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Capítulo II – A Continuidade do Caminho: A Natureza dos Elementos Transpessoais

5. Mitologia na Crise da Pessoa Humana

5.1. Elementos da Natureza e Funções Psíquicas

Como já vimos no subcapítulo anterior, a psicologia junguiana fundamenta as funções psíquicas (f.p.) em conformidade com os quatro elementos da natureza, pensamento-ar, intuição-fogo, sentimento-água, sensação-terra. Estes elementos mantêm uma representação arquetípica correspondente, que varia de acordo com a mitologia de cada cultura. Assim, podemos citar alguns dos seguintes símbolos totémicos dos índios norte-americanos – para o ar a águia, para a terra o lobo. Em mitologias significativas, como a do Oriente, encontra-se o fogo como a manifestação do dragão; para os Celtas, a água representa o cálice sagrado. Todos estes elementos aparecem de modo transversal na história da humanidade espelhando a sua variável étnico-cultural. Como bem afirma L. Boff, “as coisas todas estão em nós como imagens, símbolos e valores. O sol, a água, o caminho, as plantas e os animais vivem em nós como figuras carregadas de emoção e como arquétipos”158.

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Considera-se como xamanismo especificamente os nativos norte americanos, os povos da Sibéria e a tradição referente a magia natural Celta.

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P. Weil, [RNT] (1993. p.30). (“ligações no interior de um sistema total sem fronteiras estáveis entre as disciplinas”, O trans-religioso para esta dissertação designa o buscar da espiritualidade inerente ao Ser e além das religiões).

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As antigas tradições utilizavam as diversas representações da natureza como elementos vivos na sua história e mito, o que prova que a manifestação inconsciente e os arquétipos159 estavam realmente presentes na prática existencial e nos relacionamentos daqueles povos. Actualmente, a sociedade moderna não possui mais tais símbolos e arquétipos nas suas vidas práticas, porque foram obliterados do inconsciente colectivo. Será esse um dos principais motivos pelos quais as funções psíquicas se desintegraram num ambiente onde a natureza humana é o epicentro da maior crise ecológica? Estariam as f.p. a agir em detrimento dos elementos da natureza?

Nesta linha de pensamento, e segundo o Livro Tibetano dos Mortos160, no qual se descreve a passagem da alma humana pelas quatro orientações (norte, sul, este e oeste), existe uma correspondência com outras tradições sagradas, como o Xamanismo e cultos do antigo Egipto. Esta correspondência das diversas culturas é descrita por P. Weil na sua tese de doutoramento161, na qual nos revela a esfinge como uma estrutura polimórfica do humano, representada por símbolos, desde animais até às hostes celestiais, uma imensa iconografia que tem sua origem uma simbologia inconsciente e não se restringe à imagem por si mesma, acabando por ter uma influência directa na maturidade do processo evolutivo do relacionamento humano.

Para P. Weil, a personificação da energia dos arquétipos da águia (intelecto-espiritual), do leão (afectivo-emocional) e do boi (instinto-pulsões) está na base prática do relacionamento humano. Ainda segundo o autor, nesse processo evolutivo é possível chegar à natureza do sublime, a experiências culminantes que se situam na metade do caminho da experiência mística 162. Existem arquétipos específicos que favorecem experiências transpessoais? Elementos e reinos da natureza podem realizar uma integração arquetípica para a revelação da mística de um mito ou a criação de uma realidade onírica?

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Consideramos para este conceito de arquétipo a partir da sua etiologia Archein = primeiro, Tipos = forma, padrão. A psique humana traz figuras e imagens arquetípicas carregadas de fortes emoções. As experiências tanto traumáticas como inspiradoras, responsáveis pela sua longa história, em contacto com a natureza e com as suas relações ‘inter e intrapessoais’ estabelece o inconsciente na manifestação do próprio Ser. O contacto com os arquétipos da natureza, paisagens e cores, como a água, o sol, a flor e o sábio, quando profundamente vivenciados despertam em nós qualidades que exercem grande poder de acção, ganhando o imaginário mítico um aspecto de práxis, a vivência prática com a natureza.

