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CAPÍTULO I FUNÇÃO JURISDICIONAL E PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO

1 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA INFORMATIZAÇÃO

1.1 ACESSO À JUSTIÇA

A análise da função jurisdicional insere-se na terceira onda renovatória proposta por Mauro Cappelletti e Bryan Garth434, que prevê os instrumentos necessários para viabilizar o

direito de acesso à justiça em sua plenitude. A concepção dos direitos fundamentais como princípios objetivos demanda a criação de novos instrumentos para viabilizar a concretização desses direitos à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.

A relevância do direito de acesso à justiça para a informatização do processo judicial é tamanha que um dos parâmetros para a análise do PJe volta-se à averiguação se esse software colabora com a sua perspectiva democrática, razão pela qual neste tópico se abordam apenas os pilares essenciais do direito de acesso à justiça, com enfoque no âmbito da função jurisdicional. Em Gilmar Ferreira Mendes435, a norma do artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal compreende a concepção de “direito à proteção judicial efetiva”, o qual detém caráter normativo e exige providências para a sua realização, inclusive com órgãos jurisdicionais autônomos e independentes.

433 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PJe Processo Judicial Eletrônico. Cartilha. Brasília, 2010.

Disponível em:

www.cnj.jus.br/images/dti/processo_judicial_eletronico_pje/processo_judicial_eletronico_grafica2.pdf. Acesso em: 25 jul. 2013.

434 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:

Fabris, 1988.

435 MENDES, Gilmar Ferreira. Proteção judicial efetiva dos direitos fundamentais. In: LEITE, George Salomão;

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais e Estado Constitucional – Estudos em homenagem a J. J. Gomes Canotilho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 376.

Segundo José Joaquim Gomes Canotilho436, o acesso à justiça apresenta duas dimensões jurídico-constitucionais distintas, as quais merecem ser mensuradas em prol da concretização desse direito fundamental. A primeira dimensão identifica quatro pressupostos básicos: direito à decisão fundada em norma jurídica; direito a pressupostos constitucionais materialmente adequados; proteção jurídica eficaz e temporalmente adequada; direito à execução dos julgados.

Apesar da relevância dos pressupostos indicados na primeira dimensão, dar-se-á maior ênfase ao terceiro direito, qual seja, o direito à proteção jurídica eficaz e temporalmente adequada. José Joaquim Gomes Canotilho437 analisa o fator tempo para a efetividade da prestação jurisdicional, expondo a necessidade de apreciação da lide e consequente resposta jurisdicional em tempo útil, ou seja, sem dilações temporais inúteis.

Além de expor que “a justiça tardia corresponde à denegação da justiça”, esse doutrinador defende que a mera aceleração da proteção jurídica, com a diminuição das garantias processuais e materiais, não é a solução mais adequada, haja vista a possibilidade de criar uma “justiça pronta” e materialmente injusta438.

Sobre o tema, Artur Cortez Bonifácio439 ressalta que “a lentidão da justiça, por sua

parte, contribui ao encarecimento dos feitos e à inviabilização dos pedidos”. Nessa perspectiva, a morosidade processual macula a efetividade das decisões judiciais e, por conseguinte, a proteção dos direitos fundamentais do indivíduo que submete o seu litígio à apreciação do Poder Judiciário, em dissonância com a perspectiva de preservação da dignidade da pessoa humana.

Considerando que a dignidade da pessoa humana visa tutelar a vulnerabilidade humana, a efetividade das decisões judiciais por meio da resposta eficaz e temporalmente adequada perfaz-se como elemento imprescindível à sua concretização. Essa compreensão é de suma importância, visto que as reformas legislativas e mudanças comportamentais nos órgãos jurisdicionais não podem, sob o pretexto de buscar a celeridade processual, reduzir direitos e garantias processuais.

Esclareça-se: sob o manto de buscar solução para a concretização do direito de acesso à justiça, não se justifica a supressão de garantias processuais de cunho fundamental, haja vista a necessidade de manutenção da legitimidade de atuação do Poder Judiciário no âmbito da

436 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra:

Almedina, 2003.

437 Ibid. 438 Ibid., p. 499.

439 BONIFÁCIO, Artur Cortez. O Direito Constitucional Internacional e a proteção dos Direitos

elaboração da norma de decisão. Com isso, o problema da morosidade processual merece ser analisado à luz dos direitos e garantias democráticas existentes no atual paradigma de Estado, mormente quanto à necessidade de institucionalização do discurso e à democratização do direito de acesso à justiça.

Ademais, a universalização do acesso à justiça visa primordialmente garantir um processo justo aos cidadãos, independentemente dos limites territoriais do Estado ao qual esteja vinculado. É um procedimento, pois, que promove o exercício da cidadania pelos sujeitos de direito, garantindo o adequado respeito às normas jurídicas, à luz da concepção dos direitos humanos.

Na concepção de Celso Lafer440, o atual sistema de proteção dos direitos humanos, na perspectiva universal, tem como fundamento primordial o reconhecimento do valor da pessoa humana (dignidade) em escala universal. Para esse autor, portanto, existe “o reconhecimento no âmbito do sistema internacional de valores que passaram a pesar nas decisões do poder, na prática dos Estados e no processo de criação de normas do Direito Internacional Público”441.

