• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV O EIXO DA “PRÁTICA DOCENTE”: O PROFESSOR E O

5.3 Análise da concepção de Competência

Já nos detivemos no Capítulo III, tratando das relações entre a competência e o currículo, o seu aparecimento histórico no campo do comportamento e o ressurgimento na teoria educacional.

Destacamos que as competências são eixos na maior parte dos currículos produzidos recentemente em diversos países como, por exemplo, França, Portugal, Espanha e Estados Unidos. No Brasil, as competências são referenciadas nos principais documentos curriculares produzidos nos últimos anos (PCN, PCNEM e DCNEM) e, como tais documentos são referências, eles subsidiam os currículos regionais elaborados pelos estados brasileiros.

No recente currículo do Estado de São Paulo, as competências formam um conjunto, por meio da prioridade da leitura e da escrita, do currículo como espaço de cultura, da escola que também aprende, da articulação das competências para aprender e da contextualização no mundo do trabalho. Estes são os princípios desse documento.

Retomamos então a compreensão que temos a respeito de competência. Nossa reflexão conduz aos elementos, sejam eles cognitivos, de atitudes ou de procedimentos, que mobilizam os conteúdos disciplinares e os associam ao contexto prático ou teórico, e neste movimentam

as competências, modificam, (des)constroem o estado dos saberes disciplinares. Também, são elos fundamentais entre o currículo prescrito e o praticado. Por fim, a competência é o contraponto de uma lista de conteúdos, além de pautar os documentos nacionais e dar forma aos currículos regionais.

Aqui analisamos a concepção dos professores sobre as competências, sobretudo, no âmbito do ensino da Matemática. Utilizamos, para tanto, a classificação de Jonnaert et al (2010) quando classificam a noção de competência na literatura em Educação, sob três lógicas: da ação em situação ou atuacionista, da lógica curricular e da lógica da aprendizagem. Para estes autores, a primeira lógica refere-se à atuação, ou seja, como uma pessoa ou um grupo age. A lógica curricular indica os elementos a serem prescritos no currículo ou programas de ensino e nas expectativas do desenvolvimento dessa competência. Ainda nessa lógica, o desenvolvimento de competências é uma finalidade e determina o conteúdo na forma de programas de ensino. Por fim, a lógica da aprendizagem permite aos alunos o desenvolvimento das competências realizadas na sala de aula.

Quando perguntamos aos professores: “o que é ensinar para desenvolver competências e habilidades em Matemática”, observamos a partir da lógica em situação verifica-se que 62% (sessenta e dois por cento) dos professores questionados fazem referência à noção de competência como destacamos a seguir:

P1: Tornando o aluno um ser participativo, capaz de solucionar problemas com a sua experiência e vivência do seu dia a dia.

P2: É tornar o aluno um ser pensante, participativo e capaz de solucionar situações-problema, com ferramentas e cálculos criativos, que pertencem ao meio em que vive, ou que tenha adquirido ao longo do processo educacional em que se encontra.

P3: É tornar o aluno capaz de solucionar situações-problema e que seja participativo e criativo.

Os professores salientam em seus discursos que as competências são elementos para desenvolver as atitudes e a emancipação dos alunos referente ao uso da Matemática em seu cotidiano. O discurso, sob esta lógica atuacionista ligada ao aluno, é fator importante tanto para a lógica curricular no desenvolvimento às mediações quanto para a lógica da aprendizagem que regula a formação. Esse tipo de lógica valoriza a contextualização dos conteúdos, termo muito difundido nos documentos curriculares nacionais (PCNEM e

DCNEM), como no currículo que estamos analisando (São Paulo, Proposta Curricular, 2008). No entanto, o termo contextualização é discutido e rebatido com veemência por Lopes (2002), que ressalta sua forma ambígua, já que a produção desses documentos é constituída por diversos discursos, caracterizando um híbrido na Educação. A contextualização utilizada pelos professores é uma aproximação dos termos empregados nas últimas reformas curriculares encontradas no cenário nacional e internacional e comumente é interpretada no sentido do cotidiano, minorando o caráter ‘eficientista’ de produção e mercado (Lopes, 2002, p. 391).

