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Capítulo II – A Continuidade do Caminho: A Natureza dos Elementos Transpessoais

4. Elementos Transpessoais: A Contribuição para a Ecologia Humana

4.5. Atributos da Consciência: Intelecto Humano ou Cósmico

Considerando os autores aqui em estudo, tanto L. Boff quanto P. Weil conduzem as suas teorias de acordo com uma acepção junguiana, em que a natureza da psique é um universo riquíssimo em termos de simbolismos vivos para o caminho da individuação, auto- conhecimento e auto-transcendência, em prol de um estado sobre o qual investigamos nesta dissertação como pertencente à categoria Transpessoal. Continuamos a problematizar aqui atributos da consciência em correlação directa com as funções psíquicas f.p descritas por C. G. Jung. Trataremos dos arquétipos como elementos correspondentes a uma arqueologia profunda da personalidade, que transmite as suas qualidades consoante a demanda do intelecto que está a ser adquirida e estimulada ou, pelo contrário, como sendo de carácter inato.

O quociente de inteligência q.i. que compreende parte da mente ou da psique humana, conhecido como ‘QI’, foi difundido através de aplicações de baterias de testes psicométricos que enfatizam a observação de índices de inteligência lógico-matemática praticados com maior ênfase entre crianças e adolescentes em idade escolar. O índice de foi inquestionavelmente aceite até a década de 1980; porém, actualmente outras vertentes como esta que aqui viemos expor mostram-nos que o q.i é apenas uma pequena parte que abrange a inteligência como um todo, no entanto poderíamos descrever outros quocientes de inteligência: emocional, o quociente social e uma inteligência espiritual.

Podemos fazer uma correlação directa destes quocientes psíquicos com as f.p. de C. G. Jung que temos vindo a tratar nesta dissertação, portanto podemos estabelecer a seguinte correspondência: para a categoria das Denken o pensar, o quociente de inteligência racional q.i.r, para a das Fühlen o percepcionar ou sensação o quociente social q.i.sc, e para a das Empfinden o sentir o quociente da inteligência emocional q.i.e; já a f.p. die Intuition o intuir está relacionada com o quociente espiritual q.i.sp. considerando-se que a intuição possui esta

capacidade de ter um acesso directo a estados mais profundos ampliados de consciência (cf. Anexo XII – (q.i.) e f.p.).

Diante deste modelo conceptual que acabámos de demonstrar, podemos problematizar a f.p. die Intuition o intuir como um q.i.sp. relacionado com altas habilidades espirituais e transpessoais, como, por exemplo, a esp, como descreveu C. G. Jung nas suas pesquisas. Este autor foi citado também por P. Weil por diversas vezes na sua obra referindo-se a capacidades de uma consciência cósmica. Desta forma, poderá esta f.p., destinada para ser um atributo da inteligência, promover o encadeamento de arquétipos e de elementos altamente integradores do aparelho psíquico? Será possível alcançar com esta capacidade o arquétipo de Selbst e, deste modo, promover ainda a integração no seu estado pleno? O intuir, juntamente com o q.i.sp., pode ser um canal transpessoal directo do Uno para as demais f.p. em Múltiplos arquétipos-elementos? Estes estariam conscientes na psique e, assim sendo, de que maneira a sua natureza se poderia manifestar saudavelmente no ambiente?

Seguindo pressupostos junguianos, esta prática seria possível diante dos factores introvertidos e extrovertidos de cada f.p. Poderiam estas categorias agir transversalmente, não só na sua unilateralidade, mas na bipolaridade mútua de introversão-extroversão? De que forma tal reagiria no processo no anima ünd animus? Um suposto canal com a consciência cósmica através da conexão destes universos promoveria a androginia psíquica e o equilíbrio integral da psique?

Podemos referir outros dois conceitos – a integração psíquica ou a falta dela. São desenvolvidos por P. Weil, o qual discorre sobre os mutantes e os estagnantes, que se referem às duas tipologias da Pessoa Humana: os primeiros são um Ser que Pierre designa como sendo um pontifex – arquétipo personificado que significa o humano que é capaz de realizar pontes de integração entre o Céu e a Terra, possuidor de imensa criatividade e experiências extraordinárias em conexão com a sincronicidade de toda a Natureza.

