• Nenhum resultado encontrado

3 APRENDIZAGEM E ATIVIDADE SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAL

3.1 VYGOTSKY, A APRENDIZAGEM MEDIADA E OS CONCEITOS CIENTÍFICOS ESCOLARES

3.1.3 Design de atividades de intervenção em contextos escolares

No contexto escolar, trabalhos ancorados em pressupostos marxistas e vygotskyanos têm buscado implementar propostas de intervenção que focalizam a problematização e ressignificação da atividade docente por meio de programas de formação continuada de professores pré e em serviço (TICKS, 2008; PASSONI, 2010; FERREIRA, 2012; TICKS; SILVA; BRUM, 2013). Aqui, interessam-nos aqueles que se voltam aos profissionais de línguas estrangeiras, no caso, o inglês.

A pesquisa de Ticks (2008), ao desenvolver uma prática reflexiva e socialmente orientada com professores pré e em serviço, buscou avaliar a contribuição da intervenção colaborativa no fazer pedagógico e na construção identitária desses profissionais. Nesse sentido, as ações colaborativas desenvolvidas pela pesquisadora revelaram reconfigurações na postura assumida por esses professores em relação aos seus fazeres pedagógicos e o modo como recontextualizam suas concepções de ensino e de aprendizagem em sala de aula. A reflexão acerca de atitudes de ensino e aprendizagem marcadas por traços behavioristas, as quais foram gradativamente reconfiguradas ao longo da caminhada reflexiva, foi determinante para que assumissem posturas críticas a respeito das próprias práticas e reconhecessem sua responsabilidade no processo de transformação da realidade da sala de aula. Neste estudo, ao lançarmos olhares para o papel do professor, também reconhecemos nossa parcela de responsabilidade enquanto mediador de uma proposta de ensino que, em última instância, busca a transformação da realidade e a condução de um processo emancipatório de aprendizagem.

O estudo de Passoni (2010) oferece um dado importante e que justifica o desenvolvimento de nossa proposta de ensino. A autora, ao implementar uma proposta de formação continuada de professores em um contexto escolar público de Londrina-PR, observou a necessidade da participação dos alunos nas práticas de intervenção colaborativa de modo a oportunizar formas de olhar a realidade da sala de aula por outros ângulos que não, essencialmente, o do professor. Essa constatação ganha espaço nas representações negativas que os professores

construíam de seus alunos e que, tendo em vista a impossibilidade de confrontação destas, eram assumidas e aceitas por todos (PASSONI, 2010). Tenho observado representações parecidas às encontradas por Passoni em meu fazer profissional ao conversar com colegas que atuam nas mesmas turmas que leciono. Com raras exceções, os alunos são, geralmente, rotulados por traços negativos, pois as representações, normalmente, enfocam as deficiências de aquisição de determinados conteúdos e desconsideram práticas educativas voltadas ao desenvolvimento de posicionamento crítico e à produção de conhecimento, competências de outra ordem, as quais, ainda que dependentes da formação intelectual específica da sala de aula, deixam de ser exploradas.

Da mesma forma que Passoni, entendo que as representações negativas dos professores em relação aos alunos se devem, em grande parte, ao modelo de transmissão de conhecimento ao qual Freire (1970, p. 33) chamou de “educação bancária”, ainda em voga na escola pública. Por outro lado, a insistência nesse modelo é o que agrava a situação de desinteresse e evasão sintomáticos da escola pública, pois, como professores, seja por razões de carga horária ou desconhecimento de como fazer, acabamos por reproduzir rotinas e metodologias que focalizam apenas aspectos formais da língua. Para interromper esse ciclo, faz- se necessária uma ressignificação/reconfiguração/mudança de paradigma do ensino, que busque novas possibilidades de ensinar e aprender a ser e agir na educação.

Nesse paradigma ou nessa necessidade de quebra de paradigma, o trabalho de Ferreira (2012) oferece um ponto importante em relação ao objetivo das propostas de ensino e aprendizagem de ILA na busca de possibilidades de ensino revolucionário no contexto escolar. Segundo a autora, com base em Newman e Holzman (1993), a noção de ensino revolucionário relaciona-se ao desenvolvimento da agência em professores e alunos, por meio da qual tais indivíduos passam a (res)significar seus papéis sociais, suas condições de existência e, em consequência, podem promover mudanças na realidade em que estão inseridos.

