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2 LINGUAGEM E ATIVIDADE EMANCIPATÓRIA

2.2 A PCCOL E A LINGUAGEM COMO ATIVIDADE DE INTERVENÇÃO SOCIAL

Esta investigação está assentada em uma perspectiva qualitativa de geração, coleta e análise de dados. Essas ações, em última instância, buscam problematizar o conhecimento escolar por meio da constituição de espaços colaborativos de ensino e de aprendizagem. Nesse sentido, a discussão do que entendemos por colaboração é essencial para delinearmos as bases teórico-metodológicas que sustentarão as discussões que serão desenvolvidas ao longo do processo reflexivo com os alunos em sala de aula.

A acepção de colaboração, com base em Kemmis (1987 apud PINHEIRO, 2011), diz respeito à tomada de decisão consensual, um movimento de caráter democrático no qual os participantes do evento colaborativo assumem ações orientadas a (re)fazer práticas, comportamentos e atividades. Assim, dialogando com Kemmis, entendemos que uma atividade que se desenvolve em colaboração envolve, de modo geral, dois elementos essenciais: a presença do OUTRO e um direcionamento à TRANSFORMAÇÃO.

Para nos envolvermos em práticas colaborativas, necessitamos do outro, e este pode ser entendido como mais um ou mais de um colaborador, pois é a partir da interação com o(s) outro(s) colaborador(es) da rede de relações interdiscursivas acerca dos conhecimentos em pauta que a ação colaborativa se constitui. Nesse sentido, entendida como uma ação, a colaboração passa a significar um movimento conjunto, realizado no coletivo, visando atingir uma meta compartilhada e/ou promover uma transformação. Transformar, nesses termos, pode ser definido como um movimento de ressignificação (NININ, 2006), uma mudança que afeta o coletivo interna e externamente, ou seja, reorganiza o pensamento a partir de conhecimentos postos em discussão e articula reconfigurações nas atividades instanciadas no cotidiano. Assim, nesta pesquisa, entendemos colaboração como proposta de ação coletiva na direção de uma transformação recíproca que prevê o compartilhamento

de significados por meio do diálogo entre os colaboradores (NININ, 2006; LIBERALI; MAGALHÃES, 2009).

Ao assumir tal perspectiva, também compartilhamos a noção de que a negociação de significados, que aponta direcionamentos para a transformação, instancia-se via linguagem (MAGALHÃES, 2003 apud PINHEIRO, 2011), que pode ser analisada sob diferentes ângulos, como texto, como prática discursiva e construção simbólica constitutiva e constituinte das práticas sociais. Nesses termos, a linguagem configura o elemento central no processo colaborativo, dado que é por meio dela que os colaboradores, neste caso, este professor/pesquisador e seus alunos do ensino médio, podem ensinar, aprender, trocar e (re)significar conhecimentos colaborativamente, em um processo atravessado por acolhimentos, conflitos e reconfigurações de abordagens e procedimentos. Com isso, buscamos não apenas a observação e descrição das práticas, mas sua reconfiguração por meio da proposição de ações de conscientização – com vistas à emancipação – nas quais, como destaca Magalhães (1990, p. 54), “os participantes não são tratados como objetos de estudo, mas como pensadores ativos, cujas opiniões são valorizadas e constituem partes essenciais do processo reflexivo e emancipatório.”3 (tradução minha).

A partir da citação de Magalhães, podemos compreender os fundamentos que diferenciam a PCCol de outras metodologias de investigação do contexto escolar. O caráter reflexivo e emancipatório da PCCol a distância dos métodos positivistas de acesso a informações, nos quais os pesquisados são vistos como objetos, como fontes de informação a serem descritos e analisados (PINHEIRO, 2011). Em nosso caso, os colaboradores (professor/pesquisador e alunos) se configuram como atores que dialogam e negociam significados e práticas com vistas ao desenvolvimento de processos metaconscientes. Dessa forma, a interferência colaborativa oferece espaços que podem levar à transformação da realidade existente por meio da problematização das questões que afetam o cotidiano, as crenças e as ações dos participantes (atores sociais) (BARCELOS, 2006).

A noção de metaconsciência é essencial na PCCol, pois ela encerra o que podemos chamar de produto e processo da caminhada reflexiva. Segundo Magalhães (1990 apud BAKER; BROWN, 1987), metaconsciência refere-se à

3 “It treats the participants not as objects of study, but as active thinkers, whose opinion are valued

consciência e ao controle que uma pessoa tem sobre seu próprio conhecimento e aprendizagem (tradução minha)4. Esse processo é passível de materialização pela instauração de contextos reflexivos, dialógicos e socialmente situados nos quais os participantes possam refletir formas de fazer e agir, tornando-se “agentes de reflexão e mudança” (GITLIN; SIEGEL; BORU, 1988 apud MAGALHÃES, 1990, p. 55).