Defende-se a universalização do acesso à justiça com a finalidade de proteger a dignidade da pessoa humana e os direitos inerentes a ela, bem como conferir a efetiva proteção jurisdicional aos anseios dos cidadãos. Tal universalização compreende a perspectiva democrática do Estado constitucional e a previsão de mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos, conforme dispõe Artur Cortez Bonifácio442.

Um dos pilares para a concretização do acesso à justiça reside na recepção, pelos Estados, de decisões supranacionais – perspectiva de internacionalização desse direito – pautadas na dignidade da pessoa humana, mediante a defesa dos direitos civis, políticos, econômicos, culturais e sociais do indivíduo443.

Para a garantia da internacionalização do acesso à justiça nos moldes expostos, faz-se imprescindível conferir instrumentos que possibilitem ao indivíduo (em nome próprio ou por intermédio de uma entidade internacional) peticionar, perante órgãos internacionais de proteção aos direitos humanos, independentemente da sua nacionalidade, que se requeira a revisão da decisão interna (do seu Estado de origem) formalmente válida na defesa dos seus direitos humanos.

440 LAFER, Celso. Comércio, Desarmamento, Direitos Humanos: reflexões sobre a experiência diplomática.

São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999.

441 Ibid., p. 179.

442 BONIFÁCIO, Artur Cortez. O Direito Constitucional Internacional e a proteção dos Direitos

Fundamentais. Coleção Professor Gilmar Mendes. v. 8. 1. ed. São Paulo: Método, 2008.

443 WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna: participação e processo. São Paulo, Revista

Essa possibilidade de recorrer ao sistema de proteção dos direitos humanos é contemplada no artigo XXVIII da Declaração Universal dos Diretos Humanos444, com o objetivo de conferir meios para a defesa do ser humano quando da violação dos direitos previstos naquele documento internacional.

A par da ampla discussão que permeia a possibilidade de revisão das decisões judiciais por um Tribunal Internacional, principalmente no que se refere à questão da soberania dos Estados, defende-se a possibilidade de o indivíduo peticionar perante os órgãos de proteção dos direitos humanos, na defesa da proteção da dignidade do homem e seus consectários (ideais de igualdade, liberdade, justiça social, direitos fundamentais, além de outros).

Além da possibilidade de acesso aos órgãos internacionais, há pactos/tratados, como a Convenção Americana sobre os Direitos do Homem, que preveem o direito de todo cidadão obter uma decisão judicial, proferida por um juiz competente, em tempo razoável445. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos446 também faz expressa previsão ao direito à justiça,

para resguardar o tratamento igualitário entre as partes processuais, o direito de defesa e de presença do acusado no julgamento.

Nesse diapasão, infere-se que a informatização do processo judicial (fenômeno que ensejou a criação do PJe) visa ampliar o direito de acesso à justiça, bem como racionalizar e ampliar a eficiência no exercício da função jurisdicional, em prol da razoável duração do processo e da majoração da publicidade dos autos processuais, como forma de legitimar as normas de decisão.

Em Alba Paulo de Azevedo447, a regulamentação da informatização do processo judicial, com a Lei 11.419/06, visa atender “[...] ao clamor de desafogar a Justiça [...]”, visto que tem o potencial de atender aos anseios da sociedade quanto à efetivação do direito fundamental de acesso à justiça.

444“Todo o ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos

na presente Declaração possam ser plenamente realizados.” ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS.

Declaração Universal dos Direitos Humanos. 2000, p. 13. Disponível em: unicrio.org.br/img/DeclU_D_HumanosVersoInternet.pdf. Acesso em: 25 jul. 2013.

445 LIMA, Alcides Saldanha. A convenção americana sobre os direitos humanos e a razoável duração do processo

– reflexões a partir de dois precedentes da Corte Interamericana dos Direitos Humanos: Ximenes Lopes e Nogueira

Carvalho (versus Brasil). Anais do XIX Conpedi. Fortaleza, jun. 2010. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/anais_fortaleza.html>. Acesso em: 20 jul. 2013.

446 Disponível em: <http://www.oas.org/dil/por/1966PactoInternacionalsobreDireitosCivisePoliticos.pdf>. Acesso

em: 25 jul. 2013.

Nesse contexto, salienta-se a posição de Walter Nunes da Silva Júnior448, no sentido de considerar necessária a simplificação do processo judicial, a fim de garantir o efetivo acesso à justiça no modelo de Estado democrático constitucional em face da minoração do tempo necessário para o deslinde da causa. Segundo esse autor, portanto, a informatização do processo judicial é elemento indispensável ao exercício da função jurisdicional, mormente diante do direito fundamental à duração razoável do processo constitucionalizado com a Emenda Constitucional nº. 45/2004.

Numa perspectiva democrática do exercício da função jurisdicional, a busca por instrumentos que permitam a automação e desburocratização do processo é essencial para conferir legitimidade às normas de decisão, bem como para concretizar os direitos de acesso à justiça e duração razoável do processo. O desenvolvimento de sistemas virtuais voltados para a tramitação do processo judicial é essencial para viabilizar a simplificação dos procedimentos, bem como para a gestão eletrônica da função jurisdicional.