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A PERSPECTIVA BIOCÊNTRICA: FUNDAMENTOS E RAÍZES

Ao contrário do antropocentrismo, o biocentrismo rompe com a perspectiva da mera atribuição de valor instrumental aos seres vivos, e reconhece a existência de deveres da humanidade perante as diferentes formas de vida, independentes dos que temos para com os seres humanos. Apesar desta diferença fundamental, muitas acções práticas consideradas

correctas na perspectiva antropocêntrica não deixam de o ser igualmente na biocêntrica.101

Mas com o biocentrismo a Vida é transformada no centro de todo o valor, tanto mais que a maior parte dos seres vivos não revela qualquer utilidade para o ser humano, pelo menos de forma directa. Como nos afirma Taylor (1989), "o valor que os seres vivos possuem advém do simples facto de serem membros da comunidade da vida terrestre, é inerente à sua natureza e é devido a ele que se torna profundamente errado encará-los como meras finalidades humanas" (p. 13).

Assim, a especificidade do ser humano não pode servir de justificação para desconsiderar os outros seres vivos. E ainda que se evoque que a mente humana é algo de verdadeiramente único no Universo, até ao momento há também razões para considerar a Vida um fenómeno igualmente singular. Por isso, é quase impossível não a destacar no conjunto de características do planeta e não reconhecer que a capacidade de um ser se auto- organizar e autopreservar o transforma em algo de intrinsecamente valioso e objecto de consideração moral. Ainda assim, verificámos no capítulo anterior como vários autores, embora reconheçam que algo de valor se perde associado à destruição dos seres vivos e das

espécies, consideram problemática a atribuição de valor intrínseco aos seres vivos.102

Ao longo dos séculos, não foram frequentes as referências à considerabilidade moral das outras formas de vida. Mas esta aparente indiferença não deixou de ser acompanhada de uma forte relação de proximidade entre os seres humanos e os outros seres vivos, traduzida,

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As perspectivas ambientalistas não centradas no Homem procuram compatibilizar o bem-estar dos seres humanos com o de outras entidades naturais. Todavia, a conciliação de interesses nem sempre é fácil dado que se todas as espécies modificam o habitat onde vivem, o ser humano fá-lo numa escala muito superior.

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Para além das posições de Jonas, Passmore, Wilson e Kellert a este respeito, também Baxter (1999) considera conceptualmente discutível a atribuição de valor intrínseco aos seres vivos. Para este autor, a referida atribuição, constitui uma peculiaridade metafísica dado que se trata de uma propriedade valorativa superveniente de todas as outras, o que não exige para a sua aceitação quaisquer considerações lógicas, transformando-se numa questão de opinião pessoal. Baxter salienta ainda que a atribuição de valor intrínseco à espécie humana não obriga a nenhuma espécie de transitividade que conduza ao reconhecimento desse valor nos outros seres vivos.

por exemplo, na dependência da força animal em termos energéticos, fundamental a determinados processos produtivos. Só muito recentemente esta relação foi quebrada e restabelecida em novos moldes por influência do processo de industrialização, indissociável da taxa crescente de população urbana no mundo. Ainda assim, são frequentemente citadas por diversos autores ideias que desde a Antiguidade Clássica reflectem posições, pelo menos

embrionárias, do biocentrismo.103

Nos últimos três séculos, a partir do Iluminismo, surgem algumas teorizações que visam precisamente fazer-nos reflectir acerca do modo como nos relacionamos com as outras

