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5. ORGANIZAÇÕES HOSPITALARES

5.1. HISTÓRICO

A palavra hospital vem do latim hospitium, que significa lugar onde se hospedam pessoas. Os primeiros hospitais de que se tem memória datam do ano 400 D.C. na Itália e foram criados como locais de isolamento onde a caridade se exercia como um dos aspectos do cristianismo em busca de salvação espiritual. Os pacientes atendidos eram pobres, mulheres desamparadas, velhos e doentes crônicos. As pessoas com maior poder aquisitivo eram tratadas em seus domicílios e, portanto, a relação médico- paciente dava-se fora do ambiente hospitalar (GONÇALVES, 1983), ou seja, havia uma dicotomia entre medicina e hospital.

Segundo FOUCAULT (1979b), o hospital, como é conhecido na atualidade, é conseqüência de uma série de ocorrências históricas que atuaram sobre o modelo de assistência originalmente desenhado. Na Idade Média, o principal objetivo das organizações hospitalares, que possuíam vínculos estreitos com organizações religiosas e de caridade, era dar suporte aos moribundos e aos pobres desamparados. Para o autor:

"…o personagem ideal do hospital, até o século XVIII, não é o doente, portador de doença que é preciso curar, mas o pobre que está morrendo. É alguém que deve ser assistido material e espiritualmente, alguém a quem se deve dar os últimos cuidados e o último sacramento. Esta é a função do hospital." (FOUCAULT, 1979b, p. 101). Logo, as principais características dos hospitais na idade médica podem ser resumidas como segue:

(1) Local para segregação e confinamento dos doentes, em geral pobres e desamparados, que poderiam contagiar o restante da população;

(2) Exercício de controles da propagação de doenças de populações de excluídos e de populações urbanas que estivessem em sua região de atuação;

(3) Pessoas não médicas, responsáveis por oferecer aos doentes um conforto espiritual no final da vida, eram os principais detentores de autoridade e poder nos hospitais;

(4) O profissional médico raramente participava da assistência no local do hospital. Sua atividade era, fundamentalmente, domiciliar e ambulatorial. A prática médica dos séculos XVII e XVIII, por sua vez, era não-hospitalar, individualista e sem justificação científica. O profissional médico era formado pela corporação dos médicos que lhe expunha alguns textos e receitas. A experiência hospitalar estava excluída da formação do médico e o que o qualificava na profissão era a transmissão de receitas e não o campo de experiências vivenciadas, assimiladas e integradas por ele. Logo, nada na prática médica dessa época permitia a organização de um saber hospitalar e ambos permaneceram separados até final do século XVIII (FOUCAULT, 1979b).

Segundo FOCAULT (1979b), o hospital, na condição de instrumento terapêutico, é uma invenção relativamente nova, datando do final do século XVIII. A percepção social de que o hospital pode e deve ser um recurso destinado a curar aparece claramente em torno de 1780 e é assinalada por uma nova prática: a visita e a observação sistemática e comparada dos hospitais. Assim partir do século XVIII, uma série de acontecimentos permitiu que a medicina hospitalar se desenvolvesse. Estes acontecimentos podem ser resumidos como segue (FOUCAULT, 1979b):

(1) A reorganização dos hospitais militares e marítimos, visando manter um controle mais eficaz da recuperação dos soldados e marinheiros, reduzir o tempo de internação dos mesmos e eliminar a desordem sócio- econômica de suas organizações hospitalares;

(2) A introdução de mecanismos disciplinares no espaço do hospital permite um controle e gestão do ambiente e das pessoas;

(3) A medicina recebeu o status de ciência e houve uma reorganização da prática médica. Como conseqüência, os profissionais da área passaram a buscar relações causais das afecções mais prevalecentes;

(4) A reorganização do espaço interno do hospital, que permitiu a separação dos doentes visando a individualização do tratamento;

(5) Instituiu-se o processo de registros e documentação das internações e foram desenvolvidos métodos para comparar as condutas adotadas por diferentes médicos no âmbito do hospital;

(6) O desenvolvimento de estudos sobre fluxos operacionais intra- hospitalares e suas relações com a evolução das principais doenças letais da época.

Desta forma, quando o hospital passa a ser concebido como um instrumento de cura e os espaços são distribuídos para torná-lo um recurso terapêutico, o médico torna-se o principal responsável pela organização hospitalar, substituindo os religiosos, antes detentores de poder neste tipo de organização. Com o avanço do conhecimento na área da medicina e dos controles dos registros de internações, a formação do profissional médico passa a basear-se na experiência clínica e no desenvolvimento de métodos para comparação entre os tratamentos adotados. Segundo FOUCAULT (1979b) "…o grande

médico de hospital, aquele que será mais sábio quanto maior for sua experiência hospitalar, é uma invenção do final do século XVIII…" (p. 110). A

centralização do poder no médico se expressa-se no ritual da visita através do qual o médico avalia o estado do paciente e direciona o trabalho dos outros profissionais da organização, os assistentes, alunos e enfermeiras. O hospital deixa de ser um local para se morrer e passa a ser um lugar para curar e para formar médicos.

O indivíduo e a população são dados simultaneamente como objetos de saber e alvos de intervenção da medicina, graças à tecnologia hospitalar. Para FOUCAULT (1979b), a medicina moderna é uma medicina social, já que ao tratar um doente coletam-se informações que permitem realizar generalizações e descobertas acerca das doenças que afetam populações. Esta medicina hospitalar, que se consolida no século XIX, tem, no capitalismo moderno, um papel importante de preservação do corpo, ou seja, de preservação da força produtiva.

Os avanços da tecnologia e da medicina científica, no final do século XIX e início do século XX, revolucionaram o papel e as funções do hospital, que se transformou na mais importante instituição para tratamento das enfermidades. Adicionalmente, os hospitais desenvolveram condições financeiras e tecnológicas para oferecer ao médico uma infra-estrutura que não poderia ser deslocada à residência dos pacientes (GONÇALVES,1983).

A partir do século XX, a sociedade desenvolve uma preocupação com o bem- estar e a saúde de seus membros. Neste contexto, o hospital passa a servir toda a comunidade e torna -se o principal estabelecimento de prestação de atenção médica à sociedade moderna. As organizações hospitalares desenvolvem uma abordagem mais abrangente que inclui não apenas soluções para problemas de saúde de pacientes individuais, mas também soluções para problemas da saúde da comunidade.

No Brasil, a história da criação dos hospitais seguiu o mesmo modelo observado em sociedades européias. A primeira instituição hospitalar surgiu ainda no século XVI, com a criação da Santa Casa de Misericórdia de Santos, que era semelhante aos hospitais e sanatórios então existentes na França e em Portugal (MIRSHAWKA, 1994). Este modelo pressupôs a participação de segmentos da sociedade relacionados à Igreja Católica, cujas motivações foram influenciadas pela ética judaico-cristã. A elite econômica e social do país constituía a principal fonte financiadora dos serviços de assistência à saúde. Este grupo visava, através de doações e trabalho voluntário, atingir uma compensação moral e religiosa para seus pecados.

Atualmente, podemos identificar três tipos principais de organizações hospitalares no Brasil: os hospitais públicos, os hospitais filantrópicos e sem fins lucrativos e os hospitais com fins lucrativos. Esta classificação leva em consideração o caráter de propriedade da organização, sendo o primeiro grupo ligado ao poder público de qualquer instância, o segundo ligado às instituições mantenedoras sem fins lucrativos, em geral instituições ou comunidades religiosas e o terceiro ligado à iniciativa privada.