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CAPÍTULO II O EIXO DO “CURRÍCULO”: PRODUÇÃO CURRICULAR NO

2.1 Abordagem histórica do Currículo

2.1.1 A pesquisa curricular no Brasil

Os primeiros ensaios sobre currículos no Brasil foram sistematizados por Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, dois dos principais organizadores do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, no ano de 1932, influenciados pela obra Democracia e Educação, de John Dewey.

Nas décadas seguintes, o campo curricular em nosso país foi impulsionado, principalmente, pela criação do Instituto Nacional de Pedagogia em 1937 e que viria a ser, mais tarde, o Instituto Nacional de Ensino e Pesquisas Educacionais (INEP). O INEP apresentava como objetivo organizar documentos sobre a Educação e técnicas pedagógicas. Esse Instituto publica, em 1955, o primeiro livro nacional sobre currículo, Introdução ao Estudo da Escola Primária, de João Roberto Moreira.

O Programa de Assistência Brasileiro-Americano ao Ensino Elementar (PABAEE) criado em 1956, possibilitou a disseminação de programas curriculares e de uma forte tendência tecnicista. Isso se evidencia com a tradução e inserção do livro de Ralph Tyler, Princípios Básicos de Currículo e Ensino, de 1974 (SOUZA, 1993).

Os movimentos sociais e culturais da década de 1970 – apoiados pelas leituras do filósofo francês Louis Althusser, identificando o sistema educacional com os aparelhos ideológicos do Estado, bem como pelas leituras dos teóricos sociais, também franceses, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron que abordam os conceitos de reprodução da estrutura social – passaram a criticar o currículo emergente de Ralph Tyler, essencialmente tecnicista9.

Na década de 1980, os pesquisadores brasileiros, influenciados pela literatura internacional em currículo, representada por Michel Apple e Henry Giroux, estabeleceram centros de discussões e pesquisas nessa área. A obra Ideologia e Currículo, de Michel Apple foi a primeira no campo curricular, do ponto de vista da Sociologia traduzida no Brasil. Nessa obra, o autor investiga o conceito de hegemonia no campo educativo e curricular, os interesses sociais incorporados nas formas dominantes do conhecimento curricular e o modo

como as escolas desempenham um papel fundamental na distribuição de diferentes tipos de conhecimento.

A pesquisa sobre currículo da Educação Básica, realizada no âmbito da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) por pesquisadores do grupo de trabalho (GT) de currículo, observou, em 2006, que havia naquele momento 28 Programas de Pós-graduação com linhas ou pesquisas institucionais em currículo.

Veiga-Neto e Macedo (2006), autores convidados para redação do documento nesse GT de currículo da ANPEd, destacam que as linhas mais acionadas nesse campo são: história do currículo e das disciplinas; formações de professores quanto às políticas curriculares; os processos de constituição dos conhecimentos escolares, e processos de seleção, organização e distribuição dos currículos escolares na dinâmica de produção e reprodução da sociedade.

Em outra base de dados, observamos que no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 2010, havia mais de 200 grupos cadastrados com o tema currículo, em nosso país. Nesse todo, classificam-se linhas diversas e enfoques distintos que ampliam o documento do GT de currículo da ANPEd.

Mais recentemente, Silva (2010, p. 14) nos diz que sendo a Educação e o currículo institucionalizados, ou não, em um espaço de significação, são umbilicalmente ligados à formação de identidades; e continua, “... [o currículo] produz e organiza identidades culturais, de gêneros, identidades raciais, sexuais...”. Assim, o currículo transcende o espaço de conhecimento. É por intermédio da perspectiva realista do conhecimento que se faz o espaço crítico no currículo. A semelhança é subjacente ao realismo praticado na literatura, em que se subtraem da ficção os artifícios para dar a impressão de uma ‘realidade’. O currículo, visto desta forma, reflete, reproduz uma ‘realidade’ (SILVA 2010, p. 14).

Wexler (1982) citado por Silva (2010, p. 16) argumenta que “o currículo [oficial] é o reflexo distorcido da realidade”. É também dessa perspectiva que se extrai do currículo sua relação de poder. O currículo é central, texto, discurso, é uma relação hierárquica; por isso, não podemos eximi-lo de sua relação de poder.