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Surge na literatura ambientalista uma série de referências consideradas percursoras do biocentrismo, embora a preocupação manifestada nem sempre seja pela Vida em termos genéricos. Nash (1989) salienta a existência no pensamento clássico, greco-romano, de uma linha minoritária que considerava os animais parte do estado da natureza e os sujeitos da lei natural, concepção que persistiu durante séculos apesar da corrente inversa imposta pelo cristianismo. Ainda assim, algumas passagens da Bíblia podem apoiar a considerabilidade moral dos seres vivos: "Porque o destino dos filhos dos homens e o destino dos animais é o mesmo; um mesmo fim os espera. Como a morte de um assim é a morte do outro. A ambos foi dado o mesmo sopro, e o homem não tem qualquer vantagem sobre o animal, pois tudo é ilusão. Todos vão para um mesmo lugar. Todos saíram do pó e ao pó hão- de voltar todos. Quem sabe se o sopro de vida dos filhos dos homens subirá às alturas, e o sopro de vida dos animais descerá ao fundo da terra?" (Eclesiastes 3: 19-21). Johnson (1991) é mais concreto, e cita a escola epicurista, cujas ideias lembram, em parte, a dos utilitaristas hedonistas. Nela reconhecia-se que os animais tinham também a capacidade de sentir dor e prazer e encerravam um bem próprio, mas colocava a ênfase na necessidade de ausência de sofrimento em vez de uma procura obstinada do prazer. Este autor referencia ainda Plutarco, o escritor grego que, não sendo um epicuriano, se preocupava com o bem-estar dos animais e, em consequência, defendia um regime alimentar vegetariano. Todavia é frequente um mesmo autor ser evocado por defensores de diferentes perspectivas ambientalistas, na base de uma selecção parcial das suas ideias. Um exemplo claro é o de Aristóteles. A sua afirmação de que cada ser vivo encerra um bem próprio só alcançado quando a sua actividade natural ou função (telos) é atingida tem conduzido à interpretação de que tal é sinónimo do reconhecimento do seu valor intrínseco e que é necessário não frustrar as condições que permitem a referida função. Contudo, Aristóteles, ao colocar a finalidade última dos seres vivos dependente, directa ou indirectamente, da dos seres humanos, transformou-se também numa fonte das teses antropocêntricas associadas ao domínio da natureza (Cap. I, § 1.). Outras vezes o objectivo é assinalar as fraquezas humanas a partir da comparação com os outros animais, quase sempre efectuada de modo pouco consistente. Masson e McCarthy (2001) destacam a afirmação seguinte de Plínio (século I, d.C.) como ilustrativa desta tentativa de nos autodefinirmos: "os leões não lutam uns com os outros; as serpentes não atacam as serpentes, nem os monstros das profundezas se rebelam contra os seus iguais. Mas muitas das calamidades do Homem são causadas pelos seus semelhantes" (p. 63). No entanto, reconhecemos que a preocupação com o carácter virtuoso da conduta humana pode não ser incompatível com a defesa de posições que se aproximam do biocentrismo. São disso bom exemplo as ideias de Montaigne ([1580] 1993), presentes no seu ensaio "Da Crueldade." Montaigne começa por afirmar que a crueldade perante os animais o incomoda e que a sua ausência é típica de um comportamento virtuoso. Admite também que ela é percursora da violência que tende a generalizar-se aos seres humanos e que as nossas almas deveriam ser enviadas para o céu em estado de graça, o que não acontece se forem perturbadas por torturas desagradáveis. Mas afirma ainda: "Pela minha parte nunca me senti preparado para ver sem perturbação a perseguição e a matança de um animal inocente que não tem defesa e nada fez de mal" (p. 198). Desta forma, confessa uma empatia para com as aflições dos outros e, por isso, evoca um dever geral da humanidade que nos liga não só aos animais que possuem vida e sentimento, mas até às árvores e plantas. Montaigne aceita a possibilidade da tese de que em algumas civilizações passadas a protecção de alguns animais possa não ter acontecido por razões a eles intrínsecas: os egípcios não adoravam o boi ou o gato mas sim os atributos divinos que neles reconheciam; no primeiro a paciência e a utilidade e no segundo a liberdade. Mas está convicto que tal tese não explica todas as deferências para com os animais em vários locais e épocas; por exemplo, os atenienses decretaram que as mulas que tinham servido na construção de um templo deviam ser libertadas e permitida a sua alimentação onde quisessem, sem qualquer limite. De facto, actos de reconhecimento como estes parecem afastar-se de uma perspectiva meramente instrumental na forma de encarar os outros seres vivos.

formas de vida. O incremento deste interesse decorreu, certamente, do facto de a partir do século das luzes se terem igualmente intensificado os actos de desconsideração para com os seres vivos sencientes. Para que tal tivesse acontecido, foi inegável o contributo do empreendimento científico que viu na vivissecção uma actividade indispensável para o avanço do conhecimento. Contudo, estas preocupações não são extensivas à Vida em termos genéricos e centram-se nos indivíduos das espécies de maior complexidade biológica.

