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CAPÍTULO II TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

3 ACESSO À JUSTIÇA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

3.1 O ACESSO À JUSTIÇA EM CRISE?

3.1.1 Crise de representatividade

A perspectiva da representatividade remonta aos obstáculos – próprios da segunda onda renovatória identificada por Mauro Cappelletti e Bryan Garth280 – quanto à dificuldade de defesa, no âmbito do Poder Judiciário, dos direitos coletivos e difusos.

É cediço que a efetiva proteção desses direito demanda técnica processual distinta das demandas eminentemente individuais, mormente diante da extensão dos efeitos da coisa julgada, bem como a perspectiva difusa dos direitos fundamentais, em regra, associam-se às políticas públicas e à participação popular, consoante dispõem Dierle Nunes e Ludmila Teixeira281.

Segundo Mauro Cappelletti e Bryan Garth282, essa problemática envolve o questionamento acerca do papel político do julgador em face das demandas coletivas, bem como da sua função em prol da cidadania – o que, por vezes, não é devidamente averiguado diante da visão eminentemente individualista ainda presente na compreensão dos institutos e normas do processo civil.

Nesse sentido, a demanda por novos atores processuais (coletivos) sobreleva a perspectiva política do direito de acesso à justiça, fato que enseja o aprofundamento dos estudos em prol da compreensão do processo como elemento essencial para a construção da própria cidadania283. Isso é possível diante da ampliação do espaço de atuação, antes restrito à Administração Pública no âmbito das políticas públicas, para a atuação da sociedade civil e a majoração da influência do Poder Judiciário (protagonismo judicial).

O desgaste gradativo das instituições tradicionais de representatividade da vontade popular trouxe para o Poder Judiciário uma nova função, conforme dispõem Dierle Nunes e Ludmila Teixeira284: “[...] ter acesso à justiça não corresponde a ter acesso aos direitos como bens ou como liberdades apenas, é possuir garantias [...] de não ‘estar à margem das dinâmicas propiciadoras de reconhecimento social’”.

280 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:

1988.

281 NUNES, Dierle; TEIXEIRA, Ludmila. Acesso à justiça democrático. 1. ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. 282 Ibid.

283 ALVES, Cleber Francisco. A estruturação dos serviços de Assistência Jurídica nos Estados Unidos, na

França e no Brasil e sua contribuição para garantir a igualdade de todos no Acesso à Justiça. 2005. 614f. Tese de doutoramento. Programa de Pós-Graduação em Teoria do Estado e Direito Constitucional do

Departamento de Direito da PUC-Rio. 2005. Disponível em: <

http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp067747.pdf>. Acesso em 12 fev. 2013

No âmbito dos recentes movimentos em prol da constitucionalização e democratização do sistema jurídico, aos direitos fundamentais285 são atribuídas as funções de “integração dos indivíduos no processo político-comunitário e da ampliação do chamado espaço público”286.

Com isso, associam-se os direitos fundamentais aos aspectos democráticos, como elemento que viabiliza a cidadania, haja vista que se releva, gradativamente, a importância do direito de participação dos cidadãos na sociedade, inclusive no âmbito de realização desses direitos perante o Poder Judiciário287.

Com amparo na doutrina, Dierle Nunes e Ludmila Teixeira288 identificam duas noções de cidadania: (a) cidadania política, relacionada à participação do povo nos procedimentos democráticos para a produção da lei; (b) cidadania social, voltada ao acesso ao processo de aplicação da lei no âmbito do processo judicial, numa perspectiva coletiva, viabilizada por vários instrumentos, como a ação civil pública.

Inobstante defenda-se ao longo do trabalho uma perspectiva democrática do processo, há que se demilintar o problema da questão: quais os limites do protagonismo judicial como elemento em prol da ampliação da democratização do acesso à justiça? Isso porque a mera associação entre esses dois elementos sem um parâmetro objetivo de análise demonstra-se insuficiente para sanar o questionamento.

Conforme ressalvam Dierle Nunes e Ludmila Teixeira289, a associação da perspectiva democrática do acesso à justiça à ampliação da postura proativa do julgador demanda uma pesquisa científica com metodologia deveras difícil, diante da complexidade do tema, bem como diante da necessidade de conjugação de dados analíticos variados.

Contudo, qualquer delimitação da pesquisa deve necessariamente compreender e considerar o fato de que a postura em defesa do protagonismo judicial nem sempre está associada à problematização dos direitos fundamentais. Conforme se verá no capítulo

285 Em capítulo próprio, faz-se menção à teoria dos direitos fundamentais, ressalvando-se a sua dimensão como

princípio objetivo de atuação do Estado, bem como relacionando-os à democracia, numa postura teórica que compreende a complementariedade entre tais elementos. Por essa razão, a menção aos direitos fundamentais, nesse momento, é bastante restrita ao tema de análise da crise no âmbito do acesso à justiça.

286 CITTADINO, Gisele. Judicialização da política, constitucionalismo democrático e separação dos poderes. In:

VIANNA, Luiz Werneck. A Democracia e os três Poderes no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, IUPERJ, FAPERJ, 2002, p. 29.

287Nesse sentido: “O ‘novo’ conceito de cidadania que se descortina implica na luta pela efetividade desses direitos

meta-individuais que, todavia, não perdem o caráter de direitos fundamentais. Estamos falando do direito à terra e à moradia, do direito ao meio ambiente, do direito do consumidor, além dos direitos das mulheres, das crianças, dos idosos, das minorias étnicas etc, associados aos chamados direitos de ‘terceira geração’ e que por sua vez normalmente costumam ser vinculados à ‘segunda onda’ do movimento constitucional de acesso à Justiça.” ALMEIDA, Andréa Alves de. Processualidade jurídica e legitimidade normativa. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 60.

288 NUNES, Dierle; TEIXEIRA, Ludmila. Acesso à justiça democrático. 1. ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. 289 Ibid.

subsequente, durante vários anos, a teoria de Oskar von Bülow290 sobre a compreensão da relação jurídica processual enfatizou a majoração dos poderes do julgador, sem que isso estivesse associado à proteção dos direitos fundamentais, tampouco de elementos democráticos no âmbito processual.

Pelo contrário, conforme ressalva Luiz Guilherme Marinoni291, a teoria da relação jurídica, em face de sua visão introspectiva, não se preocupou com as questões democráticas do processo, bem como com a busca pela concretização dos direitos fundamentais. Isso é só um exemplo do problema do protagonismo judicial.

Segundo Dierle Nunes e Ludmila Teixeira292, “se o ativismo puder servir a dois

senhores, igualmente à concretização de direitos e à instrumentalidade do Judiciário para

projetos estatais ou do sistema econômico, é claro que a tese não passa de uma especulação inconsequente [...]”.

Sendo assim, a defesa do protagonismo judicial como elemento que viabiliza a democratização do acesso à justiça poderá macular ainda mais o problema da representatividade, dificultando a sua conformação com o modelo de Estado democrático constitucional.