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SAMDUP,Lama Kazi, (1980). 161

P. Weil, [EEMH] (1976). 162

Haverá no sonho nítido uma relação de manifestação com a natureza dos elementos? Consideramos os quatro elementos primordiais – ar, fogo, água e terra163. Pode-se pensar nas quatro direcções como portais do ambiente ou ainda como abertura de canais da consciência para aceder a universos, para chegar ao profundo do inconsciente que posteriomente nos leva a estados Transpessoais164? Sendo assim, estes elementos ou funções precisam de estar em sintonia e equilíbrio para alcançar a natureza do sublime? Possuem um carácter autónomo ou precisam de uma intertroca com os demais elementos-funções? Existem dimensões inexploradas da consciência, lugares a que o imaginário pode chegar e reconhecer-se a si próprio profundamente?

Com todos estes pressupostos, destaca-se o aspecto da intuição, como sendo f.p., sem passar pelos canais do pensamento lógico. Ao ser uma compreensão pura e imediata da realidade, ou ainda a percepção extra-sensorial (pré-cognição, clarividência, telepatia), acede a fenómenos psíquicos que já foram considerados do campo da Metafísica. Actualmente são investigações realizadas no âmbito da Psicobiofísica e da Parapsicologia Científica, que utilizam como métodos e procedimentos para aferir e observar estes episódios como possibilidades viáveis. Será através dos Estados Ampliados de Consciência EAC165 que se realizará uma integração dos elementos? Estariam presentes num possível nível meditativo, a

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Refere-se a presença em menor valor, da Grande Matriz, ou Macrocosmo, que representa todo o Univeso de Criação. Temos a estruturação dos quatro elementos e o éter, que são as categorias de substâncias que mantém a Vida da realidade planetária em que vivemos.

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O Transpessoal aqui, refere-se a atributos que vão além da pessoa na sua realidade mundana, e através dela vai para estados mais profundos da consciência, ao sair do estado de vigília para experiências arquetípicas, mitológicas, de natureza espiritual.

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Os (EAC) podem trazer estados psíquicos de diversos níveis do inconsciente, (arquetípicos, míticos ou de vivências anteriores) que desencadeiam experiências profundas na vida para pessoa, pode-se observar também considerável mudança nos padrões neurológicos: (ECG/EEC, ondas cerebrais Delta entre 0,5 a 2 c/s em sono. Teta 3 a 7 c/s, muito relaxado a visualizar imagens, Alfa de 8 a 14 c/s estado meditativo ou depressivo. Beta ondas de 15 a 40 c/s em estado de vigília, existem (EAC) que levam a pessoa a experiências pico, com estados cerebrais em hiper-vigília, ondas Beta que vão muito acima de 40 c/s, difícil de ser aferido por ECG/ECG convencionais, encontra-se este estado em condutas relativas ao êxtase xamãnico, experiências ancestrais, ou mágico-religiosa. Actualmente desenvolvido o conceito de fenómeno de emergência espiritual pelo psiquiatra e investigador transpessoal Dr. David Lukoff.

expansão da consciência para níveis Transpessoais166 de uma ecologia humana? L. Boff quando descreve o arquétipo de São Francisco ressalta o Hino do Irmão Sol:

“Atém-se aos elementos elencados, como o sol, a terra, as estrelas, o fogo, a água, e a morte. Através deles, o místico Francisco ascende para Deus. Neste nível, se insere na corrente dos grandes místicos–poetas. Os elementos cantados conservam a sua densidade material, não são alegorizados, mas adquirem para o místico um valor simbólico e expressivo de um estado de alma. Eles formam o veículo pelo qual o poeta quer exprimir aquilo que lhe passa no íntimo: a união religioso-cósmica de tudo com Deus.”167

Haverá uma maneira de fazer com que as pessoas alcancem um sentido profundo dos arquétipos e elementos da natureza? Como despertar no humano esta subtil e valiosa sensibilidade? A humanidade na contemporaneidade está cada vez mais distante de integrar a sua personalidade em favor da preservação da natureza planetária. A falta de sentido, de um ícone que aponte para um caminho mais correcto e a inexistência de um arquétipo saudável apresentam-se ao ser humano, por causa da carência de um mito verdadeiramente eficaz, o que provoca um problema filosófico na relação entre a natureza e a técnica. Carlos João Correia, ao dissertar sobre natureza e a técnica, expressa uma das suas conclusões:

“A nossa preocupação fundamental deve estar na conservação da biosfera, não tanto por causa dela própria, mas apenas porque a sua protecção, senão mesmo a sua purificação, constitui a condição necessária para a preservação da vida na Terra. Talvez mais importante do que denunciar e anatematizar as tecnologias, devemos antes equacionar de uma forma distinta a relação entre o homem e os seres vivos.”168