Neste âmbito, o destaque é claramente para as teses utilitaristas defendidas por Jeremy Bentham, no século XVIII, e desenvolvidas por John Stuart Mill, no século XIX. Bentham centra-se nas consequências das acções dos seres humanos, muitas delas cruéis para com os animais. A preocupação exclui o sofrimento decorrente da vivência interespecífica dos seres em meio natural, uma vez que o sofrimento e a morte são aspectos integrantes da ordem natural. As ideias destes filósofos transcendem claramente o antropocentrismo e inserem-se na necessidade de maximizar a felicidade, com a obrigatória minimização do sofrimento total de todos os seres humanos e não humanos sencientes. A preocupação de Bentham pelo sofrimento dos animais encontra-se bem expressa na passagem seguinte:

Os franceses já descobriram que a negrura da pele não é razão para abandonar um ser humano ao capricho de um molestador. Um dia chegará em que se reconhecerá que o número de patas, a textura da pele ou a terminação do osso sacro são igualmente insuficientes para abandonar um ser sensível à mesma sorte. Onde deve ser traçado o limite? Será a faculdade da razão ou talvez a faculdade do discurso? Mas quer um cavalo adulto quer um cão adulto são sem comparação mais racionais do que um bebé com um dia, uma semana ou um mês de idade. [E termina com a célebre sequência de perguntas:] The question is not, Can they reason? nor Can they talk? but Can they

suffer? ([1781] 1988, p. 311)

Mas como referimos, dado que nem todos os animais possuem a capacidade de sofrer, esta preocupação acaba por ficar circunscrita aos animais biologicamente mais complexos,

simultaneamente as maiores vítimas do comportamento humano.104

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Para a preocupação referida o utilitarismo revelou-se bem mais eficaz do que a filosofia kantiana. O sofrimento dos animais tornou-se evidente no decurso das práticas científicas, tanto mais que os processos eficientes de anestesia só ficaram disponíveis em meados do século XIX (Monamy, 2000). A filosofia de Kant, embora considerada conceptualmente mais consistente e equilibrada em termos da ética estritamente humana, não respondeu aos novos desafios, por negar atribuir aos animais qualquer estatuto moral, por direito próprio (§ 4.2.).

Contudo, as teses biocêntricas obtiveram uma nova consistência argumentativa com as ideias de Darwin, alguém que curiosamente não provinha do campo da filosofia. A ideia inerente à teoria da evolução é a da continuidade da vida, e esta teoria evidenciou a dificuldade em estipular uma linha bem marcada entre o Homem e os outros animais.

Darwin ([1871] 1981), influenciado por estudos da época, defende a existência de uma continuidade entre as espécies, do ponto de vista morfofisiológico, evidenciada tanto ao nível das etapas do desenvolvimento embrionário, como do comportamento. Para Darwin, os animais, mesmo os selvagens, não são tão brutais como muitas vezes se assume: vergonha, espanto, reverência, humor, curiosidade e generosidade são qualidades presentes nas espécies inferiores, assim como o sentido moral e os instintos sociais, o que evidencia uma

aproximação clara entre o ser humano e as outras formas de vida.105 Darwin defende que a

cooperação, ou a ajuda mútua, dentro de uma mesma espécie, tem um valor relevante na sobrevivência e é objecto, como outras características, de selecção natural, sendo possível

constatar a existência de uma ética rudimentar nas qualidades sociais dos animais.106 Por isso

afirma que só o nosso preconceito e a arrogância manifestada pelos nossos antepassados que se declaravam descendentes de semi-deuses os leva a não concordar com a origem evolutiva

do Homem a partir de outros animais.107 Darwin ([1871] 1981) admite ainda a possibilidade

de um alargamento ético aos outros seres vivos, encarando-os de forma não utilitária. No entanto, estava consciente da dificuldade de tal perspectiva, pois a experiência mostrava como a simples aceitação de outros seres humanos diferentes em hábitos e aparência se revelava frequentemente difícil. Mas fazia depender a nossa própria civilidade da capacidade de identificação, parentesco e empatia para com as outras formas de vida.