Será o arquétipo dos mutantes o pontífex que se realizará através da integração dos elementos e das funções psíquicas com a manifestação das inteligências diferenciadas? Já a segunda categoria, a dos estagnantes, refere-se respectivamente ao contrário – o caos e a impossibilidade de despertar a visão, limitando-se aos vícios do ego. Afirma na sua obra que os mutantes, além de outros atributos, possuem um carácter que o autor define como superdotado PSI149. Sabemos que na Parapsicologia Científica e no paradigma Transpessoal a categoria PSI designa a capacidade de conexão da consciência para além dos cinco sentidos,

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isto é, refere-se à esp. Assim sendo, como chegar a um estado Transpessoal, como já indagava C. G. Jung, através integração das funções psíquicas? Será a f.p.i o principal canal de acesso para irradiar esta experiência do Ser como um todo? Que categorias de inteligência são, de facto, de vital importância para o despertar dos valores humanos, bem como para o despertar da sensibilidade para com a natureza de uma consciência da ecologia do corpo-alma, tanto do planeta e da pessoa quanto dos reinos e elementos de toda a Natureza que compõe este indescritível cenário que se manifesta na biodiversidade dos inúmeros ecossistemas?

Para aceitarmos a defesa das categorias de inteligência que descrevemos acima ou de talentos relativos a atributos mentais, isto é, do corpo-alma, consideramos o seguinte exemplo hipotético: uma determinada pessoa com um cargo de executivo de uma grande empresa na qual desempenha inúmeras funções na área administrativa-financeira tem um elevadíssimo índice de q.i. vinculado ao pensamento racional (lógico-matemático), logo, vinculado a das Denken, o pensar. Porém, é uma pessoa que não consegue gerir bem as suas questões emocionais, das Empfinden, o sentir, acabando por ter episódios de stress e problemas de ordem psicossomática. É comum as pessoas potencializarem ao máximo uma f.p. em detrimento de outra, como muito bem descreve Jung150. Isto também se estende à relação que têm com a natureza e para com o ambiente, como já o vimos no momento em que P. Weil correlaciona estes factores de modo integrado com o objectivo de se chegar à plenitude da consciência. A grande parcela das pessoas que utilizam uma ou no máximo duas f.p. deixando de lado as outras funções ignora os elementos que se manifestam no seu ser e não respeita outras formas de vida ‘visíveis ou invisíveis’, que só são vistas, sentidas ou percepcionadas através da respectiva função na fluída inter-troca com toda a psique. P. Weil chama a atenção para isto ao descrever muitas vezes a seguinte metáfora para explicar a condição humana: “A maioria das pessoas se comportam como se fossem ondas, que se esqueceram que são mar.”151

O que daqui conseguimos entender é que a energia que se manifesta sob a expressão de diversas formas, tendo em conta o quão complexa é a natureza humana, nomeadamente o próprio corpo, as emoções e a psique. Esta hipótese vai contra a tendência que alguns cientistas têm ao defender o legado genético através da vantagem de se ter um q.i. elevado, o que solucionaria muitos problemas como o da aprendizagem e outros deficits hereditários.

É possível comprovar por meios quantitativos um valor de q.i. realizando um teste lógico- matemático, porém, ao reduzir a inteligência, somente um atributo numérico seria uma acção

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JUNG, Carl. G, (Psychologische Typen, Zürich, 1960). 151

imprudente do ponto de vista científico e vaga do ponto de vista filosófico. Para se obter um índice de inteligência q.i.e, q.i.sc, e q.i.sp que outros métodos mais subtis para mensurar tais qualidades são requiridos? Testes? Psicometria? Laboratórios para replicar experiências?