A pessoa humana jamais vai conseguir tratar da saúde ambiental se, antes disto, não se curar a si mesma, os seus vícios e enganos, e, principalmente, terá de rever os factores que o fazem ignorar e não valorizar a vida, recursos e elementos da natureza. Posto isto, é certo que a humanidade precisa de parar, reflectir e agir diante da sua ignorância ecológica. Voltamos a considerar os elementos da natureza e as funções psíquicas que constituem a consciência do Ser, numa evolução plena ao longo de todos os períodos do desenvolvimento humano, para que se atinja uma fase madura, com um arquétipo integrador da personalidade. Mas é pertinente que se volte a questionar – quais, de entre estes arquétipos ou elementos, irão estruturar uma nova visão?

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Após a Psicanálise, a Psicologia Comportamental e a corrente Existencial Humanista, a Psicologia Transpessoal é actualmente considerada a quarta emergente vertente na história da Psicologia.

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L. Boff [SFA] (2000). 168

Pode-se confirmar isto com a seguinte afirmação a respeito de um desenvolvimento evolutivo: “A personalidade, no sentido da realização total do nosso ser, é um ideal inatingível. O facto de não ser atingível não é uma razão a se opor a um ideal, pois os ideais são apenas os indicadores do caminho e não as metas visadas.” 169 Encontramos uma passagem complementar a esta afirmação em Campbell: “É disso que os mitos têm falado, desde sempre, e é disso que o novo mito terá de falar. Mas ele falará da sociedade planetária. Enquanto isso estiver em curso, nada irá acontecer.”170

Reflectimos agora sobre a actual degradação do ambiente, bem como sobre os elementos correspondentes; sendo assim, ao poluir o elemento ar, a pessoa estará a afectar não somente a sua respiração adquirindo, por exemplo, distúrbios brônquio-pulmonares, mas também em termos simbólicos a sua f.p. pensamento, ao bloquear as aspirações e as ideias mais sublimes. Por isto, a pessoa permanece cada vez mais presa no linear do pensamento mundano, retro- alimentando uma consciência tão dolorosa e destrutiva que poderá chegar a limites mentais, psicossomaticamente insuportáveis, que é já uma realidade quando pensamos num conceito de saúde que vai além da ausência de doença, isto é, aquilo que é saudável na plenitude do estado de corpo-alma.

O elemento fogo em desequilíbrio provoca o superaquecimento e o efeito estufa, e, além de debilitar a saúde física (hipertensão e cancro de pele entre outras patologias), prejudica a vitalidade anímica do ser, perde-se o carácter subtil da intuição. Deste modo, podemos construir a metáfora do sol com ausência de luz, mas com raios de trevas, como um fogo negro que queima a própria alma e o brilho vital da psique.

Pierre Weil descreve que “na tradição tibetana existem os cinco fatores destrutivos da paz (indiferença, apego, cólera, ciúme e orgulho). (...) É importante nos ocupar dos métodos que tem como ponto de partida essas emoções destrutivas visando transformá-las ou eliminá-las, sem no entanto reprimi-las.”171 Podemos ver mais detalhadamente este processo através da figura (Anexo V). É importante criar condições para que as afecções da alma sejam transformadas. Paulo Borges, na sua obra172, refere seis modos do ser e as famílias de Budas:

169 JUNG, Carl G. (1981. p.178). 170 CAMPBELL, Joseph. (1991, p.53). 171 P. Weil, [AVP] (1990, p. 64). 172 BORGES, Paulo. (2005, p. 72).

“As cinco emoções procedentes da mente obscurecida pela dualidade, responsáveis pela sua errância nos seis mundos psicocosmológicos do samsara – desejo-apego, ódio-aversão, ignorância, orgulho e ciúme, desde que surgem espontaneamente se convertem nos cinco respectivos aspectos da Sabedoria primordial, manifestados nas cinco famílias de Budas.”173

Diante de que estado de consciência será possível alcançar uma mente de luz? P. Weil descreve que a ioga do sonho lúcido foi uma das grandes possibilidades de experiência que teve junto dos monges tibetanos174. Considerando uma única realidade entre o sonho-vigília e o inconsciente-consciente, de que forma os símbolos da unidade “interior” podem potencializar a saúde da vida para o seu “experior”?

