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UMA OUTRA LEITURA DO CONHECIMENTO ECOLÓGICO: SUA

Verificámos como Leopold destaca o potencial da ciência ecológica para um novo olhar na maneira de encarar o mundo natural. A associação do ecocentrismo à ciência ecológica é facilitada pelo modo como esta ciência interpreta a realidade, em que destaca as inter-relações na ecosfera e onde os processos adquirem uma relevância igual, se não

superior, à das entidades que os constituem.180 Decorre também do conjunto de reflexões que

a própria Ecologia parece sugerir e que ultrapassam o âmbito da própria ciência, numa abordagem tipicamente metaecológica.

Para Acot (1988), a história recente da Ecologia é inseparável da história do ecologismo, expressão social da preocupação pela natureza e igualmente da reflexão sobre a natureza do ser humano. Também para Deléage (1993), ao longo da história da Ecologia não tem sido fácil separar a ciência da ideologia. Dado que esta ciência se situa no cruzamento de saberes, quer relativos às ciências naturais, quer às ciências humanas, "é-lhe impossível eliminar todo o julgamento de valor sobre o seu objecto de estudo, como lhe é impossível eliminar o ponto de vista particular do observador por quem é apercebida a realidade viva, o que efectivamente torna a Ecologia como a mais humana das ciências da natureza" (p. 248).

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Importa todavia nunca perder de vista a diversidade de caminhos teóricos que a Ecologia tem seguido e em que, pelo menos em alguns deles, se acentua um certo teor reducionista, como é o caso da simplificação de todos os fenómenos a meras transferências de energia, em que os processos ecológicos são explicados através das leis da termodinâmica.

Posições como estas, partilhadas ainda por outros autores,181 são marcadamente polémicas se atendermos a que vários divulgadores da ciência ecológica sentem a necessidade imperiosa de diferenciar Ecologia de ecologismo e atribuem a confusão ao facto de o termo ecologia ser utilizado pelo movimento ambientalista com conotações políticas. É o caso de MacKenzie, Ball e Virdee (1998), para quem "a Ecologia é meramente uma disciplina científica que tem por objectivo compreender as relações entre os organismos e o seu ambiente. Por isso, é importante separar a perspectiva científica dos impactos políticos e sociais da compreensão ecológica" (p. 3). Deste modo, embora reconheçam que a Ecologia pode ter influência nesses campos, consideram que os resultados obtidos nos estudos

ecológicos não impõem acções de natureza ética ou política.182 Mas se os campos são assim

tão claros, como explicar a inegável tendência de muitos ecólogos para o envolvimento em batalhas de natureza política? Poderá esse envolvimento ser explicado apenas com base na vontade do exercício de cidadania que assiste a qualquer pessoa independentemente da sua profissão ou formação?

A possibilidade de a Ecologia conduzir a uma forma distinta de olhar a realidade com implicações éticas e políticas foi a razão que conduziu Paul Sears a considerá-la, nos anos sessenta, uma disciplina subversiva, por pôr em causa algumas das premissas culturais e

económicas da sociedade ocidental.183 No pensamento ecológico, os seres humanos são

reintegrados no restante mundo natural e é salientada a importância da nossa base biológica, algo que nas sociedades ocidentais parece ter vindo a ser esquecido. Já na década de noventa, Johnson (1991) recupera a ideia do poder subversivo da Ecologia e compara-o ao provocado pela Astronomia no século XVII. Quando Galileu aderiu às ideias de Copérnico não se tratou apenas de uma questão de conflito entre teorias de astronomia em competição. A centralidade

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Golley (1993) afirma mesmo que os ecólogos, quando escasseiam dados, se têm voltado para outras ciências e para a filosofia, na procura de conceitos aliados que os ajudem na interpretação das suas observações. E por isso também considera que não é claro onde termina a Ecologia e começa o estudo da ética da natureza; se a Ecologia se centra na explicação da realidade ela torna-se implicada, até certo ponto, nas acções deliberativas humanas. E Thomashow (1996) considera que a Ecologia potencia uma nova tomada de consciência do nosso lugar e a capacidade de vermos o ecossistema como parte de nós mesmos, desde que se adquira a capacidade de observar e interiorizar todo o significado da rede de interconexões e interdependências existentes entre todos os seres vivos.

