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2. A Categoria do Transpessoal em Pierre Weil e Leonardo Boff: Estados de Consciência na Integração da Natureza Humana

2.6. Da Separatividade à Totalidade na Natureza Planetária

Segundo P. Weil, a fantasia da separatividade gera um paradigma de fragmentação e reducionismo, porque a mente separa-se da sociedade e da natureza, esquece-se de que planeta, sociedade e indivíduo são indissociáveis, e, num outro nível, a consciência individual vê-se separada da consciência universal. O autor explica através de vários esquemas que a partir deste ponto começa o processo de destruição da ecologia pessoal, em que a fragmentação atinge a pessoa como ser, afectando a razão, a intuição, a sensação e o sentimento. Estes quatro conceitos, oriundos da Psicologia Analítica, são aqui readaptados por Pierre Weil de acordo com algumas influências, entre elas a Neurociência, que descreve que no antigo paradigma o cérebro é visto como órgão secretor da mente e a esta como epifenómeno; já para o novo paradigma o cérebro é visto como órgão planeado e executado pela mente com a função de emitir e receber energias mentais cósmicas. No hemisfério direito predominam a intuição, a criatividade, a sinergia, a síntese e a visão global; já o hemisfério esquerdo é o mais racional, analítico, conceptual e, por isso mesmo, dualista. Em

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síntese temos: “O antigo paradigma está, evidentemente, ligado a este hemisfério enquanto o novo paradigma leva em consideração os dois hemisférios, com apoio no corpo caloso, responsável pela sinergia entre eles.”50

P. Weil explica que o Ser, por se achar separado de tudo, gera emoções destrutivas no plano da vida, mais particularmente no apego e na possessividade de coisas, pessoas e ideias que lhe dão prazer. No campo das emoções, isto expressa-se através da raiva, do ódio, da indiferença, do ciúme, do medo e do orgulho. Descreve ainda que é por causa destas emoções destrutivas que surge o stress que, por sua vez, destrói o equilíbrio do corpo. Mas a fragmentação que causa a separatividade não se limita somente ao indivíduo (corpo, mente e emoções), afecta logicamente a sociedade em relação à qual classifica os seguintes factores englobantes: cultura, vida social, habitat e economia. Observamos a figura (cf. Anexo VI) num esquema descrito pelo autor que exemplifica este processo – Fantasia da Separatividade.

Partindo deste modelo conceptual, constatamos novamente que é na dualidade da mente que, após se criar a fantasia da separatividade, isto é, uma realidade onde as afecções geram um circuito de sofrimento recorrente, existe uma forma de libertação que possibilite dar um salto quântico para uma nova realidade? Sem as ilusões da mente humana?

Esta fantasia da separatividade forma a neurose do paraíso perdido - NPP. O autor explica isto com base no mito do paraíso perdido com a árvore da vida e do conhecimento. A NPP, portanto, exprime uma ilusão de percepção, que em Filosofia se chama dualidade, que divide o real em sujeito e objecto51. Como, então, podemos transcender a dualidade para chegar a uma maior representação do simbólico na unidade do centro integrador humano? Considerando que é preciso um equilíbrio entre as forças para que o cosmos manifeste plenamente a vida, quais as acções práticas exequíveis que favoreceram a manifestação saudável do Ser?

L. Boff contribui com esta relação ao falar sobre o simbólico e o diabólico e afirma que o humano, que é simultaneamente sapiens e demens, é portador de inteligência, de amorização e de propósito. E ao mesmo tempo mostra demência, excesso, violência e impiedade52. Define o dia- bólico e o sim-bólico como: “Princípios estruturadores da natureza e do cosmos, dos comportamentos sociais e da própria natureza humana.”53 Explica que o sentido da palavra simbólico é lançar as coisas de tal forma que elas permaneçam juntas, num processo complexo que 50 P. Weil, [AMS] (2000, pp. 36-50). 51 Ibidem, p. 125. 52 L. Boff, [DA] (1998, pp. 13-19). 53 Ibidem, p. 15.

significa re-unir as realidades; já o diabólico significa lançar coisas para o longe, de forma desagregada e sem direcção, é tudo o que desconcerta, tudo o que desune, separa e opõe.

L. Boff lança duas perguntas referentes à arte combinatória: existe algo que permita uma alquimia para construir o ser humano utilizando com sabedoria as energias do sim-bólico e dia- bólico? Onde está o mago capaz desta transformação?

Talvez a resposta esteja no transpessoal, sobre o qual claramente o autor revela que “precisamos construir pontes. Criar uma terceira margem. Ultrapassar oposições. Importa assumir o dia-bólico e o simbólico num nível superior e includente”54.

O estado transpessoal promove a compreensão do simbólico ou o simbólico realiza a expansão da consciência para que esta atinja o nível transpessoal? Tudo indica que estas duas possibilidades ocorrem em simultâneo. P. Weil descreve o conceito de pontifex – são as pessoas que estabelecem “pontes de transformação” com o universo, resultando uma interacção que faz com que as mentes em processo de sincronicidade possam entrar em contacto umas com as outras, e é nesse encontro que se procede ao nascimento da geração de mutantes. Seres despertos? Consciência cósmica? Mitos de imaginação utópica ou infinita possibilidade real? Todas estas interrogações podem ser tratadas com profundidade nas obras destes autores, nas quais o transpessoal, antes de mais, é uma categoria da transdisciplinaridade.

Pierre Weil descreve a existência de um estado de consciência transpessoal em que desaparece toda a espécie de dualidade, afirmando ainda que este estado aparece em todas as culturas e civilizações da história e que o estado de vigília dominado pelos sentidos e pelo raciocínio lógico formal não é totalmente desperto. Note-se que as áreas do conhecimento foram criadas neste estado de vigília55, todavia dado que é o estado transpessoal que a mente humana traz à consciência o significado real dos símbolos. Trará uma nova aplicação do conhecimento? Levará isto a uma mudança significativa de realidade? A dualidade de múltiplas realidades, ao firmarem-se na sua unidade integradora, estabelecerá como um só o estado transpessoal e a consciência cósmica?

A figura em anexo (cf. Anexo VII) ajudará a compreender melhor a presença da categoria transpessoal no humano. Temos na base da pirâmide as funções psíquicas associadas num plano a quatro grandes áreas do conhecimento, nos patamares até o ápice podemos observar os diferentes estados de consciência chegando-se a um estado transpessoal. Será este estado um nível de realidade suprema? Um espaço onde a realidade simbólica se tornará anímica e o mundo dos sonhos pode ter uma representação tão ou mais real do que a vida quotidiana? Talvez o grande

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Ibidem, pp. 19-20. 55

desafio seja extrair de possíveis estados transpessoais aquilo que há de melhor da experiência de vida humana e também da não-humana, transformadas em acções bem-ditas de um aproveitamento em função da ética e do respeito por toda a manifestação da natureza, já que este olhar transpessoal permitirá um re-conhecimento de várias direcções e aceitação de universos e esferas de aplicação de-vida que ainda são pouco ou quase nada demonstradas na humanidade. No próximo subcapítulo trataremos destes diferentes estados no seu envolvimento simbólico na espiritualidade-sexualidade humana.