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Estas referências de Darwin são aparentemente surpreendentes se atendermos a que a interpretação recorrente e central das suas ideias é a da luta pela sobrevivência, que convida igualmente a assumir uma posição de superioridade do ser humano perante os outros seres vivos. Mas leva-nos a concluir que o próprio Darwin tinha a percepção de que a natureza não era um mero palco de agressão violenta, embora o lado competitivo tenha sido por ele particularmente enfatizado, principalmente na sua obra Origem das Espécies, onde a influência das ideias de Malthus é mais marcante. Este facto explica o menor destaque (mas não esquecimento) dado por Darwin a aspectos atenuantes da competição entre seres vivos, como é o caso da evolução divergente.

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Como afirma Worster (1994), Darwin tende a explicar as virtudes presentes nos animais em termos utilitários, acreditando que elas seriam de algum modo determinantes para a sobrevivência do indivíduo e das espécies.

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Já no século XX, o biocentrismo ganha novo impulso com as ideias do médico alemão Albert Schweitzer, que atribui às características da sociedade industrial, marcada pelos empreendimentos científico e tecnológico, a responsabilidade pelo afastamento do ser humano do mundo natural e pela maneira mecanicista com que olha a natureza. E, apesar de consciente do poder destrutivo e da força arbitrária da natureza, encara-a como um bem. Para Schweitzer a grande fraqueza de todos os sistemas éticos advém do facto de apenas abordarem as relações entre seres humanos, um fragmento do universo ético. A sua sólida formação teológica, o seu desempenho como responsável eclesiástico e principalmente como médico voluntário em África onde se dedicou a combater o sofrimento humano foram determinantes para a defesa da sua ideia de reverência pela Vida, apresentada em termos

quase místicos.108 A reverência pela Vida traduz-se num activismo ético de carácter

totalmente individual, em que a luta contra o mal que existe na humanidade se processa através do julgamento de nós mesmos. Para Schweitzer ([1923] 1987), um homem só manifesta uma postura verdadeiramente ética quando obedece ao impulso incontrolado, e por isso continuado, de ajudar todos os seres vivos a que é capaz de dar assistência, não se limitando a tentar não prejudicá-los. O Homem quando se torna um ser pensante encara a sua vida com reverência e estende-a a todas as outras formas de vida. A preservação, promoção e desenvolvimento da Vida passam a constituir os seus valores mais elevados.

A vida enquanto tal torna-se sagrada. Não apanha uma folha das árvores, não colhe uma flor e toma cuidado para não pisar um insecto. Se no Verão se encontra a trabalhar junto de um candeeiro, prefere manter a janela fechada e respirar uma atmosfera pesada do que ver os insectos, uns atrás dos outros, a cair na sua secretária com as asas queimadas. (p. 310)

Schweitzer considera que as ajudas a animais em dificuldades são igualmente uma maneira de anular parte da dívida que temos para com o mundo animal, dada a utilização cruel, embora por vezes necessária como no caso da vivissecção, que fazemos deles. Schweitzer está assim consciente de que esta atitude solidária para com a Vida não se pode

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Monamy (2000) assinala que o termo reverência não constitui uma tradução totalmente conseguida do conceito original "Ehrfurcht." Por isso, advoga em alternativa o termo respeito, semelhante ao sentimento que experienciamos no topo das montanhas ou no decurso de uma tempestade, o que permitiria afastar alguma carga mística associada ao termo reverência. Mas a crítica não nos parece pertinente, uma vez que é o próprio Schweitzer ([1933] 1998) quem afirma que "o conceito de reverência pela vida traduz um misticismo ético. Permite que a união espiritual com o Infinito seja realizada através da acção ética" (p. 237).

realizar completamente, não só perante a necessidade da actividade referida e de outras igualmente cruéis, mas principalmente porque para a manutenção da vida humana é imprescindível o sacrifício de outras, algo que considera horrível e incompreensível. Mas salienta que o Homem "como ser ético, procura escapar sempre que possível a esta necessidade. Aspira a provar a sua humanidade, libertando os outros do sofrimento" (Schweitzer, [1933] 1998, p. 158).