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Outros autores inserem-se nesta linha. Matagne (2002) destaca claramente a diferença entre ecólogo - o cientista, e ecologista - o activista que se envolve na batalha política e ideológica ligada à protecção da natureza e do ambiente.

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física da Terra era entendida como uma centralidade moral, e Galileu surgiu como alguém que parecia pretender denegrir a dignidade do Homem e negar a ordem valorativa estabelecida por Deus.

Contudo, o leque de implicações para a sociedade decorrentes do conhecimento ecológico é fonte de discórdia. Para Acot (1988) está a conduzir a três atitudes não exclusivas: à conservação da natureza (com a criação de áreas protegidas); ao biologismo social (com a aplicação às sociedades de conceitos da área da Biologia); e à sacralização da natureza (uma reverência religiosa com implicações no modo de vida humano). E decorrente da consciência ecológica que cada homem adquire, proporciona a dimensão verdadeiramente subversiva: “a de [cada um] existir como ser responsável no movimento histórico da sociedade” (p. 264). A presença destas três atitudes parece-nos indesmentível, e no caso particular da última, mesmo sabendo que a ciência visa desvendar mistérios e não conduzir a qualquer forma de misticismo, é inegável a influência do conhecimento ecológico no surgimento dos tipos mais diversos de fundamentalismo.

Por seu lado, Des Jardins (2000) destaca a influência preponderante do conhecimento ecológico nos tipos de holismo seguintes: o metafísico, o metodológico ou epistemológico e o ético. Em relação ao primeiro, os estudos sinecológicos distanciam a Ecologia da visão atomista das outras Ciências da Natureza. Os ecossistemas não constituem meras abstracções explicativas e são tão reais quanto os seres que deles fazem parte. Estas entidades traduzem uma demonstração das ideias presentes na teoria da emergência proposta por Lloyd Morgan em 1923. Worster (1994) sintetiza-a do seguinte modo: quando A e B são misturados, o resultado pode ser uma nova síntese, em vez de uma mera mistura aditiva. Deixamos de ter AB para passar a ter C. "O produto da emergência pode ser uma substância tão básica como a água - a emergência de dois gases - ou completamente maravilhosa, como o cérebro humano. Cada um é a síntese de partes que deixaram as suas entidades anteriores e se tornaram compreensíveis só no seu novo contexto" (p. 322). Desta forma, a hierarquia na organização da matéria obedece a uma sucessão de entidades que podem ser consideradas "todos" e que formam outros "todos" de ordem superior. A sequência vai desde as partículas subatómicas até ao Universo: os átomos formam moléculas, as moléculas formam células, as células

organismos, os organismos populações, as populações comunidades e estas distribuem-se no seio dos ecossistemas que, por sua vez, constituem a ecosfera terrestre inserida nos sistemas

astronómicos.184 Assim, a estabilidade de um ecossistema é mantida através de um sistema

complexo de processos de retroacção, o que gera uma ordem espontânea e superior em riqueza, integridade e beleza à das suas partes constituintes. Uma tal concepção não implica que as partes tenham obrigatoriamente de ser denegridas, uma vez que os ecossistemas evolucionários maximizam a individualidade de várias formas (facto esse provado pela teoria do nicho ecológico) e potenciam ao longo do tempo geológico a multiplicação de espécies.

Em sintonia com estas ideias, vários ecólogos têm procurado demonstrar que nem todos os processos ecossistémicos podem ser explicados a partir do estudo individualizado das suas partes constituintes. Golley (1993) procura precisamente distinguir esses processos quanto a esta característica e considera mais provável que os processos estritamente biológicos possam ser explicados com base na acção dos indivíduos que neles participam. Encontram-se nesta situação as teias tróficas cuja rede é a soma das capacidades de alimentação dos seres intervenientes. Mesmo assim, Golley considera que alguns acontecimentos biológicos, como as relações de cooperação, resistem a esta interpretação; pelo menos em algumas espécies gregárias os indivíduos agem para uma finalidade comum não redutível. Mas uma vez que as propriedades genuínas dos ecossistemas envolvem uma mistura de processos biológicos e físico-químicos, o reducionismo explicativo torna-se inviável. Assim, o fluxo de água e nutrientes numa bacia hidrográfica (output) depende da interacção dos seres vivos, das rochas, da água, da atmosfera e do solo, e torna-se uma propriedade genuína do todo. Igualmente o é a reflexão da energia solar que depende da densidade da vegetação, do seu estado fisiológico e da presença e características da água

existente.185 Mas nesta finalidade de melhor compreender o que se passa a níveis de mais