Nessa dinâmica de construção de agentes transformadores das práticas do contexto escolar, a exemplo de qualquer atividade colaborativamente orientada, como já discutimos no Capítulo 1, o desenvolvimento das atividades será marcado por conflitos, contradições, reveses, crises (FERREIRA, 2012) e, dado o caráter dialético das interações, a negociação de significados, motivos e conceitos

compartilhados entre os colaboradores é ponto central para o sucesso da atividade. Assim, a conceituação das noções de tarefa, motivo e erro, discutidas pela autora, parece-nos relevante como elementos que constituem o fazer pedagógico.

Uma tarefa pode ser entendida como parte de uma atividade dialética de ensino e aprendizagem diretamente influenciada por motivos, objetivos e condições de realização das ações pelos indivíduos nela envolvidos (FERREIRA, 2012). Assim, ressalta a autora, a tarefa tem como objetivo o desenvolvimento cognitivo do indivíduo, perfazendo, dessa forma, nos termos de Vygotsky, o instrumento e o resultado da atividade (FERREIRA, 2012). Nesse processo, como já discutido, os motivos e objetivos dos indivíduos na realização da tarefa são determinantes para sua realização. Para Newman e Holzman (1993), parafraseando Vygotsky, a motivação não deve ser encarada como um pré-requisito para a aprendizagem, e sim consequência dela. Os autores criticam o senso comum de que os alunos precisam encontrar motivação para que aprendam o que a escola lhes quer ensinar. Para eles, a motivação deve ser ensinada. Esse processo, em nosso entendimento, parte da instauração de espaços de aprendizagem que aproximem a vida do aluno do conhecimento escolar e que o forcem a buscar respostas para a solução dos problemas da vida nos conceitos escolares. A esse respeito, Ferreira (2012, p. 72) traz à tona uma questão bastante inquietante para a maioria dos professores: “os objetivos que o aluno estabeleceu para o exercício podem não ser necessariamente os mesmos que o professor previu em seu planejamento”.

Faz-se necessário entender que um motivo, conforme Ferreira (2012, p. 72) com base em Leontiev (1981), é entendido como “a força propulsora da atividade que se originou de uma necessidade biológica e/ou social”. Logo, é a partir do desenvolvimento de propostas de ensino e aprendizagem que ressignifiquem o fazer de sala de aula, partindo das necessidades dos atores desse contexto e na busca de promover o protagonismo de alunos e professores, que, talvez, possamos tornar menos distantes os interesses e as motivações que ali circulam, embora seja dos descompassos que emergem as novas formas de ser e ver a realidade.

Um último conceito discutido por Ferreira e que interessa aos propósitos desta pesquisa refere-se à noção de erro e do tratamento dado a esse elemento do processo de aprendizagem. Aqui, o erro é visto “como recurso cognitivo mediador [...] uma tentativa do aprendiz de atingir o controle sobre o exercício” (FERREIRA, 2012, p. 74). Nesses termos, essa concepção de erro contrapõe-se a outras

teorizações que consideram o erro como um estágio negativo do processo de aprendizagem, relegando ao aluno que erra a condição de incapaz de realizar a tarefa proposta. Por outro lado, a forma de tratamento do erro proposta pela autora pauta-se na observação do nível de entendimento do aluno em relação ao seu erro e da possibilidade ou não que esse aluno demonstra de “adequar [o feedback recebido] a sua ZDP” (ALJAAFREG; LANTOLF, 1994 apud FERREIRA, 2012, p. 74). Em resumo, o erro não é produto, é sim um processo de construção de ZDPs inerente ao desenvolvimento escolar.

Assim, nesta investigação, entendemos que é a partir da compreensão social, cultural e historicamente orientada de todos esses elementos que se compõem o processo de aprendizagem. Em consonância com os pressupostos teóricos emancipatórios revisados até o momento, tenho a intenção de, ainda que profundamente desejoso de promover uma “revolução” do ensino de línguas adicionais na escola pública, pelo menos, oferecer caminhos alternativos de trabalhar com a linguagem numa perspectiva social e emancipatória, capaz de possibilitar horizontes mais autônomos em meu fazer e no fazer daqueles que eu possa mediar com minhas aulas. De modo a corporificar esse processo, no capítulo seguinte, apresentamos a perspectiva de ensino assumida no desenvolvimento desta pesquisa.