Miguel (2003, p. 241) reforça que,

[...] a preocupação com a contextualização do fato matemático exige pensar no encaminhamento de um trabalho pedagógico em que a ação preceda a operação de tal modo que a matematização de situações-problema postas pelo cotidiano se mostra de salutar importância.

Segue-se, em nossa análise, com 28% (vinte e oito por cento), a relação das competências segundo a lógica da aprendizagem. Ao lado da lógica atuacionista, a lógica da aprendizagem representa os percursos realizados na sala de aula, ou seja, o seu resultado.

P17: Partir de onde o aluno tem dificuldades, tempo hábil para retomada de conteúdos e poder sanar as defasagens que os estudantes trazem dos anos anteriores.

P18: Dar ao aluno “instrumentos” para que os estudantes apresentem suas tomadas de decisão e a resolução de problemas.

Nas relações entre as lógicas atuacionista e da aprendizagem, os docentes buscam o que é fundamental para se percorrer o caminho do desenvolvimento das competências pelos alunos. Diferem, desta forma, da Pedagogia por objetivos que, segundo Pacheco (2001, p. ), refere-se “ao resultado que se deve alcançar no final desse caminho”. Enfim, o resultado da análise das competências atuacionistas é incorporado à dinâmica da sala de aula. Destaca-se nesta lógica a competência construída e regulada pelo professor.

A terceira lógica, que enquadra os discursos dos professores, é a lógica curricular, sendo que cerca de 10% (dez por cento) dos professores a destacam. Os professores indicam os elementos necessários a serem prescritos nos programas de ensino, para que os alunos realmente desenvolvam as competências.

P15: Através de suas competências adquiridas no seu dia a dia (as quatro operações, resoluções de problemas e interpretação), contextualizando suas habilidades

P36: Trabalhar com os pré-requisitos do aluno faz com que ele desenvolva competências e habilidades. Mas como trabalhar equações trigonométricas sem antes o aluno ter conhecimento de ciclo trigonométrico e suas relações, como acontece no caderno do 1º bimestre no 2º ano do Ensino Médio?

Nessa lógica, os conteúdos são meios para o desenvolvimento da competência. Dessa forma, inverte-se a lógica dos objetivos, na qual os saberes disciplinares são fins. Essas três lógicas, embora os autores formulem diferentes quadros teóricos, articulam-se e complementam-se. A lógica da situação alimenta-se da curricular e esta instrumentaliza a da aprendizagem.

De outra forma, quando analisamos o que diz o grupo de professores entrevistados, encontramos determinada inversão desta classificação priorizando a lógica curricular em detrimento das outras lógicas:

E4: Eu sempre termino minhas aulas dizendo assim, que os objetivos disto que é a competência; evidente que a competência sai dos conteúdos. Não tem como saltar de uma coisa para outra sem o conteúdo.

E6: Eu trabalho o conteúdo. Nas séries que eu trabalho há uma lista de exercícios com as mesmas habilidades.

Embora os documentos curriculares (São Paulo, Proposta Curricular, 2008; São Paulo, Caderno do Professor, 2009) atribuam importância à ideia de competência e sua influência, entre os professores pesquisados, observa-se que não houve adesão à ideia por parte dos professores. A contextualização é o outro fragmento extraído das entrevistas, reforçando a análise dos questionários, que já disponibilizamos.