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Worster (1994) considera que o cientista William Wheeler (1865-1937) foi responsável pela atribuição à teoria da emergência de um papel ecológico distinto, ao chamar a atenção para o facto de os processos de associação ecológica modificarem igualmente cada ser vivo. É nesta linha de pensamento que se inserem as ideias de Rolston III (1988), que defende que qualquer nível é real desde que provoque ou influencie, de algum modo, os níveis inferiores: o átomo é real porque molda o comportamento dos electrões; a célula, porque molda o comportamento dos aminoácidos, a comunidade porque molda o comportamento das suas partes ou membros. Encarar cada uma destas entidades como um "todo" facilita e explica as analogias organicistas aplicadas aos ecossistemas e à Terra como um todo.

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McIntosh (1985) considera que as propriedades emergentes nos ecossistemas podem ser de dois tipos. Umas resultam da nossa ignorância em termos do funcionamento destas entidades e desaparecem com o estudo

elevada complexidade organizacional, Golley não deixa de salientar que os "todos" ecossistémicos são mais fracos quando comparados com as unidades individualizadas que constituem a maior parte dos seres vivos. Contudo, para Rolston III (1988), é nesta característica que reside precisamente a força do sistema, por permitir todo o dinamismo e mutabilidade associados a estas entidades.

A segunda forma de holismo referida por Des Jardins, o metodológico ou epistemológico, decorre da procura de compreensão dos fenómenos naturais de uma maneira mais integrada. Vários estudos ecológicos têm detectado conexões, mesmo que ténues, entre

fenómenos aparentemente não relacionáveis.186 O claro pendor reducionista da metodologia

científica revela-se um obstáculo à sua detecção, mas importa não desvalorizarmos a dificuldade real de conseguirmos estudar estes fenómenos complexos de um modo menos

reducionista.187

Por último, o holismo ético a que Des Jardins faz referência decorre do conhecimento da teia de relações e processos ecológicos que ocorrem nos ecossistemas e que implica considerá-los valiosos por si e em si mesmos. O facto de os ecossistemas serem um contínuo de variação não centralizado, em que há seres que migram e interacções persistentes

conjuntamente com outras ocasionais,188 não impede a possibilidade da sua individualização

como entidade susceptível de consideração moral.189

O conhecimento dos processos que ocorrem nos ecossistemas tem ainda implicações na forma como se olha para os diferentes seres vivos que deles fazem parte. Como afirma

continuado das partes; outras são verdadeiramente emergentes e não redutíveis e podem ser explicadas por regras apropriadas a nível ecossistémico.

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O teor e alcance destas conexões é objecto de polémica. Peter (1995) classifica de truísmos ambientais todas as afirmações que surgem como verdades mas que nada mais são do que conceitos vazios, impossíveis de testagem ou falsificação. Insere neles os seguintes: Everything is connected to everything else; You can’t change just one thing; Nature knows best; Nothing goes away; Dilution is no solution to pollution; There is no free lunch. O seu nível de generalidade encerra a vantagem de nunca estarem errados e a sua defesa decorre do posicionamento ético e político de quem as profere e não do apoio que as teorias científicas lhes concedem.

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Passmore (1974) prefere relativizar esta dificuldade e considera que o caminho analítico e atomista seguido pela ciência não tem de ser considerado intrínseco ao empreendimento científico. E lembra que uma boa prova disso mesmo é-nos dada pela Ecologia, que evidencia a necessidade de novos rumos como a interdisciplinaridade e a valorização do trabalho de campo.

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Rolston III (1988) salienta que é certamente a não existência de um processo centralizado nos ecossistemas uma das razões que justifica a falta de teorias unificadoras em Ecologia.

