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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

5.1.3 Procedimentos e categorias de análise dos dados da Fase 1 (piloto)

O procedimento de análise dos questionários enfocou dois momentos reflexivos:

• primeiro, dedicamo-nos à identificação e interpretação dos discursos dos alunos acerca do modo como representam seu processo de aprendizagem de inglês como língua adicional;

• a seguir, voltamo-nos às percepções dos participantes a respeito dos papéis de professor e aluno na sala de aula de língua inglesa.

Da análise das respostas dadas às perguntas que compõem o questionário (concepções de aprendizagem e papéis de professor e aluno), emergiram as categorias semânticas descritas nos Quadros 5.1 e 5.2.

Quadro 5.1 – Categorias semânticas para a representação de aprendizagem de inglês na escola

Eu aprendo inglês...

... pela interação com outrem (com professor e colegas) ... pela interação com ferramentas (livro, exercícios, mímica)

Quadro 5.2 – Categorias semânticas para a representação dos papéis de professor e aluno Professor Aluno ATIVO – Fornecedor Fornecedor de conhecimento PASSIVO – Cliente Receptor de conhecimento

De modo a darmos conta das representações discursivas que geraram as categorias semânticas descritas no Quadro 5.1 e no Quadro 5.2, valemo-nos do aporte teórico da Gramática Sistêmico-Funcional (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, 2014) e da Análise Crítica do Discurso (ACD) (FAIRCLOUGH, 2003). A partir desse arcabouço teórico-metodológico, buscamos identificar, nos discursos dos participantes, por um lado, os traços linguísticos que sinalizavam suas afiliações a

discursos socialmente determinados sobre aprendizagem de línguas adicionais e, por outro, reconhecer modos de representação da realidade que seus discursos permitem revelar.

Assim, a partir das categorias analíticas da Gramática Sistêmico-Funcional (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, 2014), em especial, na metafunção ideacional da linguagem, realizamos a identificação, descrição e interpretação das escolhas linguísticas feitas pelos participantes na construção de suas concepções de aprendizagem de língua inglesa e papéis de professor e do aluno na escola pública.

Para Halliday e Matthiessen (2004, p. 24), usamos a linguagem para dar sentido à nossa própria experiência e para interagir com outras pessoas. Assim, é correto afirmar que “a gramática conecta-se com a linguagem exterior: com os acontecimentos e as condições do mundo e com os processos sociais nos quais nos engajamos”12. Nessa perspectiva, sob a ótica sistêmico-funcional, o contexto pode ser descrito a partir de um modelo conceitual tridimensional a partir das variáveis Campo, Relações e Modo (HALLIDAY, 1989). Nesse modelo, cada uma dessas variáveis se manifesta, no sistema linguístico, por meio de uma das metafunções da linguagem: ideacional, interpessoal e textual.

A Metafunção ideacional, dimensão que sustenta esta análise, compreende duas subfunções: a experiencial e a lógica. A Metafunção Experiencial, responsável pela construção de um modelo de representação de mundo (FUZER; CABRAL; OLIONI, 2011), tem a sua unidade de análise na oração (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). À luz dessa metafunção, a oração é analisada sob o prisma do sistema de transitividade, o qual dá conta da construção da experiência em termos de configuração de processos, participantes e circunstâncias (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004).

Nessa dinâmica, ao construirmos o mundo das experiências, estamos formando uma “figura” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p. 169) constituída pelos participantes e processos, ou seja, por quem faz o quê, e, eventualmente, pelas circunstâncias de tempo, modo, causa, localização e outras associadas aos processos (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). Os processos construídos pelo Sistema de Transitividade podem ser classificados em três grandes grupos: o

12 “the grammar has to interface with what goes on outside language: with the happenings and

material, o mental e o relacional. Há outros três grupos que, localizados na fronteira entre os três principais, também colaboram para representar nossas experiências: o verbal, o comportamental e o existencial (HALLIDAY, 1989). Os tipos de processos e participantes que compõem o Sistema da Transitividade da metafunção ideacional experiencial são descritos no Quadro 5.3.

Quadro 5.3 - Processos e participantes do Sistema de Transitividade

Tipos de processo Significado Participantes

MATERIAL Fazer; Acontecer Ator – Meta – Escopo – Beneficiário – Atributo MENTAL Perceber; Pensar; Sentir;

Desejar Experienciador – Fenômeno

RELACIONAL Caracterizar; Identificar Portador – Atributo

Identificado – Identificador COMPORTAMENTAL Comportar-se Comportante – Comportamento

VERBAL Dizer Dizente – Alvo – Verbiagem – Receptor

EXISTENCIAL Existir Existente

Fonte: Halliday e Matthiessen (2004).

A outra subfunção da metafunção ideacional que tomamos para nossa análise é a lógica, que compreende os complexos oracionais, isto é, a combinação de palavras construídas com base em relações lógicas específicas (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). A análise dos complexos oracionais é fundamental ao analisarmos a linguagem, pois, ao compreendermos o sistema linguístico como um processo de escolhas para significar, não podemos nos valer unicamente da descrição de uma oração como um encadeamento de palavras, devemos necessariamente perceber as relações de sentido entre os complexos oracionais.