Todas as ideias apresentadas têm constituído fontes de influência nas abordagens biocêntricas contemporâneas. Baxter (1999) sintetiza alguns princípios essenciais partilhados, em termos gerais, por estas teorizações:

1-A satisfação das necessidades humanas básicas não deve ser interpretada como uma licença para desconsiderar irresponsavelmente os outros seres vivos;

2-Quando essas necessidades básicas podem ser conseguidas, ou através da mobilização de novos recursos naturais, ou de uma melhor redistribuição dos recursos já explorados, deve-se excluir a primeira via, uma vez que esta tem um maior impacto nas condições de satisfação das necessidades dos outros seres;

3-A definição do que constitui um grau aceitável de bem-estar material é importante por contribuir para estipular limites à nossa acção exploratória da natureza, permitindo assim assegurar os recursos necessários aos outros seres vivos;

4-A responsabilidade do controlo demográfico é um imperativo para respeitar, por um lado, a justiça social e, por outro, o florescimento da Vida na sua diversidade.

No entanto, as concepções biocêntricas têm sido objecto de críticas diversas. Uma das que consideramos mais relevantes relaciona-se com o facto de os seres vivos viverem inseridos nos ecossistemas. Desta forma, o objectivo de reverência pela Vida parece ser melhor atingido através da preservação destas entidades holísticas, o que naturalmente relega para segundo plano as teses biocêntricas em detrimento das ecocêntricas. Claro que em situações relacionadas com espécies em extinção, a preservação dos ecossistemas não deixa de ser uma condição necessária mas claramente insuficiente sem um apoio direccionado para os indivíduos sobreviventes dessas espécies. Mas, para a maior parte das situações, é o caminho eficaz, a não ser que a preocupação biocêntrica fique confinada à tendência absurda

de reduzir a biodiversidade a uma espécie de banco de genes para o qual são apenas indispensáveis jardins botânicos e zoológicos ou reservas monitorizadas de forma constante pelo Homem. Tal via seria a negação do processo de evolução biológica que ocorre nos ecossistemas, o qual foi responsável, ao longo da história da Terra, pelo surgimento, e igualmente pela extinção, das diferentes espécies.

Mas a perspectiva das teses biocêntricas consiste precisamente em alterar a prioridade dada aos ecossistemas e justificar a sua importância em termos meramente instrumentais para a salvaguarda da existência, do florescimento e da evolução biológica das diferentes formas de vida. E talvez não menos importante, é muitas vezes perante a necessidade de preservação de determinadas espécies que o apoio para a manutenção da integridade dos ecossistemas é conseguido. Varner (1998) vai mesmo mais longe e afirma que gerir de modo global um determinado sistema, ou possuir um enquadramento holístico da realidade, não compromete ninguém do ponto de vista moral com o próprio sistema. Para este autor, metas como: "a preservação de espécies, espaços selvagens, e habitats especiais como zonas húmidas, estuários, florestas tropicais e desertos; a reintrodução de espécies localmente extintas, incluindo grandes predadores, a remoção de espécies exóticas, o enquadramento de práticas agrícolas e paisagísticas nos biótopos locais; a redução substancial da poluição do ar e da água; a redução da população humana global" (pp. 121-122), não têm de constituir objectivos exclusivamente ecocêntricos. Na defesa de uma posição similar, Attfield (1999) critica as teses ecocêntricas que reconhecem simultaneamente o valor intrínseco de "todos" ecológicos, como os ecossistemas e as espécies, e a consideração moral dos seres individuais, por efectuarem uma duplicação desnecessária. Dá assim preferência clara às teses biocêntricas que se centram nos indivíduos, e não nas espécies, uma vez que o valor destas é função do valor intrínseco dos seus membros.

2. CAMINHOS PARA A CONSIDERABILIDADE DOS OUTROS SERES VIVOS