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Goodpaster (1978) faz mesmo a analogia entre o funcionamento dos seres vivos e o dos ecossistemas. E uma vez que ambos os sistemas se regem por processos que visam diminuir a tendência para a entropia, considera-o um critério suficiente para a atribuição de considerabilidade moral também às entidades holísticas.

Naess (1989), "a crise ambiental contribui para abrir a nossa mente para fontes de vida igualmente significativas, e que têm sido depreciadas no nosso percurso de adaptação a uma megasociedade urbanizada e tecno-industrial" (p. 24). Formas de vida menos complexas, como bactérias, fungos, plantas ou invertebrados, não contempladas nas teorizações biocêntricas de Singer e Regan, são agora valorizadas pelo seu mérito ecossistémico, razão que, como vimos, era considerada irrelevante no biocentrismo igualitário de Taylor. A estes seres associam-se importantes reacções de síntese (fotossíntese e quiossíntese) e decomposição; a transferência de energia e nutrientes; a estrutura de vários ecossistemas (recifes de coral, florestas); o envolvimento num leque diverso de relações bióticas, aspectos todos eles indispensáveis para o funcionamento regular dos ecossistemas e da ecosfera como um todo.190

Contudo, a Ecologia não se limita a evidenciar a importância dos seres vivos que constituem a base do sistema. Um caso particularmente bem documentado, desde os estudos de Ecologia animal da responsabilidade de Charles Elton, é o do papel ecológico dos superpredadores. Com a sua eliminação, vários ecossistemas sofreram uma degradação acentuada, motivada pela explosão das populações de presas desses animais. Para se retomar o equilíbrio ecossistémico é muitas vezes necessário controlar o número de indivíduos das espécies em crescimento, provocando a sua morte. Esta necessidade colide com os princípios das teses biocêntricas atomistas, que consideram inaceitável este método de controlo das populações, mas, de facto, nem sempre a esterilização de indivíduos ou o seu transporte para outros ecossistemas é viável ou suficiente.

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Por exemplo, Wilson (1987), apesar da sua postura antropocêntrica, não deixa de chamar aos invertebrados os "pequenos seres que fazem andar o mundo" (p. 129), e lembra que "a verdade é que nós precisamos deles mas eles não necessitam de nós" (p. 130). O seu desaparecimento conduziria à extinção da maior parte dos vertebrados e plantas, e a Terra voltaria ao estado de há milhares de milhões de anos atrás, constituída por bactérias, algas e plantas simples. Por isso, destaca o valor instrumental destes seres para o Homem pelos serviços ecossistémicos que prestam associados à produção alimentar, reciclagem da água, assimilação de detritos e purificação do ar, para além de fornecerem substâncias medicinais e outros produtos com valor comercial. Para Nash (1989), todos estes seres contribuem para que as áreas selvagens funcionem de maneira perfeita, completa e independente, e põem em causa a distinção clássica entre formas de vida superiores e inferiores. A ideia de higher em Biologia não se relaciona com valor adaptativo e, muito menos, com papel instrumental nos ecossistemas. Também Callicott (1980) afirma que uma "land ethic" se orienta não para estabelecer distinções na base de ordens mais elevadas ou inferiores dos seres, mas sim na importância dos organismos, minerais, etc., para a comunidade biótica. Por isso pergunta: se a vida subjectiva é uma consequência da vida objectiva, por que não valorizar todo o processo com todos os seus produtos?

Uma interpretação precipitada associada à importância do mérito das espécies em termos ecossistémicos é considerá-la um contributo para a legitimação da eliminação ou substituição das espécies pouco relevantes, o que colocaria pelo menos algumas teses biocêntricas em melhor posição para a defesa da preservação integral da biodiversidade. Mas tal conclusão revela-se precipitada: não só as referidas espécies-chave estão longe de se encontrarem bem identificadas (questiona-se mesmo, tal como Leopold o fizera, se alguma vez conseguiremos uma compreensão total do contributo de cada ser para o funcionamento do sistema), como um menor papel não significa ausência do mesmo. Além disso, é aos sistemas ecológicos que cabe eliminar as espécies menos adaptadas, e não ao Homem.