As afecções da alma prejudicam os elementos e as f.p. manifestam-se em diferentes estados na vida do ser impedindo-o de alcançar o “ideal da perfeição”. Consideramos agora o símbolo do elemento água. Ao contaminar os recursos hídricos, a humanidade, além de perder a capacidade de “purificação”, está a correr o risco de sofrer com a representação arquetípica que envolve este elemento. Se considerarmos o arquétipo do Graal, as emoções e a capacidade de amar estariam, assim, comprometidas, dado que a f.p.st, receberia nas ‘águas profundas’ do inconsciente o retorno destes ‘dejectos’. É preciso perceber que todas as acções sobre o ambiente provocam uma reacção na pessoa, que muitas vezes nem mesmo a catarze do choro que verte água de emoções é suficiente para purificar a consciência. Será possível ultrapassar as sombras da personalidade humana, manifestando a Sabedoria primordial?

Na dualidade do mundo que habitamos, as pessoas munem-se de mecanismos de defesa e compensação ao criar um lugar “vazio” para depositar os seus “restos”, uma atitude relacionada com a falta de segurança e com o excesso de apego, por isso, tem a necessidade de produzir coisas em demasia para as lançar ao mundo – o supérfluo, que acaba sempre por ser fundamental ao humano, logo após a sua “utilização”, desfaz-se porque as pessoas não precisam mais dele. Encontramos um exemplo prático na seguinte citação de Leonardo Boff:

“Para a psicologia infantil o que não se vê não existe. No adulto pode permanecer como resquício a ideia de que um objecto não mais visível já não existe. Por isso lança no fundo do mar ou soterra rejeitos tóxicos ou nucleares com a sensação ilusória de tê-los eliminado realmente.”175

173 Idem. 174 P. Weil, [LC] (2005, p.47). 175 L. Boff. [EME] (2000, p.37.).

O elemento terra, ao sofrer com demasiada carga, sendo, no fundo, o depósito de materiais nocivos, expressa-se prejudicialmente no corpo físico, as células e todos os sistemas são contaminados, mas principalmente a f.p. sc, a pele, o tacto, factores psicossomáticos debilitam o corpo e o aspecto visceral é o primeiro a ser profundamente afectado em detrimento do elemento terra. É com o contacto com o meio externo, o princípio de realidade e a constituição do ego que nesta fase ocorrem a dissociação e a fragmentação de toda a personalidade, é o que pode ser entendido, segundo P. Weil, por neurose do paraíso perdido.

O combustível que move o mundo tem como base resíduos fósseis, o petróleo ou o produto daquilo que foi despejado outrora. Desta forma, o humano vai resgatar à terra o que há muito tempo abandonou, é como se procurasse no recalque o que lhe dá acção. É através do líquido espesso, no escuro do profundo inconsciente, que extrai do organismo de Gaia – a energia enraizada para transformar a “libido material” na pulsão –, que irá elaborar e percorrer a sua catexia, assim obterá sempre a forma necessária para a manutenção desta realidade ilusória.

Deste modo, o humano, ao criar a máquina, utiliza o combustível ancestral, o petróleo, para a interacção mecânica dos motores que impulsionam a realidade construída, e o mesmo resíduo que foi, e ainda continua a ser, despejado e reprimido na Terra é hoje restituído e consumido em gases poluentes que desgastam a atmosfera da consciência de Gaia. É como se a humanidade realizasse um escoamento dos diversos níveis do seu inconsciente, conteúdos reprimidos, medos, angústia, culpas e toda a espécie de sofrimento, e os atirasse para o campo da mente consciente ou para a atmosfera. Seria insuportável para o Ser tamanha carga de tensão e viver com toda a memória apagada, que agora se revela como um conteúdo estranho e nocivo que corrói a consciência, a vitalidade psicoelectroquímica, da natureza do planeta como um organismo vivo, e consequentemente da pessoa humana.

É assim que Gaia se sente, sim, e é preciso que nós, humanos, nos permitamos ser a própria Terra, mesmo que, por uma personificação arquetípica, sintamos a dor do planeta para saber de que forma o organismo terra se comporta; é preciso que nos sensibilizemos e que tenhamos consciência da sua existência, da sua vida. O combustível dela retirado infecta, cria eczemas e cicatrizes ainda “vivas” que vertem o “sangue negro”, que, em breve, se transformará em gases tóxicos que perfuram a camada de ozono, fenómeno que colabora para o efeito estufa, que se equipara à hipertensão e ao distress176 no humano que é actualmente o maior causador de doenças psicossomáticas.

