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A política do poder vista do Mediterrâneo

No documento Um mundo que também é nosso (páginas 156-159)

4. Chanceler (Rio de Janeiro, 1963-1964)

5.5. A política do poder vista do Mediterrâneo

Em que pese o silêncio de Castro sobre os grandes temas da política internacional, não deixou de fazer algumas observações sobre o que percebia como sendo o relativo declínio das Nações Unidas e do neutralismo. A questão adentrava nos seus telegramas em função do problema cipriota. Cada ator (entre os gregos, os turcos, os ocidentais, os soviéticos e os próprios cipriotas) tinha opiniões sobre o melhor foro para discutir a questão, em função do resultado que desejavam. Alguns preferiam a ONU; outros, a OTAN; outros, ainda, negociações diretas bilaterais ou trilaterais.

Castro considerava que estaria em curso um enfraquecimento político das Nações Unidas, cujo resultado seria que “os grandes problemas mundiais tendem novamente a resolver-se em termos de política de poder”205. Apontava duas causas para esse fenômeno.

A primeira seria o embate em torno do financiamento das operações de manutenção da paz conduzidas pela Organização, que vinha se arrastando desde 1956 na Assembleia Geral e na Corte Internacional de Justiça206. Brevemente, a URSS e a França consideravam ilegítimas as cobranças que recebiam para financiar as missões de paz e recusavam-se a pagar. O crescente montante de dívidas desses países com a Organização os levou à iminência de perderem o direito de voto na Assembleia, nos termos do

204 Ofício 227, da Embaixada do Brasil em Atenas à Secretaria de Estado das Relações Exteriores, 1º de outubro de 1965 (AHMRE, pasta A-B – Ofícios – 230).

205 Ofício 116, da Embaixada do Brasil em Atenas à Secretaria de Estado das Relações Exteriores, 6 de maio de 1965 (AHMRE, pasta A-B – Ofícios – 229) (grifo no original).

206 Nações Unidas (1999).

Artigo 19 da Carta. Com a URSS ameaçando se retirar da Organização se perdesse o voto, a crise entrou em fase aguda, levando até mesmo a sucessivos adiamentos do início da 19a sessão da Assembleia Geral, de setembro de 1964 para novembro e, então, para dezembro. Em 1965, foi constituído um Comitê Especial sobre Operações de Manutenção da Paz para buscar uma solução para o impasse.

O fato é que as Nações Unidas passavam por uma crise ao mesmo tempo operacional (faltava dinheiro) e política (dois membros permanentes recusavam-se a pagar suas contribuições para a Organização e a URSS ameaçava se retirar), o que minava a credibilidade da Organização como instrumento capaz de promover a paz mundial de forma eficaz.

A segunda causa identificada por Castro para o declínio das Nações Unidas era o próprio enfraquecimento do bloco neutralista (ou, nas palavras que utilizou enquanto Chanceler) da “articulação parlamentar de pequenas e médias potências”. Afinal, se, para Castro, a Organização, servia para matizar a política de poder, quem mais trabalharia para fortalecê-la seriam aqueles que tinham pouco poder. E eles passavam por maus momentos:

O antigo neutralismo, de inspiração e sabor afro-asiático e subdesenvolvido, está em franco declínio, com a queda de Ben Bella [Presidente da Argélia], a liquidação política de Sukarno [Presidente da Indonésia], a deposição de Nkrumah [Presidente de Gana] e a sucessão de golpes-de--Estado na África207.

Com a Organização em crise e os países não alinhados enfraquecidos, Araujo Castro enxergava a volta da “política de poder”. Retomava, portanto, a oposição entre a Organização e esse

207 Ofício 125, da Embaixada do Brasil em Atenas à Secretaria de Estado das Relações Exteriores, 1º de junho de 1966 (AHMRE, pasta A-B – Ofícios – 232).

tipo de política presente em seus escritos desde a conferência na ESG de 1958. Cabe recordar que essa oposição era feita em termos intensamente “realistas”. Castro não considerava que as Nações Unidas se opunham à política de poder por causa do idealismo de seus propósitos, mas porque permitiam a participação daqueles países que seriam ignorados em tratativas diretas entre as grandes potências. Na política de poder, “o apoio dos neutralistas e não alinhados (que não dispõem de ‘força política’, mas apenas de ‘força numérica’) torna-se sobremaneira menos importante”208.

Só a força numérica, contudo, dificilmente traria resultados concretos, mesmo no âmbito da ONU. Ao discutir a resolução adotada pela Assembleia Geral sobre Chipre, Castro observou que a inabilidade de se convencer as Grandes Potências a votarem a favor do texto tornava-o suscetível ao “veto invisível”, isto é, à não implementação da resolução por falta de vontade daqueles que teriam poder para assegurar sua implementação209.

Nessas condições, prevalecia um “ceticismo generalizado”

sobre o papel da Assembleia:

Considera-se provável que seja finalmente aprovado um daqueles textos clássicos (cheios de Deeply concerned..., Recalling..., Taking note of..., Urges all Parties to refrain...) que deixem as coisas no pé em que atualmente se encontram210. Finalmente, é digna de nota uma referência ao “congelamento”

praticado pelas Nações Unidas. Castro observou que o problema do Chipre, por despertar paixões nas opiniões públicas domésticas

208 Ofício 159, da Embaixada do Brasil em Atenas à Secretaria de Estado, 4 de julho de 1965 (AHMRE, pasta A-B – Ofícios – 230).

209 Ofício 10, da Embaixada do Brasil em Atenas à Secretaria de Estado, 4 de janeiro de 1966 (AHMRE, pasta A-B – Ofícios – 231).

210 Ofício 280, da Embaixada do Brasil em Atenas à Secretaria de Estado, 3 de dezembro de 1965 (AHMRE, pasta A-B – Ofícios – 230).

tanto da Turquia, quanto da Grécia, não era passível de resolução.

“Por isso mesmo, a única alternativa é a de ‘congelar’ os problemas e nesse particular, a ONU poderia continuar a desempenhar o seu papel – aliás altamente meritório – de deep freezer”211.

Castro aqui usou “congelar” em sentido semelhante àquele que empregou em 1958. Naquele ano, como se recorda, ao se referir aos conflitos na Coreia, na Indochina e na Alemanha, Castro chamava atenção para lugares onde o “congelamento” de uma fronteira entre forças comunistas e ocidentais correspondia à tentativa americana de conter a expansão soviética, sem que isso levasse a hostilidades abertas entre as superpotências212.

No documento Um mundo que também é nosso (páginas 156-159)