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CAPÍTULO I – ESTADO DEMOCRÁTICO CONSTITUCIONAL

3 PRECEITOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO CONSTITUCIONAL

3.2 O PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO CONSTITUCIONAL

A concepção democrática do Estado demanda a redefinição dos princípios consubstanciados em sua perspectiva clássica, o que impõe a superação dos paradigmas tradicionais do modelo de Estado de direito em face das novas exigências sociais, mormente quanto à realização dos direitos fundamentais e da garantia de exercício pleno da cidadania ativa109.

A superação do paradigma do Estado social é marcada pelo reconhecimento, nos âmbitos normativo e doutrinário, da internalização da participação popular na elaboração das decisões estatais, mormente na elaboração da norma de decisão no âmbito da função jurisdicional do Estado110.

A concepção do paradigma do Estado democrático constitucional, portanto, implica o reconhecimento da evolução do Estado de direito (formal e material), bem como de alguns princípios, senão vejamos.

O princípio da constitucionalidade, segundo Mário Lúcio Quintão Soares111, decorre do reconhecimento da supremacia da Constituição, como lei fundamental orientadora e delimitadora de todos os elementos do Estado democrático constitucional, bem como da sua força normativa.

108“O intérprete e o limites de sua discricionariedade. A moderna interpretação constitucional envolve escolhas

pelo intérprete, bem como a integração subjetiva dos princípios, normas abertas e conceitos indeterminados. Boa parte da produção cientifica da atualidade tem sido dedicada, precisamente, à contenção da discricionariedade judicial, pela demarcação de parâmetros para a ponderação de valores e interesses e pelo dever de demonstração fundamentada da racionalidade e do acerto de suas opções.” BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 349, com grifos no original.

109 SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do estado – introdução. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. 110 LUÑO, Antônio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. 2. ed. Madrid: Tecnos,

1986.

Consoante ressalva Konrad Hesse112, a essência da norma constitucional reside na sua vigência, ou seja, na possibilidade de a situação prevista normativamente ser concretizada na realidade social, razão pela qual defende que a pretensão de eficácia da norma jurídica apenas será alcançada quando observada a intrínseca relação entre o ordenamento normativo e o contexto fático correspondente (condições sociais, políticas, econômicas e outras).

Segundo Konrad Hesse113, “a Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia”e, ainda que considerada uma simples construção teórica, toda Constituição possui uma força vital mínima que apenas necessita ser desenvolvida com base na realidade fática, bem como na suacapacidade de imposição de condutas.

O sistema de proteção aos direitos fundamentais, consoante dispõe Mário Lúcio Quintão Soares114 “[...] exerce funções democráticas, sociais e de garantia do Estado democrático de direito”, razão pela qual esses direitos merecem ser considerados como uma categoria básica do paradigma do Estado democrático constitucional. Nesse afã, cumpre registrar a posição de Noberto Bobbio115 no sentido de que a efetiva proteção dos direitos

fundamentais é elemento essencial para o reconhecimento do Estado democrático constitucional.

A mera positivação de direitos de cunho fundamental é inócua se inexistir normas de organização e procedimento destinadas a sua realização116. Com amparo nas concepções de direito a procedimentos de Robert Alexy117 e de status activus processualis de Peter Häberle118, Gilmar Ferreira Mendes119 defende a concepção de que as garantias processuais dos direitos fundamentais enquadram-se como um dos fundamentos do Estado democrático constitucional. De acordo com Konrad Hesse120, os direitos fundamentais devem criar e manter as condições necessárias para assegurar a vida, a liberdade e a dignidade da pessoa humana.

112 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. 113 Ibid., p. 16.

114 SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do estado – introdução. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 220. 115 BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Campus,

1992.

116 MENDES, Gilmar Ferreira. Proteção judicial efetiva dos direitos fundamentais. In: LEITE, George Salomão;

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais e Estado Constitucional – Estudos em homenagem a J. J. Gomes Canotilho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

117 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo:

Malheiros, 2011.

118 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – A sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição:

Contribuição para a Interpretação Pluralista e “Procedimental” da Constituição. Tradução: Gilmar Ferreira

Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1997.

