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O contexto dos Três Ds

No documento Um mundo que também é nosso (páginas 115-119)

4. Chanceler (Rio de Janeiro, 1963-1964)

4.3. O contexto dos Três Ds

Para Castro, 1963 era um ano crítico para o sistema internacional, as Nações Unidas e o Brasil. As transformações desde o fim da Segunda Guerra Mundial mudaram fundamentalmente as dinâmicas da política nacional e internacional – como ele diria no discurso, “não é em vão que se vivem 18 anos de história, em plena era nuclear”132. Vários processos históricos distintos se encontravam naquele momento, criando um cenário de desafios e oportunidades sem precedentes. Desde Hiroshima e Nagasaki proliferaram-se as armas nucleares, àquela altura, possuídas por quatro países (com a China prestes a realizar seu primeiro teste um

130 Telegrama particular do Embaixador Carlos Alfredo Bernardes ao Ministro de Estado das Relações Exteriores, 27 de agosto de 1963 (AHMRE, pasta ONU – CTs e Telegramas – Confidenciais – julho- -dezembro 1963).

131 Telegrama 342 da Delegação do Brasil em Genebra à Secretaria de Estado, 16 de agosto de 1963 e despacho telegráfico 245 da Secretaria de Estado à Delegação do Brasil em Genebra, 17 de agosto de 1963 (AHMRE, pasta Delegação em Genebra – CTs e Telegramas - Recebidas e Expedidas –1963).

132 Franco (2008), p. 189.

ano mais tarde). O processo de descolonização trouxera dezenas de novos Estados para o sistema internacional e esses Estados, por sua vez, buscavam acelerar a libertação daqueles territórios que ainda não eram independentes. A crise dos mísseis levou o mundo à iminência de uma catástrofe atômica, mas, ao ser equacionada, estabeleceu um novo diálogo entre as superpotências, que abria novas possibilidades, como a assinatura do Tratado de Proscrição Parcial.

Esse novo diálogo era um dado fundamental para qualquer ator que buscasse encontrar, no sistema internacional, uma posição que não se limitasse à simples adesão à OTAN ou ao Pacto de Varsóvia. Para a China Popular, o Movimento Não Alinhado, a França do General de Gaulle ou o Brasil, as margens de atuação eram bastante diferentes daquelas de um ano antes.

Em uma entrevista alguns meses depois, Castro detalhou sua visão dessa mudança:

Embora alguns não se tenham dado conta, a polarização da vida internacional perdeu muito em nitidez. Houve inegável relaxamento de tensões. E tornaram-se inviáveis os esforços de mediação entre a União Soviética e os Estados Unidos, que certas potências se tinham habituado a desenvolver.

Hoje em dia, o contato é direto, simbolizado pela existência do teletipo vermelho entre Washington e Moscou. Isso não significa que as divergências Oriente-Ocidente estejam superadas [...] O jogo da Guerra Fria continua, mas as regras mudaram. É preciso que nos acostumemos a esse novo esquema da realidade política internacional e superemos, em favor de fórmulas mais realistas e criadoras,

as análises anteriores, condicionadas por divisões de rígida polarização 133.

A referência à superação de “análises anteriores, condicionadas por divisões de rígida polarização” era mais uma manifestação da preocupação de Castro com os obstáculos que a política doméstica poderia gerar para a política externa. Essencialmente, não adiantaria a diplomacia brasileira adaptar-se às novas realidades se a sociedade brasileira a elas permanecesse alheia.

Nas Nações Unidas, as transformações daqueles anos desencadearam um embate de agendas na Organização. À tradicional agenda de segurança, predicada nas divisões Leste-Oeste, eram agora contrapostos os temas da descolonização e do desenvolvimento, orientados mais no eixo Norte-Sul. As superpotências viam com nervosismo essas tendências – do lado americano, por exemplo, havia preocupação em “equilibrar” a Assembleia e em evidenciar que “o anticolonialismo não é o único problema que o mundo enfrenta”134.

Essa preocupação derivava, em parte, da transformação no perfil da Organização. Quando de sua fundação, tinha 51 membros;

quando Castro fez seu discurso naquele mês de setembro, já eram 111, dos quais uma proporção considerável oriunda da Ásia, África e América Latina. Um dos grandes símbolos dessa mudança no equilíbrio da Organização foi a adoção, em 1960, da Resolução 1514 (XV), a “Declaração de Outorga da Independência aos Países e Povos Coloniais”. Outro símbolo estava para surgir em breve: já estavam em estágio avançado os preparativos para a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento – a UNCTAD – a ter início em março de 1964, em Genebra.

133 Franco (2008), p. 270-271.

134 US Department of State (2001), documento 252.

Quais eram as implicações desse contexto para o Brasil?

Para Araujo Castro, eram alvissareiras as perspectivas em vários aspectos. A assinatura do Tratado de Proscrição Parcial sugeria haver possibilidade para novos progressos no campo do desarmamento.

A UNCTAD seria um passo importante na consolidação do desenvolvimento como tema da política internacional e a América Latina certamente teria papel relevante na Conferência – afinal, seu Secretário-Geral seria o argentino Raul Prebisch, que dirigia a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).

Os países afro-asiáticos demonstravam capacidade e disposição de trabalharem juntos na Assembleia Geral para aprovarem ambiciosas resoluções.

Não obstante essas e outras oportunidades, também havia problemas. Em particular, havia o risco de que, ao defender os interesses nacionais, a diplomacia brasileira fosse vista como simpatizante do comunismo ou do neutralismo por setores da opinião pública doméstica ou pelos Estados Unidos, o que geraria sérios constrangimentos políticos. Essa era a mesma preocupação que Castro manifestara dois anos antes, na reunião organizada por San Tiago Dantas para tratar da questão cubana.

Do outro lado da moeda, era preciso fortalecer as credenciais brasileiras junto aos países afro-asiáticos, à luz de sua nova importância na Organização. Durante seu mandato como membro não permanente no Conselho de Segurança, no biênio 1963-1964, o Brasil buscara demonstrar seu apoio a esses países, mas ainda tinha dificuldade em acompanhá-los como gostaria em alguns temas (em particular, as colônias portuguesas, muito embora a posição do Brasil houvesse evoluído muito desde o governo Kubitschek). Tudo isso teria que ser levado em conta no discurso.

No documento Um mundo que também é nosso (páginas 115-119)