURA ORGANIZACIONAL

4.4.2. Cultura Organizacional e Simbolismo

Mary Jo Hatch (1993) em seu artigo The Dynamics of Organizational Culture argumenta que o modelo de SCHEIN (1984) é relevante, porém, poderia ter sua utilidade ampliada se a ele fossem incorporadas idéias da perspectiva simbólico-intepretativa. A autora defende duas mudanças fundamentais no modelo apresentado por SCHEIN (1984). Em primeiro lugar, a introdução de símbolos como mais um elemento cultural, em adição aos artefatos, valores e pressuposições básicas. Em segundo lugar, uma mudança do foco de análise

dos elementos para os processos que descrevem suas inter-relações. Neste contexto, HATCH (1993) definiu quatro processos chave: manifestação, realização, simbolização e interpretação.

HATCH (1993) propõem, também, uma revisão do conceito de dinamismo apresentado por SCHEIN (1984). O autor considerou o dinamismo de acordo com os processos de liderança e o processo de socialização e argumentou que os valores dos fundadores são ensinados aos novos membros das organizações e, se validados com sucesso (ex. sobrevivência da organização ao invés de falência), passam por um processo de transformação cognitiva que os transforma em pressuposições básicas. Conforme a descrição que segue:

"…as pressuposições básicas são respostas aprendidas que iniciam a partir de valores. Quando um valor condiciona um determinado comportamento, e quando este comportamento começa a solucionar problemas que os incitaram, o valor é gradualmente transformado em uma pressuposição básica de como as coisas realmente são. Conforme as pressuposições básicas tornam-se mais e mais automáticas, passam para o inconsciente…"(SCHEIN, 1984, p.4).

HATCH (1993), por sua vez, faz uso de um conceito de dinamismo cultural que se originou na antropologia e incorpora a dialética da mudança e da estabilidade (ex. através de difusões tecnológicas, inovações, resistência a mudança, etc.). A autora sugere que a cultura organizacional é constituída pela dinâmica dos processos de manifestação, realização, simbolização e interpretação, conforme demonstrado na figura 4.2.

FIGURA 4.2: Modelo Cultural Dinâmico

Fonte: HATCH (1993, p. 660).

Os processos ocorrem simultaneamente e de forma contínua para produzir e reproduzir a cultura, tanto na sua forma estável quanto na sua condição de mudança. Para HATCH (1993) nenhum processo poderá ser considerado isoladamente; cada um requer a perspectiva dos outros para ser inteiramente compreendido. Os processos foram definidos pela autora e podem ser resumidos deste modo:

(1) Manifestação: este processo representa as inter-relações entre as pressuposições básicas e os valores. Constitui as expectativas de "como deveria ser", expressa em uma lista de valores culturais. As expectativas, uma vez traduzidas em valores, podem ser incorporadas ao processo de realização e servir como um referencial para a atividade organizacional. A manifestação pro-ativa (de pressuposições para valores na figura 4.2.) é um ato de imaginação através do qual uma expectativa com relação a uma situação é produzida pela cognição, pela emoção e pela percepção e é sustentada por pressuposições culturais. A manifestação retro-ativa (de valores para pressuposições na figura 4.2.) atualiza pressuposições para alinhar valores que são reconhecidos dentro da cultura. A manifestação retro-ativa alimenta ainda o processo de interpretação retrospectiva. (2) Realização: este processo representa as inter-relações entre os valores e os artefatos. A realização pro-ativa (de valores para artefatos na

figura 4.2.) reflete a transformação de expectativas e valores culturais em artefatos através da ação (ex. rituais, historias organizacionais, objetos físicos, tecnologias, procedimentos operacionais, reuniões de equipe, etc). De acordo com HATCH (1993), a realização pro-ativa pode ser definida assim:

"… a realização pro-ativa é o processo pelo qual a atividade influenciada pela cultura produz artefatos, de forma que um determinado grupo de valores ou expectativas recebem algum grau de representação em formas tangíveis. A representação da expectativa em artefatos será sempre imperfeita em função de haver influencias não culturais no comportamento organizacional (ex. genética, idiossincrasias, etc.). Logo, as atividades e os artefatos que uma organização produz estão embutidos de valores culturais mas não o representam de forma inequívoca. O processo de realização ajuda a explicar as dificuldades de identificar, de forma analítica, os valores a partir de uma coleção de artefatos…" (HATCH, 1993, p.664).