Parafraseando Magalhães (2002), um processo colaborativo desafia e oferece possibilidades para que todos os participantes envolvidos se tornem pesquisadores/agentes de sua própria ação. Nesse sentido, como também discute Liberali (2002), a pesquisa colaborativa assume uma perspectiva reflexiva crítica de descrição e compreensão das transformações do contexto, em que os eventos e as práticas cotidianas, as histórias, as contradições e as condições sociais dos participantes desempenham papel fundamental para a transformação de ideologias, práticas, crenças e, em última instância, a resolução de problemas.

Nessa perspectiva, recorremos ao exposto por Ninin (2006, p. 13), a respeito da relação entre a PCCol e a proposta vygotskyana (1934/2001), de que a colaboração instancia

[...] um processo capaz de provocar o aprendiz em direção ao desenvolvimento da capacidade de solucionar situação-problema com base em estratégias grupais, que lhe propiciem negociar significados, compartilhar artefatos, conhecimentos prévios e conhecimentos já sistematizados. Para o indivíduo, esses procedimentos colaborativos culminam na existência da ZDP, que se constitui de conflitos gerados por meio da interação com o outro, e cujo papel é impulsionar o desenvolvimento.

Nesse sentido, ao realizarmos um estudo colaborativo na escola pública, focalizamos a criação de “ZDPs mútuas” para a construção de (novas) compreensões e concepções das práticas de LE do/no contexto investigado (MAGALHÃES, 2011, p. 16). Retomaremos essa questão no próximo capítulo, Aprendizagem e Atividade Sócio-histórico-cultural, no qual discutiremos o desenvolvimento da caminhada colaborativa em sintonia com as especificidades sociais, culturais e históricas do contexto e dos participantes, respeitando seus processos de identificação construídos no curso de sua evolução histórica.

4 “Metacognition is understood as a person’s knowledge of and control over his/her thinking and

Por hora, resgatamos um ponto fundamental do processo colaborativo, ao qual já nos referimos ao longo desta seção: o surgimento e o enfrentamento de conflitos na interação com o outro. Conflitos, de acordo com Schaffer (1992/2002, p. 320), configuram “o ingrediente essencial de qualquer desenvolvimento conjunto destinado a provocar mudança [nos colaboradores]”. O autor ainda destaca que a resolução dos conflitos e, consequentemente, a produção de mudança só ocorre “como resultado da interação social” (SCHAFFER, 1992/2002, p. 320). Para Ninin (2016, p. 177), situações conflituosas são resultantes

[do embate] entre o pensar de senso comum, historicamente situado, resultante das práticas cristalizadas e das condições sócio-histórico-culturais dos indivíduos, e o pensar crítico, que envolve uma competência de ordem teórica e teórico-prática para questionar-se, assim como questionar as contradições postas sócio-historicamente.

Dito de outra forma, os conflitos promovem a desorganização de conhecimentos ou representações pré-existentes para dar origem a outros conhecimentos ou representações, reorganizados ou reconfigurados (FOGAÇA; CRISTOVÃO, 2014). Assim, o estabelecimento de uma caminhada reflexiva na perspectiva aqui proposta visa ser crítica e emancipatória e, para tanto, demanda momentos de negociação, conflito e tensão, pois, a exemplo do que destaca Magalhães (2002, p. 51-52),

colaborar não significa simetria de conhecimento e/ou semelhança de ideias, sentidos, representações e valores ou de participação. De fato, implica em conflitos, tensões e em questionamentos que propiciem aos integrantes possibilidades de distanciamento, de reflexão e de consequente autocompreensão dos discursos da sala de aula e de sua relação com aqueles valorizados [...] e os não valorizados pela escola.

Nesse enquadre e de modo a organizar teórica e metodologicamente o processo de negociação, dando conta dos conflitos e das tensões destacados na referida citação de Magalhães, apropriamo-nos dos fundamentos desenvolvidos na Argumentação, discutidos a seguir. A Argumentação, em sua aplicabilidade em contextos escolares (DAMIANOVIC, 2009; LEITÃO, 2011), oferece ferramentas para o encaminhamento dos espaços reflexivos a que nos propomos nesta investigação, suscitando olhares mais atentos e iniciativas de intervenção dialeticamente

orientadas, tanto do professor-pesquisador quanto dos alunos-colaboradores, para a aprendizagem e a expansão das ideias postas em debate.

2.3 A ARGUMENTAÇÃO E A LINGUAGEM COMO ATIVIDADE DIALÉTICA E