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CAPÍTULO II – O PJe E A DISCURSIVIDADE NO ÂMBITO PROCESSUAL

4 GARANTIA DA DISCURSIVIDADE

No modelo de Estado democrático constitucional, é essencial, para a análise da legitimidade das normas de decisão, que seja viabilizada a institucionalização do discurso (convertido em princípio democrático quando se faz presente como uma garantia do cidadão619).

A efetiva participação das partes no processo de elaboração da norma de decisão, com a apresentação de argumentos relevantes para a construção dessa norma, não pode ser pressuposta, mas auferida continuamente num processo de fiscalidade normativa620.

Neste tópico, visa-se analisar se o PJe cria condições para viabilizar um espaço democrático para a produção da norma de decisão, considerando-se como a ampliação da publicidade e a forma de comunicação nesse sistema virtual interferem na prática dos atos processuais. Impende considerar a potencialidade desse software, haja vista que, como a norma processual civil ainda está atrelada aos preceitos da instrumentalidade do processo, não se torna plausível considerar que o sistema virtual, por si só, viabiliza o princípio democrático.

Do princípio do devido processo legal, decorrem princípios que, uma vez considerados seus corolários, merecem estar presentes durante todo o trâmite processual. Os princípios do contraditório, isonomia e ampla defesa são as bases para o espaço discursivo-procedimental da soberania popular621 e, por conseguinte, permitem a delimitação teórica dos elementos da formação da vontade jurídica antes do exercício da vontade decisória no âmbito da função jurisdicional.

Tendo em vista que esses princípios tornam viável “[...] a clarificação discursiva dos conteúdos fáticos-normativos pelos destinatários da decisão” 622, o Poder Judiciário merece ter

como eixo para a elaboração das normas de decisão, não a razão imediata e prescritiva do julgador, mas a compreensão de que elas são construídas no espaço procedimental da razão discursiva.

Nesse diapasão, a ampliação da publicidade interna no software do PJe permite que as partes tenham acesso integral e ininterrupto aos autos processuais digitais, o que facilita

619 TEIXEIRA, Welington Luzia. Da natureza jurídica do processo à decisão judicial democratizada. Belo

Horizonte: Fórum, 2008.

620 ALMEIDA, Andréa Alves de. Processualidade jurídica e legitimidade normativa. Belo Horizonte: Fórum,

2005.

621 SILVA, Rosemary Cipriano da. Direito e processo: a legitimidade do estado democrático de direito através do

processo. Belo Horizonte: Arraes Editora, 2012.

622 LEAL, André Cordeiro. Instrumentalidade do processo em crise. Belo Horizonte: Mandamentos, Faculdade

sobremaneira o exercício das garantias processuais constitucionais do contraditório e da ampla defesa, rechaçando a necessidade de concessão de vista dos autos fora da secretaria do órgão jurisdicional.

Impende destacar trecho da obra de Alba Paulo de Azevedo623 para destacar os benefícios decorrentes da amplitude da publicidade interna dos autos processuais e da simultaneidade para a celeridade processual: “[...] conforme revela a experiência da judicatura em juízo com processos eletrônicos, em que ações foram despachadas, em final de semana e a intimação lida por advogado, no minuto subsequente ao despacho [...]”.

Ademais, a possibilidade ininterrupta de prática dos atos processuais pelas partes viabiliza o aprofundamento do diálogo no âmbito processual, bem como majora a possibilidade de fiscalização contínua e simultânea dos atos praticados, pelos demais sujeitos processuais. Como não se demonstra adequado compreender o processo como atividade eminentemente do julgador – conforme a postura de Oskar von Bülow624 e da concepção instrumentalista do

processo –, deve-se garantir uma estrutura procedimental/institucional que viabilize as condições necessárias ao discurso e, por conseguinte, a fiscalidade da norma de decisão.

Conforme pontuado, encontram-se duas vulnerabilidades no âmbito da versão do PJe utilizada no TRF da 5ª Região: (a) ausência de disponibilização do inteiro teor da decisões judiciais; (b) ausência de comunicação por e-mail das intimações registradas no sistema virtual e de publicação da decisão no órgão de comunicação oficial (diário da justiça eletrônico).

O primeiro ponto atinge a publicidade externa dos atos processuais, elemento vinculado ao sistema democrático do Estado, por proporcionar a confiança na opinião pública no âmbito da administração da justiça625. Conforme exposto, a garantia da publicidade externa é elemento salutar no Estado democrático constitucional626 que não pode ser rechaçado, razão pela qual foi efetuado amplo debate para a regulamentação da publicidade, com a Resolução 121 do CNJ.

Como esse documento normativo determina a disponibilização integral do teor das decisões, sentenças e acórdãos proferidos pelos órgãos jurisdicionais, infere-se que há apenas a necessidade de adequação do software a essa norma, viabilizando-se, com isso, a possibilidade

623 AZEVEDO, Alba Paulo de. Processo penal eletrônico e direitos fundamentais. Curitiba: Juruá, 2012, p. 137. 624 BÜLOW, Oskar von. La teoría de las excepciones procesales y los presupuestos procesales. Traducción de

Miguel Angel Rosas Lightschein. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1964.

625 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Revista Forense. Rio de Janeiro. v. 337.

jan./mar., 1997.

626 Processo eletrônico. Princípio da publicidade. Informações processuais pela internet. Direito fundamental.

Sociedade em geral e interessados diretos: distinção. Processos criminais e trabalhistas. Ato normativo nº. 0001776-16.2010.2.00.0000. Relator: Conselheiro Walter Nunes da Silva Júnior. DJ-e nº 185/2010, 07 out. 2010.

de fiscalização da atividade jurisdicional pela sociedade, como fator para a legitimidade da atuação do Poder Judiciário.

O segundo ponto, por sua vez, macula a efetiva comunicação dos atos processuais às partes. Inobstante a lei que regulamenta a informatização do processo judicial preveja a dispensa da publicação em órgão oficial, ela estabelece a possibilidade de comunicação do registro (e não do teor) da intimação inserida no sistema virtual, com a expedição de uma notificação via e-mail.

A supressão dos dois elementos (publicação e comunicação) transfere ao advogado (e procurador) a responsabilidade de procurar saber quando foi proferido algum ato judicial, com o acesso constante ao sistema virtual, para identificar o registro de possíveis intimações. Como ainda persistem diversos modelos de sistema virtual, isso pode prejudicar a efetiva ciência dos atos processuais e, por conseguinte, macular o direito de ampla defesa.

A potencialidade do PJe para o desenvolvimento da estrutura procedimental/institucional capaz de viabilizar as condições para o discurso no âmbito processual é evidente, visto que essas e outras possíveis vulnerabilidades do software são pontuais e facilmente sanáveis. Considerando-se que o processo de aprimoramento do software é gradativo627, nada obsta a que inconsistências pontuais sejam sanadas, a fim de adequá-lo aos preceitos constitucionais do processo civil, mormente quanto à institucionalização do discurso.

627 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Inspeções & Audiência Públicas. Disponível em:

www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-modernizaçao-e-transparencia/inspecoes-e-audiencias-publicas. Acesso em: 25 jul. 2013.