119 Em virtude desse fato, a segunda parte do trabalho volta-se à seguinte problematização: o sistema virtual, tendo-

se como objeto de estudo o software nominado PJe desenvolvido pelo CNJ, macula garantias processuais (mormente do discurso) para a proteção dos direitos fundamentais.

Apenas se logra tal objetivo quando a liberdade numa perspectiva coletiva resulta garantida na mesma medida da liberdade individual, já que elas se encontram relacionadas de modo intrínseco.

Com isso, a singularidade, a estrutura e a função dos direitos fundamentais objetivam garantir não apenas os direitos individuais, mas também os princípios objetivos básicos para o ordenamento constitucional democrático121. Assim, a teoria dos direitos fundamentais atua legitimando, criando e mantendo o consenso, bem como garantindo a liberdade individual e limitando o poder estatal – importantes elementos para os processos democráticos do atual paradigma de Estado, o democrático constitucional.

Portanto, os direitos fundamentais atuam como limite da atuação estatal e garantia dos fundamentos do ordenamento jurídico. Numa perspectiva democrática, têm-se a garantia e a concretização dos direitos fundamentais mediante o exercício pleno e efetivo da cidadania ativa do Estado, como capacidade de participação no exercício do poder político e na gestão dos negócios da comunidade, consoante ressalva Mário Lúcio Quintão Soares122.

A cidadania ativa não se resume à participação na gestão dos negócios, mas demanda a plena participação política na comunidade por diversos procedimentos123. Assim, além do

aprimoramento das instituições políticas, a efetivação plena da cidadania exige o desenvolvimento da democracia social, econômica e participativa, bem como a previsão de garantias e princípios processuais constitucionais como seus pilares.

Os direitos fundamentais asseguram a livre e igualitária participação dos cidadãos na formação da vontade política e, ainda mais, protege a atividade e a igualdade de condições das minorias políticas na formação da opinião pública124.

Depreende-se, portanto, que os pilares essenciais do Estado democrático constitucional são: (a) o sistema de proteção dos direitos fundamentais; (b) a garantia da cidadania ativa como elemento fundamental para a democracia. Apenas com a racionalização

121 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo:

Malheiros, 2011.

122 SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do estado – introdução. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 220. 123 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral da cidadania: a plenitude da cidadania e as garantias

constitucionais e processuais. São Paulo: Saraiva, 1995.

124 Nesse sentido: “Si non son tutelados los Derechos Fundamentales, no existe para la minoría alguna posibilidad de convertirse en mayoría. Justamente esto es una característica esencial de la democracia. Con esto también

resulta corroborada la opinión de Smend, según la cual los Derechos Fundamentales no son ‘restricciones’

contrapuestas al Estado; más bien, forman con él una relación unificante (“verbindende Bezichung”).” Tradução livre: Se não são tutelados os Direitos Fundamentais, não existe para a minoria alguma possibilidade de converter- se em maioria. Apenas isso é uma característica essencial da democracia. Com isso também resulta corroborada a opinião de Smend, segundo a qual os Direitos Fundamentais não são ‘restrições’ contrapostas ao Estado; mas forma com ele uma relação unificante (“verbindende Bezichung”). HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Londres: Polity Press, 1996, p.384.

do poder, consoante ressalva Jürgen Habermas125, é possível que os cidadãos estejam envolvidos na concretização dos sistemas de direitos, a fim de superar a tensão entre facticidade e validade sociais.

Importante salientar que a análise dos paradigmas do Estado pautou-se numa concepção global dos movimentos constitucionais, sem delimitar, portanto, o contexto do Brasil. Na concepção de Walter Nunes Silva Júnior126, o Brasil tardou em instaurar o modelo de Estado constitucional, de modo que apenas com o processo de redemocratização do país, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, é possível identificar os elementos de paradigma desse Estado.

Inobstante o texto constitucional se utilize do termo “Estado Democrático”127, o

paradigma estabelecido no país é o do Estado democrático constitucional, pautado, primordialmente, pela proteção da dignidade da pessoa humana e do sistema de direitos fundamentais, conforme as lições de Walter Nunes da Silva Júnior128.

3.3 FUNÇÃO JURISDICIONAL E PROCESSO NO MODELO DE ESTADO