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Posse como Chanceler

No documento Um mundo que também é nosso (páginas 109-113)

4. Chanceler (Rio de Janeiro, 1963-1964)

4.1. Posse como Chanceler

A cerimônia de posse de Castro ocorreu em 24 de agosto de 1963. Em seu discurso na ocasião, assim como em suas posses em

119 “Araujo Castro no Itamarati”, Última Hora, Rio de Janeiro, 23 ago. 1963.

120 Campos (2004), p. 539.

121 “Embaixador Araujo Castro substituirá Evandro Lins no Ministério do Exterior”, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 ago.1963.

seus cargos anteriores, evidenciou sua visão clara sobre a direção em que a política externa deveria ir. Mais uma vez, centrou essa visão na ideia dos Três Ds, que começara a utilizar enquanto Secretário-Geral Adjunto para Organizações Internacionais:

Em todo e qualquer foro internacional, a diplomacia brasileira não deixará de bater-se pelos grandes temas do desarmamento, do desenvolvimento econômico e da descolonização. Muito embora não se possa enquadrar neste trinômio toda a multiplicidade de interesses políticos e econômicos do Brasil na comunidade das nações, torna--se cada dia mais claro que esses três objetivos informam toda uma ação política, a ser desenvolvida, em plena e estreita cooperação com as nações irmãs do hemisfério e com todas aquelas que a nós se queiram juntar, num esforço diplomático comum. Desarmamento, desenvolvimento e descolonização são temas e objetivos arrolados na Carta das Nações Unidas. Ao reclamarmos uma ação efetiva e continuada nessas três grandes áreas de progresso político e social, não estamos reclamando senão o cumprimento das promessas de São Francisco122.

O discurso teve forte tônica econômica. Chamam particular atenção duas tentativas de desviar para a seara do desenvolvimento termos e instituições tradicionalmente ligadas à segurança internacional. A primeira é o chamado pela constituição de “um sistema de segurança coletiva no campo econômico, paralelo àquele que temos ajudado a construir no campo político e de segurança”123. Embora não tenha entrado em detalhes sobre no que consistiria tal sistema, estava clara a ideia de que a tradicional

122 Franco (2008), p. 177.

123 Franco (2008), p. 178.

prevalência de questões de segurança sobre questões econômicas nas relações internacionais não atendia aos interesses brasileiros.

A segunda sinalização nesse sentido ocorreu no contexto das palavras de Castro sobre o sistema interamericano:

[o sistema interamericano] para nós significa um instrumento de trabalho em prol da paz e do entendimento entre as nações. O que é imperioso é que esse sistema interamericano se transforme num elemento dinâmico de renovação e de justiça social, de luta permanente pela real implementação dos princípios contidos na Carta [da Organização] dos Estados Americanos. O pan- -americanismo é para nós uma atitude de solidariedade diante de problemas comuns e não uma posição retórica de juridicismo ou academicismo. Os problemas da América Latina são demasiado urgentes e demasiado graves para que nos possamos contentar com a mera reafirmação das fórmulas inexpressivas – e, por isso mesmo, unânimes – que caracterizaram certos pronunciamentos coletivos do passado124.

Aqui, Araujo Castro contrapunha ao tradicional papel da OEA, guardiã da segurança do Hemisfério (implicitamente contra o comunismo), algo no espírito da Operação Pan-Americana, que promovesse o desenvolvimento da América Latina. Na primeira concepção, o sistema interamericano seria, de certa forma, voltado para fora, instrumento de defesa comum do continente contra um inimigo externo. Na segunda, seria voltado para dentro, destinado a permitir que parte do continente (América Latina) dialogasse em bases coletivas com os Estados Unidos sobre o desenvolvimento.

124 Franco (2008), p. 179.

É possível que Lincoln Gordon tivesse razão quando especulou que Castro era “um pouco menos instruído em assuntos econômicos”. Certamente, nunca se dedicou ao tema com a profundidade e com o conhecimento técnico de colegas como Miguel Osório de Almeida ou Roberto Campos. Porém, como deixou claro aqui (e ao longo de sua carreira, especialmente enquanto Chanceler), tinha aguda consciência da importância da dimensão econômica das relações internacionais e da necessidade de dar a eles real peso político em foros multilaterais.

Castro não ignorou, em seu discurso, o delicado contexto político doméstico no qual teria de desincumbir-se de suas funções. A questão já o preocupava antes; agora, que ele seria a face mais visível da política externa brasileira, ela se tornaria ainda mais urgente:

Não podemos permitir que generalizações apressadas ou falsas opções venham a comprometer esse esforço para ajustar as tendências de nossa ação diplomática à vocação universal do povo brasileiro. O Brasil é, hoje, suficientemente maduro e consciente para que possa negociar e assumir compromissos com quem quer que seja. Aos alarmados e aos descrentes, onde quer que eles se encontrem – no centro, à direita ou à esquerda –, eu peço que tenham um pouco mais de confiança em nosso país e no Itamaraty125.

Castro certamente não ignorava o risco de que uma condução desajeitada da política externa pudesse criar problemas para a própria sustentabilidade do governo, como ocorreu com Jânio Quadros. No entanto, até mais que isso, se preocupava com o risco de que a polarização política gerasse obstáculos para a implementação de uma política externa “madura” e “consciente”.

125 Franco (2008), p. 176.

Apesar de ter sido alçado ao cargo de Ministro, Castro continuava a se preocupar mais com política externa do que com política doméstica (o que não era o caso de todos os seus antecessores), reflexo de sua condição de diplomata de carreira.

Ao fim de seu discurso de posse, Castro referiu-se afetuosamente aos “colegas que sempre se rebelaram contra a rotina, contra o conformismo e contra as exterioridades e convencionalismos de uma diplomacia há muito superada”126. Mais uma vez, numa instituição onde as tradições eram sacrossantas, Castro optava por palavras de mudança.

No documento Um mundo que também é nosso (páginas 109-113)