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Categorias epistêmico-argumentativas utilizadas na geração e análise do processo reflexivo no contexto escolar

2 LINGUAGEM E ATIVIDADE EMANCIPATÓRIA

2.3 A ARGUMENTAÇÃO E A LINGUAGEM COMO ATIVIDADE DIALÉTICA E DIALÓGICA

2.3.1 Categorias epistêmico-argumentativas utilizadas na geração e análise do processo reflexivo no contexto escolar

Como mencionado previamente, a construção do processo argumentativo e a análise deste deverá focalizar três elementos: o argumento, o contra-argumento e a resposta. Leitão (2007) reitera que devemos reconhecer que cada um desses elementos desempenha funções específicas dentro do processo argumentativo:

[...] o argumento identifica o ponto de vista que seu proponente procura estabelecer, bem como as razões com as quais o apoia (função discursiva). Além disto [...] o argumento estabelece o ponto

de referência em relação ao qual o processo de revisão de perspectivas se instala [(função cognitiva)] Finalmente, os conteúdos que formam um argumento capturam a organização momentânea do conhecimento do indivíduo sobre um tópico (função epistêmica). [...] o contra-argumento [...] desencadeia no discurso um processo reflexivo que leva à revisão das afirmações feitas (função psicológica). Do ponto de vista discursivo, [...] o contra-argumento traz para o discurso uma dimensão de alteridade indispensável à ocorrência da argumentação. Do ponto de vista epistêmico [...] aponta diferentes possibilidade de organização do conhecimento, em direção às quais o conhecimento do argumentador pode eventualmente se transformar.

[...] a resposta [...] marca, a um só tempo, a tomada de consciência do indivíduo em relação a concepções que se contrapõem às suas posições e a forma como a elas reage (função psicológica) [...] Do ponto de vista epistêmico, a identificação da resposta é considerada um passo particularmente crítico a uma análise que busca capturar o impacto do confronto de perspectivas sobre o conhecimento do indivíduo.” (LEITÃO, 2007, p. 84-85).

Ao nos debruçarmos sobre suas especificidades, podemos classificá-los a partir de três dimensões (LEITÃO, 2009; 2011): a pragmática, a argumentativa e a epistêmica. A dimensão pragmática refere-se às ações discursivas que instauram o debate, tais como aquelas que lançam desafios por meio de perguntas, solicitam pontos de vista, estimulam a formulação de contra-argumentos. Segundo Leitão (2009), pragmaticamente, a argumentação exige argumentadores que tomem posições apoiados em razões consistentes e, dado que se pressupõe a existência de divergências, que possam examinar pontos de vista alternativos, engajar-se em negociações e estar abertos a mudanças.

Na dimensão argumentativa, a autora destaca o papel das ações que geram e sustentam o processo argumentativo, as quais podem ser resumidas em (1) formulação de argumentos e/ou avaliação deles (ação), (2) formulação de objeções e contra-argumentos (desafio) e (3) respostas às objeções feitas (reação) (LEITÃO, 2011). A autora ressalta que esse ciclo, necessariamente, deve estar completo para que a argumentação se realize, pois o descumprimento de uma dessas ações argumentativas pode acarretar improdutividade no processo de construção de conhecimento. Dito de outra forma, todo o esforço reflexivo empenhado na dimensão argumentativa está orientado para a (re)construção de posições críticas, logo, a omissão ou fragilidade reflexiva poderá colaborar para a reprodução de saberes já instituídos ou pouco problematizados.

Na dimensão epistêmica, estão incluídas as ações discursivas que contribuam para a expansão de conceitos e raciocínios relacionados,

especificamente, ao domínio do tópico discutido. Elas podem ser: a formulação de exemplos ou de definições e conceitos, a demonstração de procedimentos, entre outros.

Dado que, neste estudo, dedicamo-nos a investigar a formulação de conceitos e posicionamentos dos participantes acerca das práticas de ensino e aprendizagem de ILA na escola pública, debruçamo-nos, mais especificamente, sobre como a linguagem constitui a dimensão epistêmica da argumentação, embora reconheçamos que as três dimensões estão inter-relacionadas toda a vez que enunciamos em um processo argumentativo. Essa escolha encontra respaldo na premissa de que a dimensão epistemológica da argumentação, ao promover espaços de mediação na construção de conhecimento, instaura processos de negociação, mudança (LEITÃO, 2011) e internalização de conhecimento científico, podendo se configurar em práticas emancipatórias para todos os envolvidos no processo. Da mesma forma, levamos em consideração que a instauração do processo argumentativo costuma partir de uma problematização que, via de regra, pode constituir-se em uma pergunta lançada ao grupo. De modo a pensarmos o papel da pergunta como ato argumentativo que congrega em si as três dimensões anteriormente descritas, valemo-nos da discussão proposta por Ninin (2013), que nos ajuda a orientar o olhar sobre como as perguntas funcionam como possibilidades de inserir o outro na discussão para que “manifeste seu pensamento, fruto de sua visão de mundo, produto de suas experiências individuais e socioculturais, a serem compartilhas” (NININ, 2013, p. 26), contribuindo, dessa forma, para a ressignificação de práticas e dos discursos.

As perguntas, conforme a autora, apresentam elementos que, dependendo da situação, contemplam cada uma das dimensões da prática argumentativa (NININ, 2013). Na dimensão pragmática, as perguntas costumam ser confortáveis e tem como objetivo aproximar os participantes e organizar o contexto. Quando relacionadas à dimensão epistêmica, orientam a construção de conhecimentos, buscando levar o participante a elaborar posicionamentos mais próximos do saber científico. Por fim, na dimensão argumentativa, as perguntas contemplam a reconfiguração discursiva, propondo a expansão dos posicionamentos compartilhados na instância argumentativa. O Quadro 2.1 resume as dimensões pragmática, epistêmica e argumentativa do ato de perguntar.

Quadro 2.1 – Dimensões pragmática, epistêmica e argumentativa do ato de perguntar DIMENSÃO PRAGMÁTICA (as perguntas consideram questões relacionadas a...)

• Como contexto de ação dos participantes cria condições para que as ações discursivas presentes na atividade ocorram? • O assunto focal na atividade está legitimado pelo grupo? É

possível discuti-lo no grupo? Os participantes têm acesso ao tema proposto?

• A cena de enunciação destaca os elementos constituintes do contexto dos participantes como prioritários ao momento da enunciação?

• As ações discursivas legitimam divergências sobre o assunto? Organizam-se em uma perspectiva de expansão dialógica, convidando à interação/ao movimento argumentativo? Instituem a argumentação como um caminho para a negociação dos significados divergentes?

DIMENSÃO