Silva (2010) constrói seus argumentos pautados na textualidade, no discurso e na matéria que o currículo representa e estabelece como relação de poder.

É nesse contexto que se situa a questão da renovação e da ampliação da tradição crítica em educação. No centro dessa tradição crítica esteve sempre uma preocupação com questões de currículo. A tradição crítica compreendeu, há muito, que o currículo está no centro da relação educativa, que o currículo corporifica os nexos entre saber, poder e identidade [...] não por coincidência, o currículo é também um dos elementos centrais das reestruturações e das reformas educacionais que em nome da eficiência econômica estão sendo propostas em diversos países. Ele tem uma posição estratégica nessas reformas precisamente porque o currículo é o espaço onde se concentram e se desdobram as lutas em torno dos diferentes significados sobre o social e sobre o político.

A história do currículo, sua elaboração, pesquisa e produção são elementos-chave na nossa investigação, pois a pesquisa foi elaborada durante o processo da própria reforma curricular no Estado de São Paulo, iniciada no ano de 2008, revelando, assim, os embates, as discussões, os avanços, no tempo real em que essas ações ocorreram.

O currículo cumpre, principalmente, diante das volumosas proporções e desigualdades sociais, populacionais, de distribuição de riquezas e, sobretudo, da realidade educacional no Brasil, o plano mínimo daquilo que se pretende fazer na Educação Básica, em especial nas escolas públicas que abrigam grande parte dos estudantes menos favorecidos economicamente. No entanto, também não podemos ignorar o currículo como parte de uma relação política, financeira e por que não ideológica e de poder. Dessa forma, questionamos: qual(is) concepções ideológicas que marcam o currículo que pesquisamos?

Jonnaert et al. (2010), examinando a classificação de Schiro (2008) sobre as ideologias do currículo, observam que ele é necessariamente uma relação de inclusão hierárquica10 pois, o currículo orienta e define conceitos. Essa classificação é constituída como: (a) acadêmica da escola, baseada na necessidade para os jovens de ter acesso aos saberes acumulados e é organizada em disciplinas e centrada na transmissão; (b) eficiência social que, por meio da escola, julga-se capaz de satisfazer as necessidades da sociedade, de forma permanente; (c) centrada no aluno e visa ao desenvolvimento social, intelectual, emocional e físico; (d) reconstrução social considerada como meio para construção de uma sociedade igualitária.

10 Para os autores Jonnaert et al., o currículo inclui os programas de ensino, e não o contrário. Essa relação, portanto, é hierárquica.

Para os autores citados, os currículos são determinados por fatores complexos tais como políticos, sociais e demográficos. Um esboço desta organização pode ser resumido pela Figura 2.

Figura 2 - Fatores que determinam o currículo de um sistema educativo.

Fonte: Jonnaert et al (2010, p. 40)

Dessa forma, o fator do contexto político é expresso nos documentos oficiais, leis ou decretos. Um exemplo desse modelo, no nível político, cuja influência do currículo foi determinante é o caso de Cuba. Naquele país, o Ministério da Educação deixa claro em seu documento que, apesar das mudanças no contexto político-social mundial e do desenvolvimento crescente da ciência e da técnica, em particular das novas tecnologias da informação, o currículo permite fortalecer a identidade e a cultura nacional, o desenvolvimento dos sentimentos patrióticos e anti-imperialistas (MINISTERIO DE EDUCACIÓN REPÚBLICA DE CUBA, 2001).

Já no plano social, quanto ao difícil caminho da universalização do acesso à Educação Básica brasileira iniciada com a reforma educacional Lei de Diretrizes e Bases da Educação –

(LDB) nº 5692/71, ampliando o nível básico que passara de 4 (quatro) para 8 (oito) anos, salientamos que tal acesso se deu apenas durante a última reforma nacional de 1996, LDB nº 9394/96 em que se rediscutiu a competência do financiamento (FUNDEF), embora o Governo Federal tenha se eximido de tal competência e da centralização do sistema de avaliação como controle.

Salientamos que também é possível uma discussão desses fatores em torno dos cenários econômicos e culturais, internacionais. Esses temas relacionam-se fortemente com as visões filosófica, sociológica e econômica que temos a respeito do mundo.