Mas o foco na funcionalidade dos seres para o sistema encerra ainda o perigo real de uma desvalorização do ser humano. Como refere Rolston III (1988, 1994a), se subtraíssemos a nossa presença de muitos ecossistemas, estes não seriam afectados negativamente, uma vez

que os sistemas de apoio da vida dependem dos outros seres e não de nós.191 Contudo,

Rolston III (1994a) ultrapassa facilmente este problema ao defender que o sistema parece manifestar uma tendência intrínseca para a complexidade. Uma tal afirmação é polémica. Por exemplo, para Gould (1995) os valores produzidos pelo sistema são-no de forma aleatória e os acontecimentos mais interessantes caem claramente ao nível da contingência. Mas Rolston III apoia-se na afirmação dos geneticistas, que têm insistido que os processos não são cegos. Isto é, o processo evolutivo não é deliberado, no sentido consciente, mas é cognitivo, à semelhança do que acontece com os computadores que podem seleccionar problemas.

Desta forma, os seres complexos são o que de melhor o sistema produziu e devem ser valorizados pelas capacidades e desempenhos que manifestam: locomoção, manipulação, aprendizagem, senciência, comunicação e aquisição de linguagem. Têm um valor intrínseco superior, já que são animais que incorporam alcances evolucionários fantásticos. Nesta

medida, a espécie humana é o exemplo máximo deste alcance evolucionário.192 O holismo

ético, sugerido pela Ecologia, não tem assim de colocar o ecocentrismo em colisão com a

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Pelt (1991) assinala que não estão ausentes do movimento ecológico ideias em que o Homem não passa de um ser desnaturado e que a natureza teria todo o interesse em se livrar dele para enfim poder retomar o seu caminho. No fundo, o caminho conducente ao já citado fascismo ambiental a que Tom Regan faz referência.

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Para Passmore (1974) é indiscutível que o contributo da nossa presença é a civilização, que se traduz em realizações como a ciência, a técnica, a filosofia, a arquitectura, a paisagem rural.

considerabilidade moral do ser humano, mas, em vez disso, de assinalar a complementaridade onde os críticos procuram a incompatibilidade. O perigo da desvalorização do ser humano é variável em função do significado atribuído ao dever que temos para com a manutenção do funcionamento do planeta de forma equilibrada. Esse dever pode constituir uma fonte de obrigação moral entre outras e não deve propriamente ser encarado como único. E, como salienta Rolston III (1996), ainda menos se trata de colocar os seres humanos a perder perante a natureza, uma vez que só ganhamos com a sua preservação. As perdas, quando existem, são

exclusivamente individuais.193

Claro que toda a história da humanidade foi construída à custa da integridade dos ecossistemas. Simplesmente, chegámos a um ponto em que a degradação da natureza está a

tornar a cultura menos satisfatória.194 E tão pouco é relevante justificar a destruição da

natureza como essencial para o combate à subnutrição. Se o problema da fome constituísse uma prioridade, não canalizávamos esforços para outros empreendimentos de menor

relevância.195 Além disso, é a falta de justiça interhumana que está na base da pobreza, onde

se associam os problemas da sobrepopulação, sobreconsumo, e distribuição e repartição de

bens e serviços. O sacrifício da natureza não constitui solução para nenhum deles.196

193

Rolston III (1996) explica de que forma as perdas individuais não podem ser confundidas com perdas da sociedade; um agricultor ou um criador de gado podem não ganhar com a extensão das suas actividades para uma dada área florestal, mas essa limitação pode revelar-se vantajosa para a comunidade. E estabelece a seguinte analogia: com o fim da escravatura também muitos possuidores de escravos foram lesados e com a emancipação feminina muitos homens perderam oportunidades de emprego. Em contrapartida, dado que os talentos e as capacidades dos negros e das mulheres passaram a ser valorizados, toda a sociedade ganhou.

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Como afirma Odum (1969), "o problema básico que enfrenta a sociedade humana é como determinar de maneira objectiva quando estamos a obter demasiado de uma coisa boa" (p. 601).

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De forma mais genérica, Rolston III (1996) salienta que as políticas encetadas pelos governos provam que nem sempre o bem-estar de todos os seres humanos é prioritário. A não aprovação de um programa de saúde eficaz que permita o acesso de todos os cidadãos de atempadamente; a permissão de certos níveis de poluição