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CAPÍTULO II TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2 A RELAÇÃO ENTRE DEMOCRACIA E DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 ASPECTOS DA “TELEDEMOCRACIA” PROPOSTA POR PÉREZ LUÑO

2.1.1 A perspectiva fraca e a democracia representativa

Com amparo nas lições de Dahl, Renato Stanziola Vieira234 ressalta que a democracia representativa decorre da inviabilidade do pleno exercício da democracia direta, possuindo como característica essencial a escolha de representantes da vontade abstrata do povo.

Nesse contexto, Antônio Enrique Pérez Luño235 entende que “una forma de proyección de las NT [novas tecnologías] en el proceso político democrático es aquélla que tiene por objeto el reforzamiento de los causes de la representación parlamentaria”. O enfoque conferido por esse doutrinador recai sobre o processo de escolha dos representantes populares por meio das campanhas eleitorais, na medida em que os novos recursos tecnológicos podem ser utilizados para analisar as reações dos cidadãos – o que o autor nomina de “opinião pública” – em face dos programas e das propostas apresentadas pelos partidos políticos.

Ademais, esse doutrinador salienta a possibilidade de exercício do sufrágio universal a partir de recursos tecnológicos, o que, na sua concepção, confere novas possibilidades para a democracia representativa. Sem adentrar nos questionamentos que envolvem o processos eleitoral instaurado no Brasil, há que se destacar os benefícios que a informatização trouxe, ao conferir maior celeridade ao processo de apuração dos votos, bem como a possibilidade de controle efetivo e simultâneo, inclusive pela população, do processo de contagem dos votos236.

Antônio Enrique Pérez Luño237 faz uma ressalva essencial para a defesa da importância da utilização de novos recursos tecnológicos no âmbito da funções estruturantes do Estado238: “Uno de los grandes retos de las democracias del presente es el posibilitar una red de comunicación directa entre la Administración y los administrados que redunde en una profundización democrática y en una mayor transparencia y eficiencia de la actividad pública”.

234 VIEIRA, Renato Stanziola. Jurisdição constitucional brasileira e os limites de sua legitimidade

democrática. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

235 Tradução livre: uma forma de projeção das novas tecnologias no processo democrático é aquele que tem como

objeto o reforço das causas de representação parlamentar. LUÑO, Antônio Enrique Pérez. Los derechos humanos en la sociedad tecnológica. 1. ed. Madrid: Editorial Universitas, 2012a, p. 46.

236 O sistema de votação eletrônica desenvolvido no Brasil apresenta-se como um paradigma para os demais países,

em face da sua colaboração para a transparência do processo de votação, bem como da contagem dos votos. Ademais, o pioneirismo na implantação desse modelo e a qualidade do software e de todo o processo eleitoral são elementos que merecem o devido destaque.

237 Tradução livre: Um dos maiores objetivos das democracias atuais é possibilitar uma rede de comunicação direta

entre a Administração e os administrados que ocasione um aprofundamento democrático e uma maior transparência e eficiência da atividade pública. Ibid., p. 49.

238 Cabe mencionar a Lei 12.257/11 que regulamenta o direito à informação aos cidadãos, conferindo publicidade

à gestão financeira dos entes que compõem a Fazenda Pública e outras entidade, com a finalidade de conferir legitimidade às ações do Estado em face da possibilidade de fiscalização contínua das ações praticadas pelos cidadãos – aspecto essencial ao paradigma do Estado democrático constitucional.

A possibilidade de controle das atividades estatais, mediante instrumentos tecnológicos de arquivamento de informações, é essencial para se viabilizar os pilares da democracia participativa – ultrapassando as delimitações de Antônio Enrique Pérez Luño239

que se voltam à democracia representativa.

De acordo com José Joaquim Gomes Canotilho240, a democracia participativa tem como referencial a teoria pluralista, uma vez que busca viabilizar espaço para a efetiva participação popular no processo de tomada de decisões (processo racional discursivo) com procedimentos legitimadores.

