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2. A Categoria do Transpessoal em Pierre Weil e Leonardo Boff: Estados de Consciência na Integração da Natureza Humana

2.3. A paz: uma prática do pessoal, social e ambiental

Considerando que a paz na sua manifestação plena se refere a mudanças de estados de consciência, a categoria transpessoal será aqui entendida como uma cultura de educação para a paz.

Pierre Weil descreve que a paz é um estado de harmonia que se manifesta em três direcções: consigo mesmo ou paz individual; com os outros ou paz social; com a natureza ou paz ambiental.32 Desta forma determina os três pilares como método educativo para criar uma cultura de paz tendo como base a transdisciplinaridade33, e é desta axiomática que, segundo o autor, nasce o novo paradigma, sobre o qual afirma que: “A existência de vários níveis de Realidade estão articulados com vários níveis de Consciência.”34 Especificamente podemos

32

P. Weil, [PC] (2006, p. 28). 33

P. Weil, [RNT] (1993. p. 30). A transdisciplinaridade representa as ligações no interior de um sistema total sem fronteiras estáveis entre as disciplinas.

34

O autor adopta a seguinte fórmula para este princípio: VR=F (EC). A Vivência da Realidade (R) é a Função (F) do Estado (E) de Consciência (C).

confirmar que a consciência, enquanto a compreensão da totalidade da psique, manifesta-se em vários processos evolutivos da realidade humana:

“Além do nível físico que é vivenciado no estado de Consciência de Vigília, existem outros níveis de Realidade, mais especialmente o nível de realidade transpessoal, vivenciado no estado de Consciência Transpessoal, fora do tempo e do espaço e além da dualidade sujeito-objeto.”35

Posto isto, levanta-se a hipótese de se romper os limites do presente, do passado e do futuro para assim se viver numa espécie de eterno ‘aqui-agora’. No estado em que não há mais um Eu e um Tu, mas a extensão de um Nós, é este terceiro factor que se mostra como a fusão do encontro e que promove em si a manifestação do aspecto Transpessoal (Pessoa- Sociedade-Natureza-Ambiente), sinónimo de singularidade e pluralidade, de unidade e multiplicidade. Entramos, então, no problema da individualidade da alma.

O Transpessoal em relação ao seu estado de consciência é uno, mas em termos de humanidade, de comunidade biótica – isto é, da natureza e do ambiente planetário nos seus mais distintos ecossistemas e manifestações de vida, seja ela representada por elementos deste ou de outros mundos, dos seus aspectos conscientes e inconscientes, sensoriais ou extra- sensoriais, planetário ou interplanetário, objectivo-material ou subjectivo cósmico-etérico, no caso da realidade dos símbolos, arquétipos e mitos – é também múltiplo, pois é nas diversas culturas, etnias e nos diferentes saberes que a diversidade cria o seu campo de actuação e a possibilidade de acesso ao transpessoal.

Mas o que vivenciar e trazer do outro lado do ‘véu’ que separa a realidade do mundo cognoscível do mundo real, noético e onírico; haverá do outro lado uma nova visão que possa trazer o reconhecimento do ser em plena paz com a sociedade e com o ambiente em que vive?

Sair do modelo egóico e entrar na prática altruísta para uma maior equidade humanitária nas três esferas – pessoal, social e ambiental – ou no equilíbrio destas três pessoas – Eu, Tu e Nós – é uma proposta à qual os autores dão grande relevância pela importância que dão ao colectivo, ao social e ao encontro entre as pessoas nas suas obras. Leonardo Boff fala do relacionamento humano da seguinte forma:

“No encontro do homem e da mulher faz-se a experiência de algo que é sempre anterior que não é a subjectividade de um eu e de um tu, mas que é algo transpessoal, vale dizer, o modo originário do ser humano que existe sempre como varão e mulher, como um pelo outro, com o outro, contra o outro, no outro e para o outro.”36 35 Op.cit., p. 32. 36 L. Boff, [RMD] (1986, p.55).

O transpessoal no relacionamento depende do encontro que se dá na experiência vivida e na junção entre o feminino e o masculino, primeiro individualmente e depois em ambos. L. Boff afirma que “na bipolaridade masculino/feminino há também uma experiência religiosa, uma experiência espiritual ligada a sexualidade”37. Destaca assim a inter-subjetividade humana: “Importa entender o masculino e feminino sem identificar masculino com homem e feminino com mulher.”38 O autor refere-se aos conceitos de C. G. Jung anima e animus, que representam para a Psicologia Analítica o feminino e o masculino, como a representação inconsciente do sexo oposto.

Deste modo, para que o humano manifeste a sua presença mais saudável, é preciso que ‘cure’ o seu aspecto masculino e feminino ferido e realize a integração desta polaridade na sua personalidade, somente com esta integração será possível manifestar um estado transpessoal. Leonardo Boff39 considera a influência dos factores como cultura e o ambiente, mas defende a liberdade como a condição necessária para que o ser humano se torne ele próprio, transcendendo a natureza, que está sempre em processo e evolução e onde o ser humano realiza as suas intervenções.

Para o filósofo, esta liberdade de intervir deve ser tratada com prudência. Assim, de acordo com o psicólogo e educador aqui em estudo, L. Boff assume que a grande lição ecológica do budismo e do caminho ascético cristão reside exactamente nisso: “Precisamos aprender a limitar colectivamente nossos desejos.” Ressalta ainda que isto constitui o desafio para toda a ecologia profunda das qualidades do coração humano. “Reconciliado consigo mesmo (ecologia mental), o ser humano pode, sem coerção, conviver com seus semelhantes (ecologia social), e também com todos os demais seres (ecologia ambiental).”40

É desta forma que também P. Weil sintetiza esta triangulação da ecologia considerada por ambos os autores, representada na imagem (cf. Anexo III), que, ao contrário da roda da destruição tratada anteriormente, se propõe como a tentativa de um processo para reverter tal desagregação, que é em si uma possibilidade de transformação.

Como um ponto sumular do que até aqui foi apresentado, importa questionar se, para expressar realmente a sua liberdade, uma pessoa terá de estar em profunda paz com os três 37 L. Boff, [MF] (2007, pp. 52-53). 38 Ibidem, p. 60. 39 L. Boff, [EME] (2000, p.74). 40 Ibidem, p. 78.

processos descritos, realizando-se, deste modo, a sua dimensão transpessoal. Pode-se observar que temos no núcleo a essência da paz e na última extremidade a consciência, que revela a realidade pessoal, social e ambiental. A próxima figura simboliza a roda da paz como um resultado da transformação, a arte de viver em paz é um resultado do autoconhecimento e da paz interior (cf. Anexo IV).

Considerando que na actualidade ocorre um fenómeno de desintegração da realidade, a integração da paz pessoal, social e ambiental seria uma alternativa de elaboração de uma nova realidade, isto é, uma reeducação da consciência por ampliação da visão? Um estado de consciência transpessoal ajudaria na resolução da actual inversão de valores e desintegração da realidade? É este o tema que será abordado no próximo tópico.