Ao descrever os tipos de relações lógicas estabelecidas pelas/nas orações, Halliday e Matthiessen (2014) propõem dois sistemas básicos que determinam as interrelações entre orações: Taxis (graus de interdependência) e Relações lógico- semânticas. No sistema de Taxis, as orações podem apresentar dois tipos de estrutura: a paratática e a hipotática. Na estrutura paratática, duas orações estão relacionadas entre si em estatutos iguais, enquanto que, na hipotática, os estatutos das duas orações são desiguais (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). Assim, as orações são independentes na parataxe, sem predominância de uma sobre a outra

e, na hipotaxe, há uma relação de dependência entre as orações e a predominância de uma sobre a outra (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004).

O sistema das Relações lógico-semânticas pode ser plural, pois apresenta uma variedade de diferentes relações acontecendo entre uma oração e outra. Tais relações podem se estabelecer entre um membro primário e um membro secundário de um nexus oracional. Esse sistema é baseado em duas relações fundamentais entre as orações, a expansão e a projeção. Na expansão, um fenômeno é relacionado como sendo da mesma ordem da experiência com a oração secundária expandindo a primeira oração. Essas relações de expansão podem ser classificadas em três relações distintas: elaboração, extensão e intensificação (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014). Segundo Halliday e Matthiessen (2014), na elaboração, uma oração tem seu sentido elaborado por outra que a especifica ou descreve, reformulando-a ou exemplificando-a. Um dos exemplos de conector que elabora uma oração é o “por exemplo”. Na relação de extensão, uma oração amplia o sentido de outra, acrescentando uma informação nova, apresentando uma exceção ou oferecendo uma alternativa. Isso geralmente acontece pelo uso de conjunções como “e” (adição), “mas” (adversidade) e “ou” (variação). Na relação por intensificação, uma oração realça o significado de outra, qualificando-a com traços circunstanciais de tempo ou espaço, modo, causa ou condição.

O Quadro 5.4 resume os tipos de relações lógico-semânticas propostas por Halliday e Matthiessen (2014).

Quadro 5.4 – Relações lógico-semânticas do complexo oracional

(continua) Relações lógico-

semânticas Ideias Definições

EXPANSÃO Elaboração ‘isto é, por exemplo, a saber’

uma oração expande outra elaborando-a (ou uma parte dela): dizendo em outras palavras, especificando em maiores detalhes, comentando ou exemplificando.

Extensão ‘e, ou’

uma oração expande a outra, estendendo-a para além dela: adicionando alguns elementos novos, apresentando uma exceção ou oferecendo uma alternativa.

Intensificação

‘tão, ainda, então’

uma oração expande outra, ornamentando seu entorno: qualificando com algumas características circunstanciais de tempo, lugar, causa ou condição.

Relações lógico-

semânticas Ideias Definições

P R O JE Ç Ã O Locução ‘diz’

uma oração é projetada através da outra, que é apresentada como uma locução, uma construção de fraseado.

Ideia ‘pensa’

uma oração é projetada através da outra, que é apresentada como uma ideia, uma construção de significado.

Fonte: Halliday e Matthiessen (2014, p. 444).

Para complementar a análise com base nas categorias analíticas da Gramática Sistêmico-Funcional (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, 2014), lançamos mão do aporte da ACD, a partir da proposta de Fariclough (2003), para olhamos para os discursos dos participantes enfocando as características textuais que evidenciassem marcas de modalidade e avaliação acerca das informações veiculadas. Segundo Faiclough (2003), as marcas de modalidade contribuem para a identificação dos níveis de comprometimento do autor da proposição com seu discurso. O autor sugere categorias de elementos modalizadores que podem figurar como indicadores de (des)comprometimento e (in)certeza. No Quadro 5.5, apresentamos as categorias identificadas em nosso corpus.

Quadro 5.5 – Categorias de modalidade sugeridas por Fairclough (2003), identificadas no corpus

Categoria

Processos mentais

(penso que, acho que, acredito que) Advérbios marcadores de usualidade

(Halliday, 1994) (sempre, nunca, usualmente) Hedges (expressões indicadoras de

imprecisão discursiva) (tipo assim, meio que, sei lá)

Verbos modais (poder, dever) Marcas de polaridade

(sim, não)

As marcas de avaliação são, geralmente, expressas por adjetivos e sentenças formadas por processos relacionais (FAIRCLOUGH, 2003). Esses elementos, por organizarem o discurso em termos de alto ou baixo grau de valor geram o que o autor, citando White (2001), denomina de “escala de intensidade”. A avaliação, dessa forma, oferece possibilidades para a identificação dos valores que os alunos atribuem tanto aos seus papéis quanto aos papéis de professor e a importância que dedicam ao professor como mediador essencial no processo de ensino e aprendizagem de inglês como língua adicional na escola.

Em nosso corpus, a avaliação é, basicamente, marcada pelo uso de adjetivos. Selecionamos alguns exemplos identificados em nossa análise, os quais são mostrados no Quadro 5.6.

Quadro 5.6 – Categorias de avaliação sugeridas por Fairclough (2003), identificadas no corpus

Categoria

Adjetivos avaliativos (bom, fácil, fundamental)

Orações com processos relacionais (ser, estar, ter)

Advérbios avaliativos (bem, mal, muito)

Substantivos com teor avaliativo (o principal)

A partir desse aporte analítico, que conjuga elementos da LSF e da ACD, buscamos descrever e explicar, por meio das escolhas linguísticas dos participantes, suas percepções de ensino e de aprendizagem de ILA na escola pública. Assim, a seguir, apresentamos a análise e discussão dos dados da Fase 1 (piloto).