Certamente, todos esses procedimentos não alcançariam o valor sui generis que representa a inter-subjectividade da natureza humana. P. Weil lança uma forte questão:

“O aspecto afetivo e emocional da paz é muitas vezes esquecido nas pesquisas e práticas educativas. Prefere- se, quase sempre, estudá-la sob um ponto de vista puramente intelectual. Ora, é evidente que sentimentos e emoções desempenham um papel fundamental como factores de paz interior e social. Afinal, o que é a paz de espírito senão um estado de harmonia e plenitude, no qual os sentimentos de alegria e amor podem expressar- se livremente?”152

Consideramos estes atributos para uma segunda hipótese sobre a problemática das inteligências: um monge que cultiva actos devocionais, de compaixão e de ajuda comunitária estimula mais as suas funções psíquicas referentes ao sentimento das Empfinden e à sensação das Fühlen, de modo que terá um alto índice de inteligência emocional ou espiritual. Embora não haja a possibilidade de estabelecermos um escore com o resultado padrão para estas categorias de inteligência, poderá aplicar a esta prática processos de auto-exploração psíquica e autoconhecimento que levarão a uma maior compreensão dos sistemas vivos e dos diferentes estados da consciência humana. Um melhor entendimento do vasto campo que envolve o conceito de intelecto humano? Será, deste modo, que se alcançará a Luz para a aceitação inteligível de uma consciência-inteligência cósmica?

Importa agora questionar outras variáveis, como substância, mente, alma e espírito, que nos permitem pensar numa ‘essência’ que anima a natureza de todos os seres. “Imanência e Transcendência” teriam um único espaço no pluralismo da realidade mundana? É possível afirmar que o Ser, diante de uma condição holista da natureza humana, é um sujeito vital constituído dos elementos da natureza?

Especialistas na área da Biologia Celular e Molecular podem descodificar cromossomas de um DNA, com procedimentos mecanicistas que vão ao encontro de resultados puramente materiais, Assim sendo, será que o projecto do genoma humano poderá contemplar a temática profunda que compreende a natureza da pessoa humana? Alcançaria um valor genuíno unicamente orgânico? Sabemos que a combinação genética, juntamente com os factores ambientais, é insuficiente para determinar a unidade absoluta da pessoa humana.

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Ao aceitarmos um valor subjectivo inerente à matéria, é possível levantar outra problemática: qual o sistema que comanda o corpo? O cérebro ou a mente? Se considerarmos o cérebro e o sistema nervoso central como um processo orgânico responsável por todas as reacções neurofisiológicas, após passar pelas fases do desenvolvimento humano perecerá e alcançará à morte física, sendo este momento único e o fim último da matéria, ou seja, da pessoa humana.

Ao considerarmos a mente, isto é, a psique, como oriunda de uma substância arquetípica cósmica, em primeiro lugar ela não está somente dentro da caixa intra-craniana, mas compreende, assim como a consciência, a totalidade do corpo da pessoa. Esta, em contacto com a inteligência compreende o universo, ‘uni-universos’ ou ‘pluri-universos’? Universos ‘trans-versos’ que têm como função verter ‘através e para além de todos’ os universos…

Em segundo lugar, o cérebro será apenas um aparelho orgânico regente do sistema psiconeurofisiológico que compartimenta uma parcela da mente humana; em terceiro, e também o principal factor, a consciência, enquanto mente de Substância infinita, sobreviverá à morte do corpo físico, isto é, do ‘aparelho cerebral’, e voltará a ser energia cósmica. Sobre este aspecto tão bem aprofundam L. Boff, nos seus livros Vida para Além da Morte e Evangelho do Cristo Cósmico, e P. Weil, nas obras A Mudança de Sentido e o Sentido da Mudança e Rumo ao Infinito.

As questões acima indagadas são respondidas de diferentes modos complementares pelos autores aqui investigados, pelo facto de mencionarem categorias referentes à imortalidade e à eternidade – a Consciência Cósmica, para P. Weil, e o Cristo Cósmico, para L. Boff, que nos levanta uma reflexão sobre a influência da cosmogénese na biogénese153. Em anexo, observamos a Figura Integração da Natureza do Conhecimento Humano. Perante os seus pressupostos directos, é evidente que ambos os autores espelham a influência de Pierre Teilhard de Chardin. Assim, abrimos a discussão do conceito de Vida que nos resta, um não- pensar mas sim um sentir, que podemos levar a cabo através destas duas expressões poéticas: “A essência da ética está na natureza expressa / nos valores com amor e sabedoria / inerente a verdade do ser.”154 “O Intelecto tem um olhar agudo para os métodos e os instrumentos, mas ele é cego para os fins.”155

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L. Boff, [ECC] (2008, p.42). 154

AGUIAR, Giancarlo, Filhos de Hórus – poesia. Blumenau. Ed. Nova Letra. 2005. 155