Além da classificação de Jonnaert et al (2010) a partir das lógicas de situação, curricular e aprendizagem destacamos um outra sistematização que elaboramos a partir do discurso dos professores. Nessa sistematização foi possível observar duas ênfases elaboradas pelos professores sobre a competência e que puderam ser classificadas da seguinte forma. A primeira é reforçada pelo desenvolvimento matemático do aluno através do cálculo, da demonstração e das operações. Nesse sentido, denominamos essa sistematização da competência como caráter técnico de aplicação nos meios educacionais. As competências e os objetivos específicos são sinônimos para os professores entrevistados (ou que responderam ao

questionário). Para eles as competências servem para desenvolver a própria matemática. Essa direção é contrária ao formulado na Proposta Curricular de Matemática que diz “todos os conteúdos disciplinares, nas diversas áreas, são meios para a formação dos alunos como cidadãos e como pessoas” (SEESP, 2010, p.39). Assim, destacamos que a Matemática é meio para o desenvolvimento da competência.

P22: Desenvolver no aluno a capacidade de analisar, relacionar, comparar, aplicar conceitos e aprofundar a compreensão dos mesmos, buscando a linguagem de conceito mais próxima da linguagem do aluno.

P23: É fazer com que o aluno tenha condições de resolver situações problemas de diferentes maneiras, não se preocupando com a maneira que usou seu raciocínio, pois o objetivo é que ele chegue ao resultado final.

Quanto a segunda ênfase, as formulações elaboradas pelos professores questionados são que as competências impliquem no contexto, ou seja, as competências são essenciais para o enfrentamento social ou do mundo do trabalho. Assim, as competências assumem um significado critico.

P33: Articular as disciplinas e as atividades escolares com aquilo que se espera que os alunos aprendam ao longo dos anos. É com as competências e habilidades adquiridas, que os educandos contarão para fazer sua leitura critica do mundo, para compreende-lo e propor explicações, para defender suas ideias e compartilhar novas e melhores formas de ser. Graças às competências e habilidades desenvolvidas pelos educandos poderemos saber se a escola como instituição está cumprindo bem o papel que se espera dela no mundo de hoje.

P41: Ensinar para desenvolver competências e habilidades está relacionada a tornar o aluno capaz de solucionar bem problemas escolares e também cotidianas. Precisamos ensinar o aluno a aprender, ensiná-lo a identificar e executar as ações necessárias para a solução desses problemas.

Embora essa sistematização seja dualista, foi possível observar também a função conjunta entre o desenvolvimento da Matemática (técnico) e do contexto (critico) elencados pelos professores.

P2: É tornar o aluno um ser pensante, participativo e capaz de solucionar situações problemas, com ferramentas e cálculos criativos, que pertencem ao meio em que vive, ou que tenham adquirido ao longo do processo educacional em que se encontra.

P35: Resumidamente ensinar para a vida, sem deixar de trabalhar os respectivos conteúdos matemáticos.

P9: Tratando de uma ciência exata, ensinar matemática para mim é esclarecer, mostrar, provar ao educando a utilização e a necessidade de se conhecer esta ciência para o dia-a-dia, a sua profissão etc.

Por fim, destacamos o elemento da resistência que se amplia nessas três lógicas. Trata-se da resistência, sobretudo, quanto aos aspectos que orientam para uma prática que se diferencia dos modelos tradicionais. Instrui ainda essa resistência a prática orientada pela competência.

P1: Complicado! Complicado! Uma das coisas que me deixa confuso quando fazemos alguma reunião com o grupo de trabalho, competências e habilidades... porque, na verdade, a gente não acaba se preocupando tanto com isso... você não acaba se preocupando tanto. Você acaba trabalhando automaticamente sem se dar conta. Você não para para pensar. Isso é outra coisa que é só modismo, em breve sai e o que fica são os conteúdos que estão deixando cada vez mais de lado.

Essa é uma coisa que é da mesma forma quando surgiu a transdisciplinaridade. Se a pessoa não falasse dez vezes na mesma reunião parecia que ela estava por fora do assunto.

Como já destacamos em capítulos anteriores deste trabalho, as resistências produzidas pelos professores que atuam na sala de aula são sintomas claros, na medida em que não se sintam inseridos no contexto de uma implementação curricular.