Hermes Zaneti Junior241 esclarece que a democracia participativa difere da democracia direta no momento em que aquela visa garantir a potencialidade de participação dos sujeitos e dos grupos sociais nos espaços públicos. A importância dos recursos tecnológicos no âmbito da democracia participativa é ressaltada por Ricardo César Ferreira Duarte Junior242.

Inobstante a perspectiva da análise desse autor se refira ao desenvolvimento econômico a partir da garantia das liberdades políticas – distinta dos parâmetros de estudo deste trabalho –, visualiza-se uma contribuição doutrinária relevante em defesa da uma nova concepção de democracia no âmbito da sociedade atual, marcada pelo gradativo processo de informatização.

Ricardo César Ferreira Duarte Junior243 defende que a ampliação do espaço público244 demanda a utilização de novos instrumentos (como a internet), a fim de viabilizar o efetivo diálogo e publicização das informações. Sob esse novel contexto, a democracia – nominada de

239 LUÑO, Antônio Enrique Pérez. Los derechos humanos en la sociedad tecnológica. 1. ed. Madrid: Editorial

Universitas, 2012a.

240 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra, 2003. 241 ZANETI JUNIOR, Hermes. A Constitucionalização do processo: a virada do paradigma racional e político

no processo civil brasileiro do Estado Democrático Constitucional. 2005. 408f. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito. Porto

Alegre, 2005. Disponível em <

http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/4525/000502097.pdf?sequence=1>. Acesso em abr. 2013. 242Nestes termos: “Com a internet, o espaço público, território para discussões e manifestações, e o próprio exercício da democracia participativa aumenta, é expandido, tornando-se agora um espaço mais fluido, mas de dimensões muito maiores ao espaço físico convencional. Não há mais o problema geográfico existente na época das ditaduras, pois o espaço agora é virtual. Podemos nos conectar, discutir e controlar as políticas públicas e governamentais existentes do outro lado do país. Assim nasce o “ciberterritório” e a “cibercidadania”, uma das maiores esperanças para a ampliação da democracia participativa.” DUARTE JUNIOR, Ricardo César Ferreira. Liberdades políticas e internet: uma relação essencial para o desenvolvimento a partir da teoria de Amartya Sen. Direitos e novas tecnologias [Recurso eletrônico on-line]. Organização CONPEDI/UFF. VERONESE, Alexandre; ROVER, Aires José; AYUDA, Fernando Galindo (coord). Florianópolis: FUNJAB, 2012, p. 16. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/publicacao/livro.php?gt=122>. Acesso em 20 jul. 2013.

243 Ibid., p. 28.

244 Esse autor considera que o espaço público configura-se, hodiernamente, como um “ciberterritório”, ou seja, um

ambiente no espaço cibernético (virtual) por meio do qual é possível a disseminação de informações e compartilhamento de conhecimentos em escala, inclusive, global.

“ciberdemocracia”245 – apresenta-se sob uma nova roupagem, a fim de permitir que o povo,

efetivo detentor do poder no modelo de Estado democrático constitucional, possa participar do processo de decisão política no âmbito da gestão pública.

Essa temática já é alvo de especulações também no âmbito da ciência política e da comunicação, fato que demostra a interdisciplinaridade necessária para uma compreensão mais ampla da democracia representativa no atual estágio da sociedade.

Sob a perspectiva da área de comunicação, Adriana de Araújo Guzzi246 destaca o papel da disponibilização de informações (por meios tecnológicos) ao público, mormente diante da colaboração desse fenômeno com o efetivo processo de participação política nos seguintes termos: “em determinadas situações de interesse geral as pessoas não podem participar a menos que recebam informações completas e objetivas que servirão de base para suas avaliações”.

Esclareça-se: a mera divulgação de informações mediante o uso das novas tecnologias não é suficiente para garantir o exercício pleno da democracia representativa, tampouco da democracia participativa. Contudo, permite-se que esteja disponível aos cidadãos uma ferramenta de controle dos atos praticados pelo Estado, o que facilita a compreensão do povo sobre a gestão pública desenvolvida e permite, por conseguinte, o aperfeiçoamento dos mecanismos democráticos247.