A realização retroativa, por sua vez, analisa as contribuições post hoc de artefatos a valores e expectativas (de artefatos para valores na figura 4.2.). Em geral, este processo diz respeito ao realinhamento de valores e expectativas em função da introdução de novos artefatos na cultura, como por exemplo, a tecnologia. Na perspectiva de HATCH (1993), a introdução de uma nova tecnologia, em um primeiro momento, representaria a materialização de expectativas e valores culturais de determinados grupos, como o gerencial e o de desenvolvimento. Em um segundo momento, no entanto, seria percebida como um novo artefato por grupos operacionais que não participaram de sua definição e seu desenho. Os grupos operacionais poderiam, então, aceitá-la, rejeitá-la ou ignorá-la. De qualquer foram, a mesma tecnologia passa a ser alvo de um processo de realização retroativa para redefinição e ajuste de valores e expectativas. (3)Simbolização: SCHEIN (1984) considerou que os símbolos estavam incluídos nas categorias dos artefatos. Porém, na perspectiva do modelo dinâmico de HATCH (1993), os símbolos representam algo a mais do que os artefatos. Para a autora, através dos símbolos, os membros da organização podem agregar significados aos objetos físicos, além do

significado literal já existente. Este significado adicional, que é produzido pelo processo de simbolização, HATCH (1993) denominou de significado excedente (surplus meaning).

Uma vez realizado, o artefato transforma-se em uma forma objetiva com um significado literal. Na seqüência, o processo de simbolização prospectivo (de artefatos para símbolos na figura 4.2.) vincula um artefato a experiências que estão além do domínio literal (ex. experiências passadas, histórico pessoal, percepção do grupo, etc.). De acordo com o modelo cultural dinâmico de HATCH (1993), as formas objetivas tornam- se reais através de ações influenciadas pela cultura e, uma vez realizadas, estão disponíveis para serem apreendidas intelectualmente, através do processo de simbolização (e interpretação, que será discutida a seguir). A autora sugere, portanto, que os artefatos devem ser traduzidos para símbolos para que possam ser percebidos como objetos, discursos e eventos possuidores de significado cultural.

Na perspectiva do modelo cultural de HATCH (1993), nem todos os artefatos possuem o mesmo tratamento dentro do campo simbólico. Através do processo de simbolização prospectiva, determinados artefatos adquirirão maior significado junto aos membros organizacionais do que outros. Logo, o processo de simbolização retrospectiva (de símbolos para artefatos na figura 4.2.) faz aumentar a consciência do significado literal de determinados artefatos. Segundo a autora:

"… a simbolização envolve uma extensão da consciência além do campo literal. Ela traduz alguns artefatos em símbolos e projeta aqueles que utilizam um artefato como símbolo para o campo simbólico. No campo simbólico, o significado excedente é agregado, e por vezes domina a consciência que os membros possuem da forma objetiva e do significado literal…" (HATCH, 1993,p.672).

(4)Interpretação: Os processos, retrospectivo e prospectivo, de interpretação, indicados na figura 4.2., representam o círculo hemenêutico da Teoria Interpretativista. Isto é, a interpretação move -nos constantemente entre o conhecimento existente (pressuposições básicas) e a possibilidade de desenvolver novos significados para os símbolos

(inerentes, mas não dormentes, nos símbolos). Na perspectiva da dinâmica cultural de HATCH (1993), a interpretação retrospectiva reconstrói símbolos a partir de uma referência cultural existente (pressuposições básicas) ao mesmo tempo em que a interpretação prospectiva revisa as pressuposições em termos dos símbolos criados através da experiência. Ou seja, as pressuposições básicas são constantemente desafiadas pelo resultado simbólico das novas experiências. Ao mesmo tempo, os significados dos símbolos são continuamente revisados pela realimentação do processo de interpretação.

