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3. Leonardo Boff e Pierre Weil O Encontro de Dois Autores Neo-Junguianos

3.8. Anima ünd Animus: O equilíbrio para tornar-se Transpessoal

Como acabámos de ver no subcapítulo anterior, os autores aqui estudados trazem uma interpretação do aspecto masculino-feminino presente tanto no homem quanto na mulher e utilizam os conceitos anima e animus numa perspectiva neo-junguiana, com uma variação do que é considerado na Psicologia Analítica de C. G. Jung na sua origem como sendo duas estruturas inconscientes de manifestações opostas quanto ao género: “Anima como representante da parcela sexual feminina no homem e animus na mulher.”

Em L. Boff vamos encontrar a natureza anímica desta manifestação como uma bipolaridade humana que se aproxima da visão de P. Weil, quando este descreve os dois hemisférios cerebrais, esquerdo e direito, sendo que o primeiro se refere ao pensamento e à lógica racional, isto é, ao masculino, e o segundo ao sentimento, às emoções, ou seja, ao feminino.

Poderíamos, contudo, dizer que a integração desta polaridade traria um estado de ‘androgenia psiquíca’ em que, em termos da personalidade humana, o homem e a mulher se complementariam, não pela diferença dos sexos, mas pela sua semelhança de unificação intrínseca? Haverá uma sincronicidade na natureza humana que levaria o mesmo Ser a apresentar um estado de equivalência da sexualidade, como, por exemplo, a ternura e a inteireza do aspecto feminino, sensível Anima, somadas à força e ao poder do masculino activo Animus?

Encontramos tanto em P. Weil como L. Boff os conceitos de Animus e Anima com uma perspectiva neo-junguiana, que destaca a “capacidade de captar símbolos, ser sensível a valores que são mais do que os factos e dados concretos, o que constitui a obra da Anima no homem e na mulher. Assim, como a obra do Animus no homem e na mulher é a de captar fatos, discernir estruturas perceber lógicas na realidade e elaborar estratégias de sua utilização racional e sustentável para a sociedade humana”.

Portanto, há no masculino valores com maior apetência para a acção e no feminino valores mais voltados para o carácter emocional. Ora, considerando que a Anima tem melhores atributos para gerir a subjectividade no seu estado de inteireza e o Animus tem maior prontidão para assuntos ditos de materiais, podemos afirmar que o aspecto masculino no homem/mulher está mais propenso a desenvolver a sexualidade e que o aspecto feminino em ambos está em melhores condições para despertar a espiritualidade. Estamos, pois, diante de uma dupla relação de factores: Feminino-Masculino/Sexualidade-Espiritualidade. O Animus exterioriza e a Anima interioriza.

L. Boff enfatiza o significado do símbolo como uma correspondência inconsciente que reage na realidade: “Da mesma forma com qualquer outra realidade, como a montanha ou o mar. Logicamente vemos a montanha e o mar como realidades consistentes. Mas elas são também símbolos.”115

Se a natureza humana demonstrar plenamente esta dimensão na sua vida prática, certamente algo de significativo acontecerá em termos de mudança da conduta psicossocial e

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do como se trata a questão da sexualidade, mas o que, de facto, mudará em termos relacionais, qual será o factor recorrente que se manifestará neste processo em termos de evolução e desenvolvimento humano? Incidirá num estado transpessoal? O Homem na sua dimensão masculina-feminina e a Mulher na sua dimensão feminina-masculina darão início a uma nova sociedade? Este equilíbrio da sexualidade trará uma nova maneira de tratar a natureza e de comportamento no ambiente?

Fazendo alusão ao subcapítulo anterior, o masculino poderia ser aqui representado pelo plexo solar que estaria apto, no seu estado de prontidão, a criar uma ponte de ligação, não com a sua elementar função de contacto, vínculo e acção com o meio externo, mas genuinamente para estabelecer um canal de abertura ‘ascensão’ com o plexo cardíaco responsável pelos sentimentos e emoções, anahata chacra ou f.p. das Empfinden, e a partir daí integrar as outras f.p. de demais centros de energia. Elevação da Kundalini? Equilíbrio da psique?

Em termos de função, é o processo de individuação que vai buscar a sua fonte de libertação, o seu alento nutridor, o prana, categoria sânscrita que designa o sopro vital, também o ar no acto de respirar ou simplesmente a incessante busca da experiência do Amor ou de Eros como integração dos elementos, (etérico ou quintessência) que neste caso é representado pela inteiração destes dois centros de energia ou níveis da sexualidade.

No seu processo contínuo, vai-se efectivar a total integração de todos os sete níveis da experiência da consciência humana. A pessoa humana com a sua identidade integrada depende de uma saudável estrutura inconsciente no equilíbrio entre o masculino e o feminino.

Podemos afirmar em termos junguianos que a finalidade do processo de individuação ou autodesenvolvimento é o encontro com o si-mesmo.116 A individuação permite uma integração dos diversos arquétipos do inconsciente que estruturam as fases do desenvolvimento humano (infância, adolescência e fase adulta). A maturidade do ser depende da transversalidade desta linha de evolução, pelo que podemos dizer que seria preciso viver a maturidade plena em cada uma das fases, ou seja, um arquétipo da criança saudável, do jovem e do adulto.

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Segundo Carl G. JUNG,a categoria de Individuação significa tornar-se um ser único, homogéneo, na medida que por ‘individualidade’ entendemos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si mesmo.

L. Boff faz referência a grandes mitos, como o feminino encarnado na mulher, que para o homem pode estar relacionado com mãe, amante, irmã e filha, bruxa, donzela, vidente…117 É de fundamental importância que o Ser humano mantenha uma boa relação e comunicação com esses elementos inconscientes para que atinja o seu processo de individuação e de integração com a natureza de todos os elementos. Quando o ego começa a percorrer a consciência como um todo, em contacto com aspectos conscientes e inconscientes, este já não é mais o centro pois abre espaço para o Selbst, que é a unidade integradora.

Em termos junguianos, a individuação é a libertação das limitações da identificação com o ego pessoal para a expansão de uma natureza inconsciente mais vasta, que atinge o desenvolvimento da totalidade, para ‘torna-se si mesmo’ Verselbstung.

Com isto aproximamo-nos de uma categoria transpessoal, na medida em que esta identidade pessoal alarga os limites da consciência para que a manifestação da profunda realidade inconsciente se mostre.

Para L. Boff, os princípios do feminino e do masculino presentes no homem e na mulher são “a natureza de uma realidade ontológica, a categoria que marca esta realidade é a relação, que vem marcada por conflitos, muita opressão, violência, lágrimas e sangue. Mas não somente, também por trocas, enternecimento, amor e fusão bem-aventurada”118.