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Distress, nas Ciências da Saúde, especificamente na psiconeurofisiologia diz respeito ao stress prejudicial, causador de tensão e baixa das defesas do sistema imunológico.

A união que poderia haver com o éter, a quintessência, o símbolo que rege a ligação dos quatro elementos, agora afectados por toda a dizimação realizada aos mesmos, deixa de ser possível e a natureza humana padece ao nível etérico, os factores espirituais ficam comprometidos e a luz natural cintilante177 já não brilha no esplendor do numinoso. Leonardo Boff, no seu capítulo sobre “Ecologia, Política, Teologia e Mística”,178 descreve que a pessoa humana se limita “ao mundo individual”, ao corpo, à casa e à família… e num espaço que não é visível nem é cuidado, por isso é um hábito cultural contaminar lugares ermos, aparentemente sem dono. P. Weil trata deste mesmo assunto com a categoria da fantasia da separatividade, como vemos no (Anexo V).

Perante esta questão, poder-se-ia pensar num espaço de inter-subjetividade colectiva, que, por não ser de ninguém e ser, ao mesmo tempo, de todos, de “comum acordo” se pode utilizar para esconder as suas sombras, ou o seu lixo, reflexo da retroalimentação da humanidade que atira para o vazio as “sobras da vida” ou a matéria bruta, na tentativa de sanar as suas faltas e carências psicológicas. O consumismo desenfreado é um exemplo desta atitude de sede insaciável do ego humano, que degrada a divina e sagrada presença da Natureza vinculada à Mãe Terra. Um dos grandes renomes junguiados da contemporaneidade, J. Campbell, estudado também pelos autores aqui investigados, revela-nos profundamente aquilo que estamos a tratar:

“E o único mito de que valerá a pena cogitar, no futuro imediato, é o que fala do planeta, não da cidade, não deste ou daquele povo, mas do planeta e de todas as pessoas que estão nele. Esta é a minha ideia fundamental do mito que está por vir.”179

Como já vimos no primeiro capítulo, P. Weil substitui a categoria natureza por planeta. Pois bem, sabemos que o planeta como organismo vivo não está disposto a acompanhar o princípio de realidade criado pelo ego humano, logo, o preço último deste episódio da catástrofe pagará o seu único e real causador. Com a própria vida? Ou com a vida de toda espécie humana? Com a extinção do homo sapiens-demens? Com a fatalidade ou ignorância dos factos?

A vida humana, no seu cerne real, é mais alargada e profunda do que se pode perceber nesta realidade aparente, que é somente um aspecto personificado da genuína e verdadeira experiência do ser e do existir. “Todos os mundos estão dentro de nós. São sonhos

177 Cf. JUNG. Carl. G, “Natureza da Psique”. 178

Op. cit., pp. 23-45. 179

amplificados, e sonhos são manifestações, em forma de imagem, das energias do corpo, em conflito umas com as outras.”180 Considerando J. Campbell, que expõe pressupostos junguianos que complementam o que L. Boff designa sobre o anima ünd animus, mais propriamente o feminino e masculino, em termos gerais: “Um ao lado do outro, a frente do outro, contra ou a favor do outro.”181

De facto, dois destes arquétipos, destas imagens que mais se demonstram em conflito e/ou na procura do equilíbrio são a natureza feminina e a natureza masculina no Ser, de acordo com os conceitos de anima e animus, que, quando integrados, se relacionam com uma personalidade mais madura, um ser mais saudável e centrado na sua unidade. Ao contrário do carácter degenerativo pelo qual passa a humanidade, podemos reflectir sobre um caminho de regeneração. O percurso realizado até ao presente momento pelo ser humano foi “abrir” a exploração dos elementos através do símbolo ar, o pensamento e a lógica mecanicista, que provocou o animam agere, isto é, alma a morrer no estado de agonia. Assim, requere-se o desencadeamento de um sistema inverso que se encontra na roda da cura, como podemos ver em P. Weil, através da roda da paz (cf. Anexo III), e da transformação (cf. Anexo II), que aqui especificamente envolve um “fechar” para o renascimento através do elemento terra, que