Na perspectiva da autora, a união dos processos descritos acima representa duas rodas que giram em direções opostas continuamente. No sentido horário, há o processo proativo/prospectivo que, segundo HATCH (1993), "…constrói o

mundo físico uma vez que a cultura, e não a natureza, influencia a realização da experiência…" (p.686). No sentido anti-horário, há o processo

retroativo/retrospectivo que, na descrição de HATCH (1993), …"produz o

contexto histórico através do qual os membros das organizações retiram sentidos que oferecem significado às suas vidas e suas geografias" (p. 686).

As duas rodas giram simultaneamente, de forma que cada processo influencia e é influenciado pelo outro.

A principal contribuição de HATCH está na sua capacidade de reunir, em um único modelo, idéias do paradigma funcionalista e do paradigma interpretativista (BURRELL e MORGAN, 1979), para fornecer uma nova perspectiva à análise organizacional. Na opinião da autora, a distinção entre a visão objetivista (paradigma funcionalista) a visão subjetivista (paradigma intepretativista) continua sendo importante, pois fornecem duas apreciações diferentes da realidade. Por exemplo, a teoria da contingência e o modelo de cultura de SCHEIN (1984) representam uma perspectiva objetiva da realidade, enquanto teorias baseadas nas idéias de construção social da realidade (DAFT e WEICK, 1984; WEICK, 1995a) representam uma perspectiva subjetiva da realidade. No entanto, através de seu modelo, HATCH (1993) buscou desenvolver uma ponte entre os dois paradigmas para enriquecer a discussão sobre cultura e análise organizacional.

Segundo a autora, os símbolos e valores representam o elo de comunicação entre o objetivo e o subjetivo. Por um lado, esses elementos permitem a elaboração de teorias objetivistas por sua relação com os artefatos, que são materializados através da atividade externa ao indivíduo. Os símbolos e valores permitem, ainda, a elaboração de teorias subjetivistas, pois relacionam-se com as pressuposições básicas que não têm qualquer vínculo com o mundo externo.

Portanto, a contribuição de HATCH (1993) reside na sua capacidade de desenvolver um elo de comunicação entre as teorias organizacionais objetivistas e subjetivistas. Desta forma, a autora criou um referencial de análise organizacional mais satisfatório. Seu modelo permitirá-nos desenvolver uma análise sobre os impactos das novas tecnologias nas organizações a partir de uma perspectiva interpretativista (ZUBOFF, 1988; WEICK, 2000) sem, no entanto, desconsiderar aspectos relevantes das teorias apresentadas nas seções anteriores.

Nas seções seguintes, serão discutidos os trabalhos de Shoshana ZUBOFF (1988) e de Karl WEICK (2001) que analisam detalhadamente as conseqüências de novas tecnologias para as organizações. Os autores, em suas pesquisas, apontam para resultados semelhantes que evidenciam a necessidade de se utilizar um referencial teórico mais amplo que o paradigma objetivista. Ambos demonstram que as novas tecnologias, por si só, não são capazes de transformar as organizações mecânicas em orgânicas, como previam os autores da Teoria da Contingência (WOODWARD, 1965; PERROW, 1967).

Em primeiro lugar, a lógica da Administração Científica parece ter se enraizado nas pressuposições básicas, nos valores, nos artefatos e nos símbolos de um grande número de organizações, impedindo sua transformação com a implementação de novas tecnologias. Em segundo lugar, as novas tecnologias, caracterizadas pelo uso do meio eletrônico, apresentam uma dimensão abstrata que exige dos indivíduos um maior esforço intelectual e emocional para interpretá-la e desenvolver significados. Em terceiro lugar, os autores apresentam evidências que comprovam que a tecnologia simultaneamente

afeta e é afetada pelo ambiente organizacional, ou seja, não é neutra como previam os teóricos da Teoria da Contingência. Finalmente, as teorias objetivistas não têm sido capazes de explicar a totalidade dos efeitos adversos oriundos da adoção de novas tecnologias por parte das empresas.