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CAPÍTULO II – O PJe E A DISCURSIVIDADE NO ÂMBITO PROCESSUAL

1 PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS NO PJE

1.2 ANÁLISE DA DISCURSIVIDADE

A proposta de Jürgen Habermas573, no âmbito da discursividade, pauta-se na proteção das condições viabilizadoras do procedimento democrático, com a possibilidade de participação dos destinatários da norma no processo de decisão. No âmbito do processo judicial eletrônico, questiona-se a influência da divulgação eletrônica dos autos processuais na institucionalização do discurso.

Conforme exposto, o processamento eletrônico dos atos processuais amplia a publicidade das peças e dos documentos anexos aos autos digitais, razão pela qual o CNJ, após

572 Essa ressalva será utilizada como parâmetro para testar as hipóteses levantadas quanto à discursividade e o

acesso à justiça democrático, conforme o método hipotético-dedutivo.

573 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,

consulta popular e de representantes das carreiras jurídicas, elaborou uma Resolução específica sobre o tema, em prol da preservação do direito à intimidade574.

A ampliação da publicidade interna (partes e respectivos procuradores) facilita sobremaneira a visualização dos atos processuais e documentos anexos, bem como interfere no andamento processual. Com a disponibilização integral dos autos na internet, faz-se desnecessária a concessão de vistas fora da secretaria – prática essencialmente comum nas rotinas forenses, para permitir que as partes se manifestem sobre determinada petição ou documento juntado aos autos tradicionais (de papel).

Isso influencia na questão dos prazos processuais, de modo que se torna dispensável a previsão de prazo sucessivo às partes, diante da possibilidade de acesso simultâneo a todos os documentos que compõem os autos processuais pelas partes litigantes. Além disso, favorece a redução do tempo necessário com o deslinde da causa, com a concessão de prazo comum para as partes se manifestarem sobre documentos anexos aos autos digitais.

Ademais, o PJe estende a possibilidade de visualização dos autos processuais para além do horário forense, uma vez que as partes têm acesso ilimitado e ininterrupto (durante 24 horas por dia, em dias úteis, domingos e feriados) de todos os atos processuais praticados. Com isso, facilita-se o acompanhamento do andamento do feito, inclusive em dias não úteis e fora dos limites da jurisdição do órgão judicial, bastando apenas a necessidade de um provedor com acesso à internet.

Considerando-se que a legitimidade das decisões judiciais decorre da efetiva participação das partes no seu processo de elaboração575, a possibilidade de acesso ininterrupto e integral aos autos processuais é elemento que potencializa a participação das partes no processo de elaboração da norma de decisão.

A publicidade externa, como salientado, é restringida em virtude da proteção do direito fundamental à intimidade das partes processuais. Visualiza-se, com isso, um ponto vulnerável no software utilizado pelo Tribunal Regional de 5ª Região: a sociedade não tem acesso ao teor das decisões, sentenças e acórdãos proferidos no âmbito dos órgãos jurisdicionais. No entanto, a versão nacional mais recente do PJe permite tal visualização, de modo a garantir a fiscalização dos julgamentos pela sociedade, elemento imprescindível ao modelo de Estado democrático de direito, em face da necessária manutenção da legitimidade no exercício da função jurisdicional.

574 Dispõe sobre a divulgação de dados processuais eletrônicos na rede mundial de computadores, expedição de

certidões judiciais e dá outras providências. Resolução 121, de 5 de outubro de 2010. Publicada no DJ-e nº 187/2010, em 11 out. 2010.

575 SILVA, Rosemary Cipriano da. Direito e processo: a legitimidade do estado democrático de direito através do

A Resolução 121 do CNJ salienta a necessidade de preservação da publicidade desses atos judiciais, como elemento que viabiliza o controle das normas de decisão produzidas no âmbito do Poder Judiciário pela sociedade576, com base no princípio democrático e na necessidade de se auferir a legitimidade no exercício da função jurisdicional.

Ademais, a garantia da publicidade dos julgamentos é prevista no texto constitucional577 e em documentos internacionais578, e não pode ser afastada pelo órgão jurisdicional com a utilização de um software que impeça o acesso ao inteiro teor dos julgamentos proferidos.

Inobstante isso, é possível afirmar que o PJe não macula a discursividade, diante da possibilidade ampla e ininterrupta de acesso das partes à integralidade dos autos processuais, viabilizando que elas possam fiscalizar ativamente os atos processuais produzidos pelo magistrado.

Esclareça-se: o modelo de sistema virtual do PJe não supre, por óbvio, o problema estrutural da função jurisdicional decorrente das normas processuais elaboradas à luz da escola instrumentalista do processo e da teoria de Oskar von Bülow579, bem como de outros elementos

presentes no processo de elaboração da norma de decisão (como a fundamentação com base na filosofia da consciência)580.

Os atuais entraves à institucionalização do discurso, apontados pela doutrina581, podem permanecer com a informatização do processo judicial. Contudo, o PJe viabiliza a ferramentas para que, com uma alteração legislativa e organizacional, seja possível garantir as condições para um processo democrático de elaboração da norma de decisão, mormente diante da ampliação da publicidade interna.

576 Dispõe sobre a divulgação de dados processuais eletrônicos na rede mundial de computadores, expedição de

certidões judiciais e dá outras providências. Resolução 121, de 5 de outubro de 2010. Publicada no DJ-e nº 187/2010, em 11 out. 2010.

577 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A constituição e o Supremo. Coordenadoria de divulgação de

jurisprudência do STF (Org.). São Paulo: Montecristo Editora Ltda., 2012 (e-book).

578 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 2000, p. 6, sem

grifos no original. Disponível em: unicrio.org.br/img/DeclU_D_HumanosVersoInternet.pdf. Acesso em: 25 jul. 2013.

579 BÜLOW, Oskar von. La teoría de las excepciones procesales y los presupuestos procesales. Traducción de

Miguel Angel Rosas Lightschein. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1964.

580 O que é isto – decido conforme a minha consciência? 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013 (e-

book).

581 LEAL, André Cordeiro. Instrumentalidade do processo em crise. Belo Horizonte: Mandamentos, Faculdade